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Uma rede segura

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Uma rede segura
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É necessário ter muito cuidado ao entrar em páginas de comunidades virtuais como o Orkut. Nelas está a maior parte das causas de denúncias contra crimes como racismo e pornografia infantil. É o que diz o presidente da organização não-governamental SaferNet, Thiago Tavares. A instituição, criada no fim de 2005, busca justamente a prevenção contra esse tipo de infração e também o desmonte de páginas de conteúdo criminoso.


Para atingir esses objetivos, a instituição construiu um sistema de denúncias e investigação que conta com apoio do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. “É um sistema nos moldes de outros mecanismos de denúncias instalados em vários países do mundo”, diz Tavares.


Nos sites www.safernet.org.br e www.denunciar.org.br é possível denunciar diversos tipos de crimes, infelizmente comuns na internet. Basta clicar no botão vermelho “Denuncie”, que uma lista de infrações aparecerá. Lá o internauta que tiver se deparado com alguma cena de pornografia infantil ou encontrado uma comunidade de exaltação ao racismo, por exemplo, pode informar à equipe da ONG o endereço da página ou da comunidade e adicionar comentários à sua queixa. Tudo anonimamente, para que ninguém corra riscos por prestar um serviço à cidadania.

A quantidade de avisos recebidos pela organização é gigantesca. Só de 30 de janeiro deste ano até 2 de agosto, foram registradas 86.188 denúncias, sendo a maioria, 81.549, envolvendo comunidades do Orkut. Do total, 42% eram relacionadas a casos de pornografia infantil. A SaferNet estima que existam naquela rede de relacionamentos cerca de 40 mil imagens de crianças em cenas de sexo.

Algumas medidas já foram tomadas em relação a isso. Com base em dados da ONG, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luis Eduardo Greenhalgh, entregou documento ao Congresso norte-americano informando o crescimento do número de crimes cometidos via internet. Muitas das empresas que hospedam esse tipo de site estão sediadas nos EUA. Foi o caso, por exemplo, do Google, que recentemente se negou a entregar ao Ministério Público Federal uma lista com dados de pessoas acusadas de pedofilia. A empresa alega que os dados estão armazenados nos EUA – sob a legislação de lá, portanto. O MPF afirma não haver base legal para essa afirmação. Em nota, avisa que “não descarta a possibilidade de ingressar com uma Ação Civil Pública para pedir a desconstituição da empresa Google no Brasil pelo constante desrespeito à legislação e a Justiça brasileiras”.

O segundo tema mais denunciado é o incitamento a crimes contra a vida, com 17% dos registros. Em seguida, a apologia ao nazismo, com 12,9%, e denúncias de maus tratos contra animais, com 11,9%.

Depois de verificar a denúncia, a equipe da organização a repassa ao Ministério Público ou à Polícia Federal para que tomem as providências legais e iniciem investigações quando necessário.

A ONG avisa que cuida apenas de crimes contra os direitos humanos, já que problemas como fraudes bancárias e roubo de senhas, entre outros, demandam ao menos a permissão do denunciante. Quem acusa, portanto, precisa se identificar perante a autoridade. No vocabulário jurídico, são os “crimes de Ação Penal Pública Condicionada a Representação ou Privada”.

“São infrações que precisam ser julgadas para saber se aconteceram mesmo, se houve intenção etc. Se divulgarmos cada denúncia desse tipo antes de julgadas, poderemos injustiçar alguém”, explica Tavares. Ainda assim, o site oferece informações sobre como num caso de fraude. É preciso guardar todas as provas (páginas visitadas, senha roubadas etc) e então procurar uma delegacia especializada em crimes cibernéticos. Elas estão presentes no Distrito Federal e nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Onde não existir uma delegacia especializada, a dica é procurar uma delegacia normal.

O modelo de ação da SaferNet foi copiado da Hotline, da Inglaterra. Lá, já em 1996, ativistas de direitos humanos perceberam a necessidade de abrir um canal de denúncias contra crimes praticados na internet. A idéia se propagou rapidamente e, dois anos depois, oito países europeus já haviam estabelecido mecanismos de denúncia e investigação desses crimes. Ainda em 1998, decidiram formar uma rede de cooperação, pois muitas vezes os crimes são praticados fora do país onde são denunciados. Uma página que contenha pedofilia pode estar hospedada em qualquer lugar do mundo, daí a necessidade de integração desses sistemas.

Assim surgiu outra entidade, a In Hope, datada de 1999, financiada pela União Européia e que hoje já abrange 24 países. O Brasil já foi participante, mas teve de se retirar em novembro do ano passado, por falta de pagamento das taxas de associação e por ausência de reuniões. A presença brasileira continua autorizada, mas será preciso contribuir. “O Brasil não foi expulso, apenas não tem condições de participar plenamente enquanto não houver dinheiro para isso”, esclarece o presidente da SaferNet.

A ONG brasileira foi criada logo depois desse episódio, em dezembro de 2005. Agora a busca é por recursos para manter a atual equipe de 20 pessoas e, se possível, ampliá-la. O custo atual da entidade é de R$ 50 mil por mês, incluindo o pagamento de pessoal e a manutenção de equipamentos.

Um projeto foi enviado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil nas últimas semanas, mas ainda não houve resposta. De acordo com o CGI, não há confirmação ou previsão sobre a liberação desses recursos. O CGI monitora denúncias de crimes, como fraudes bancárias, phishing entre outros. A SaferNet também enviou projeto para o edital Fome Zero da Petrobras e aguarda resposta.

Um aporte financeiro é urgente, garante Tavares. Afinal, ninguém na organização previa tanto trabalho. A estimava inicial era de receber cerca de 1.200 denúncias por mês, mas atualmente há uma média de 900 mensagens diárias, muitas delas sobre os mesmos casos. E o volume tende a crescer com o aumento do número de pessoas conectadas e das campanhas educacionais. “O crescimento do número de casos registrados é um problema. É preciso realizar campanhas de conscientização sobre o uso da rede”, diz Tavares.

Pensando nisso, a organização já publicou uma cartilha chamada “Diálogo Virtual”, resultado de um curso sobre conteúdo de internet voltado para adolescentes. Nela há todas as dicas sobre como evitar assédio sexual na rede e também uma lista de providências a serem tomadas por pais e filhos. O texto alerta que “contra pessoas de má índole, nenhum software ou hardware protegerá tanto seu filho quanto um diálogo franco com ele. A educação deve vir antes ou com a tecnologia”.

O site da SaferNet também tem dicas sobre formas de ação contra possíveis crimes [veja tabela ao lado]. Entre elas, o cuidado com o envio de fotos de crianças para falsas agências de modelos e a preservação da própria privacidade nos conteúdos postados na rede.

Marcelo Medeiros

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