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Situação do Sistema Prisional Brasileiro

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Situação do Sistema Prisional Brasileiro
Foto: Fotoforum





“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”.
NELSON MANDELA – Long Walk to Freedon, Little Brown, Lodres: 1994.


Ao apresentar este relatório à sociedade brasileira e ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) vem se somar ao esforço no sentido de estabelecer um diagnóstico objetivo e de propor soluções de alcance emergencial e estrutural para o sistema prisional brasileiro.

Não se pretende revelar situações desconhecidas nem expressar-se em modelos acadêmicos. Aqui se oferece uma visão compartilhada do problema, a partir do olhar de agentes públicos, militantes sociais e religiosos ligados aos direitos humanos de 16 Estados e do Distrito Federal. Trata-se de um documento comprometido com os princípios e padrões ratificados pelo Brasil em instrumentos internacionais e na legislação interna. Seus autores, quer atuem no poder público quer na sociedade civil, têm em comum o efetivo conhecimento da realidade dos cárceres brasileiros. São deputados das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, voluntários das Comissões Pastorais Carcerárias e de outras organizações de direitos humanos que têm convivido com a comunidade prisional, as famílias dos presos, os agentes penitenciários e autoridades públicas gestoras dessas instituições.

Estes colaboradores se uniram para produzir o relatório a partir de uma videoconferência, no dia 19 de junho de 2006, com Assembléias Legislativas de 17 Estados integradas na comunidade virtual do Legislativo – Interlegis. O encontro foi coordenado de Brasília por este presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). Também participaram de Brasília as representantes do Departamento Nacional de Política Criminal e Penitenciária Dras. Hebe Teixeira e Arieny Carneiro, além de representantes do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Direitos Humanos e assessores da CDHM. Essas entidades foram representadas também em diferentes Estados.

A videoconferência foi seguida do envio de outros documentos e relatórios. O conjunto dessas informações passou, então, por uma síntese realizada pela equipe da CDHM, que foi objeto de nossa análise e comentário no texto de abertura. Assim foi produzido a versão que ora apresentamos.

Trata-se de uma contribuição oferecida num momento de crise aguda do sistema prisional. As rebeliões de internos adultos e adolescentes, que de tão corriqueiras já sequer chamam a atenção da sociedade, esgotam-se como mecanismo de pressão e obtenção de visibilidade. Como afirmou na videoconferência o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, deputado Pedro Teruel, “as rebeliões agora partem de dentro mas ocorrem principalmente fora das prisões”.

De fato, o transbordamento dos muros das prisões para ganhar as ruas é uma característica das rebeliões atuais, cujo marco de referência foi a onda de violência iniciada pelo PCC em São Paulo em fins de maio último, seguida de cerca de 500 homicídios até agora não esclarecidos. Neste começo de julho, agentes penitenciários de São Paulo vêm sendo assassinados diariamente, enquanto a penitenciária de Araraquara-SP nós dá o deprimente espetáculo de violações de direitos sem fim dos 1.500 presos onde cabem 160. As facções de criminosos engendraram, a partir das prisões, redes organizadas com ex-presos, familiares e outras pessoas submetidas à sua influência. Esse método de atuação, envolvendo numerosa população marginalizada, é potencializada por ódios decorrentes da violência e da corrupção no meio policial.

Na sociedade predomina o desprezo aos internos no sistema prisional. Não há sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. O quadro resultante, absolutamente crítico, exige respostas imediatas na forma de políticas públicas que envolvam todas as instituições responsáveis e a sociedade civil. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos, é um problema da sociedade. E toda a sociedade passará a sofrer o agravamento das conseqüências de sua própria omissão.

A premissa inicial na busca de soluções é ter clareza dos limites do papel do sistema prisional. Ações no ambiente interno desse sistema são necessárias mas insuficientes para dar conta do imenso desafio. É preciso investir mais no enfrentamento das causas e menos nas conseqüências do ato criminal. Sabe-se que construir uma escola sempre evitará a construção de muitas prisões. Assim, a perspectiva de erguer mais e mais cárceres deve ser substituída pela decisão de atuar prioritariamente na prevenção do crime e na aplicação de penas alternativas.

A outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função. O que se pode esperar de um ser humano – que não perde essa condição a despeito de ter cometido crime, amontoado em masmorras fétidas, submetidos à tortura, à toda a sorte de humilhações e maus-tratos, transformado em refém do crime organizado? Que exemplo a sociedade e o Estado estamos dando aos presos se não respeitamos seus direitos fundamentais e lhe negamos acesso à justiça? O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Geraldo Moreira, ilustrou essa situação de forma dramática ao afirmar que “a sociedade, por meio do Estado, está financiando o embrutecimento, fabricando monstros”.

É essencial oferecer valores humanos como referências para a comunidade prisional. Cumprir as leis de execução penal, garantindo assistência judiciária, com a contratação de mais defensores públicos; aplicar as penas alternativas para infrações menos ofensivas; criar meios para a justiça restaurativa e a remissão de penas por educação e trabalho, concorrendo para a reinserção do futuro egresso na sociedade.

É preciso desmistificar as falsas soluções no sentido de recrudescer as normas de cumprimento de penas, brandidas em momentos de comoção pública por segmentos políticos com influência nos serviços de segurança pública. Agravar penas e reduzir idade penal, impor castigos cruéis, aplicar de forma indiscriminada a Lei dos Crimes Hediondos, igualando os delinqüentes de crime único aos de alta periculosidade, essas medidas têm sido empregadas sem sucesso. Pelo contrário, o Estado de São Paulo, que vem se orientando nos últimos anos por essa política regressiva, é o Estado com a mais explosiva situação prisional de todo o país, tanto nas unidades para adultos quanto nas de internação de adolescentes da FEBEM, reprovadas por diferentes instituições internacionais de direitos humanos.

Não há possibilidade de humanizar e dar eficiência às instituições fechadas sem a ação planejada no nível dos recursos humanos. É urgente promover uma reflexão sobre o papel do agente penitenciário, definir suas responsabilidades, valorizar suas funções, dar-lhe condição de trabalho e segurança, como um dos pilares para a imediata reestruturação do sistema. Em contrapartida, deve ser cobrado o cumprimento das leis no sentido de punir delitos cometidos por esses agentes. A entrada de armas, telefones celulares e drogas, as ordens de execuções de crimes de dentro das unidades, contam freqüentemente com a participação de agentes públicos.

Salientamos, finalmente, a importância da participação da sociedade na gestão do sistema prisional, por meio de conselhos e associações que acompanhem o cotidiano das unidades. O Estado deve criar condições e estimular a atuação de organizações civis como instrumento de cidadania e defesa dos direitos humanos junto a essa população custodiada pelo Estado. Inclusive com a faculdade de acionar o poder judiciário para requerer o cumprimento de ações nos processos, como a progressão penal, o livramento por extinção de pena, iniciativas de ressocialização e para gerar trabalho e renda para os egressos.

Parafraseando Mandela, não atingiremos um padrão aceitável de direitos humanos para o nosso País sem garantir que esses direitos alcancem os homens e mulheres reclusos nas nossas prisões.

* Esta é a apresentação do relatório recém-entregue pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ao Conselho Nacional de Política Criminal o Penitenciária. Participaram da sua elaboração agentes públicos, militantes sociais e religiosos ligados aos direitos humanos de 16 estados e do Distrito Federal. A íntegra está disponível na área de Donwloads desta página.






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