Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
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Iara Pietricovsky*
Vivemos tempos difíceis. Ao que parece, a era dos extremos se perpetua no século XXI. Estamos assistindo a um acirramento da escalada de violência, desde o ataque ao World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington, em 11 de setembro de 2001.
A escalada de agressão e violência, materializada nas ações de guerra, tem sido um recurso recorrente na história da humanidade, quando tensões e diferenças existentes entre povos, países, religiões e culturas são tratadas com argumentos radicalizados ou fundamentalistas.
Israel e Palestina, entre outros, são jovens enquanto Estado-Nação, criados a partir de uma negociação internacional tensa e difícil, como solução para tensões e guerras históricas que têm, entre outras justificativas, razões econômicas, políticas e até religiosas. Os países árabes – tais como a Palestina, o Líbano, a Jordânia, assim como o Estado de Israel – foram plantados no mapa mundial a partir de lutas e lobbies políticos travados desde o começo do século XX – em especial, depois da Segunda Grande Guerra Mundial.
A questão era dar um território àqueles que reivindicavam um espaço no planeta Terra. Os palestinos lutam por seu território originário. Entretanto, seu direito ao território vem sendo negado tanto pelos Estados Árabes como pelo Estado de Israel. Os judeus, também originários desse ponto do planeta, reivindicavam por mais de 2000 anos o direito de voltar à “terra prometida”. Conseguiram isso comprando terras dos palestinos e, posteriormente, negociando politicamente com os governos hegemônicos da época. Traziam o desespero e o horror do Holocausto, resultado de uma política nazista de extermínio com a complacência de muitos Estados e muitas Igrejas.
O Estado de Israel foi construído a partir de um esforço dos judeus que estavam distribuídos em diferentes países, em sua diáspora, e reivindicavam um território. Foi um povo historicamente perseguido e freqüentemente rejeitado. Portanto a conquista de um território sempre teve um significado especial para o povo judeu.
A criação do Estado de Israel foi feita, em grande medida, por judeus progressistas de esquerda e fortemente pacifistas, que visavam à criação de um Estado laico e democrático. No entanto essa força original, que é o fundamento de origem de Israel, se encontra enfraquecida e abafada no atual momento. O judaísmo, para estes, tinha um sentido mais cultural e político de busca de uma identidade e de um território. Começaram por comprar parte do território dos palestinos (cerca de 6%) e o restante foi fruto de negociação internacional que resultou, em 1948, na criação do Estado de Israel.
Tensões entre árabes, palestinos e judeus pela ocupação do território existiram sempre. Os judeus, com mais suporte dos países aliados ocidentais, com mais dinheiro e com um lobby mais poderoso, acabaram ocupando as melhores terras agricultáveis da região, restando aos palestinos as piores parcelas do território. Luta e violência entre árabes e judeus ocorreram desde as primeiras levas de judeus à região. É fato histórico o grande levante dos árabes contra os judeus, entre 1936 e 1939, e, posteriormente, após constituído o Estado de Israel, a eclosão da famosa Guerra dos Sete Dias, ocorrida em 1967, entre várias outras que se seguiram, ao longo do século XX e no século XXI.
Entretanto, é a Guerra dos Sete Dias que marca o movimento de “direitização” de Israel e a opção definitiva pelo uso da força e pela ocupação de territórios palestinos para a auto-afirmação e o reconhecimento, por parte do mundo árabe, da existência do Estado Israelense. A política de invasão e ocupação dos territórios palestino e libanês e a opção pela guerra acabam colocando Israel numa posição indefensável para aqueles que acreditam numa alternativa de diálogo para a região.
O movimento muçulmano de oposição a Israel é uma reação à aliança entre Israel e Estados Unidos, de um lado, e à própria marginalização produzida pelas elites árabes em seus contextos sociais. Esses países são até hoje teocráticos, na sua grande maioria, e têm profunda dificuldade de lidar com debates mais democráticos para a estruturação do poder em suas respectivas sociedades. Em outros casos, esses movimentos foram criados com apoio dos EUA, entre outras potências aliadas do mundo ocidental. As alianças construídas na região ora expressavam um alinhamento com os EUA, a Inglaterra ou a França, ora com a antiga União Soviética. Mais recentemente, temos a aliança entre os EUA e a Europa para retaliar o governo iraniano, que sempre teve uma política abertamente antiamericana e declaradamente pela extinção do Estado de Israel.
O Hamas nasceu com o apoio norte-americano no tempo do mundo polarizado entre a antiga União Soviética, de um lado, e, do outro lado, os Estados Unidos da América e o mundo capitalista ocidental. O Hezbolá – “o Partido de Deus” –, ideologicamente próximo ao Irã, foi fundado especialmente para resistir a Israel. Cresceu recrutando militantes xiitas pobres do sul do Líbano e da periferia de Beirute, da mesma forma na Síria. São populações discriminadas pelas elites burguesas libanesas, entre outras. Esse partido foi legalizado a despeito de abertamente fazer uso da força armada com a condescendência da Síria, do Irã e do Líbano. Não se submete a nenhum governo ou a nenhum acordo que não seja aquele por eles defendido. Também advoga posições indefensáveis para aqueles que olham o conflito dentro de uma perspectiva pacífica e de diálogo entre as partes.
Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução que obriga o Hezbolá a abrir mão de suas armas. Essa decisão teve a concordância do governo libanês; entretanto a ONU vem sendo ignorada tanto pelos aliados ocidentais quanto pelos países aliados no Oriente Médio. Mesmo com a posição mais crítica da Europa, o fato é que o Conselho de Segurança da ONU não consegue aprovar um cessar-fogo imediato para a guerra, e nesta decisão estão os EUA e os países europeus, permitindo que a guerra continue.
Essa breve retrospectiva histórica nos permite concluir que, embora uma solução para aquela região seja urgente, somente terá o resultado positivo de afirmação da paz com uma enorme dose de boa vontade política das potências ocidentais – em especial os EUA e a União Européia –, dos países árabes e dos Estados de Israel e da Palestina. EUA e Europa são atores fundamentais do mundo ocidental para o cessar-fogo, e, do outro lado, Líbano, Síria, Irã, Israel e Palestina são atores fundamentais e responsáveis diretos pelo que está acontecendo. Não existem respostas simples para uma complexidade política e cultural dessa magnitude.
Como fazer com que os mandatários das grandes potências desistam de uma política beligerante, conservadora e acirrada, principalmente após o 11 de setembro de 2001, quando o governo dos EUA já estava sob a gestão Bush? Como parar com a expansão da militarização em detrimento dos caminhos pautados no diálogo diplomático, mesmo que muitas vezes pareçam progredir com lentidão exasperante?
A maneira como os Estados vêm se organizando em seus modelos democráticos parece não levar em conta o tamanho e a complexidade do problema. O voto, somente, não está sendo capaz de produzir mudanças suficientes na estrutura de poder, de modo a garantir, por meio dos novos mandatários, uma posição em favor da paz e de uma nova ética política. É preciso, também, chamar atenção para o avanço da intolerância e da xenofobia no ambiente social, conseqüência, entre outros fatores, da manipulação do medo pelos governos e pela grande mídia, e do acirramento dos fundamentalismos. Bush foi eleito e o apoio à guerra apenas recentemente começou a cair nos Estados Unidos, graças ao fracasso retumbante no Iraque, com a morte de soldados norte-americanos. As vozes do movimento progressista e comprometido com a paz vêm sendo abafadas, sem conseguir fazer com que prevaleçam os argumentos mais ponderados e de respeito aos direitos humanos. O mesmo acontece em Israel.
Por isso vemos uma situação aviltante e violenta acontecendo diante de nossos olhos, nos ataques de Israel ao Líbano e do Hezbolá a Israel. Faz muito tempo que os ódios de ambas as partes são alimentados, para servir à conveniência dos poderosos do mundo. Os números falam da desigualdade e do horror gerado pela opção de guerra feita pelos governos.
Temos que parar e refletir sobre o porquê de o Iraque ter sido destruído e a sua população condenada ao massacre, desde 2002. A sensação é a de que naturalizamos as notícias de guerra e morte em Bagdá e em outras cidades. Agora nos confrontamos com o horror da morte de quase mil civis, uma parte israelense e uma grande maioria libanesa, entre eles tantas crianças mortas enquanto dormiam. As guerras do nosso tempo não têm vencedores porque, mais do que nunca, são imorais.
É fundamental nos posicionarmos frente ao ataque e à morte do povo libanês e também contra a morte dos civis israelenses. Não podemos permitir que a escalada de violência prossiga. Temos que nos indignar e cobrar de nossos governantes uma posição firme contra esses Estados beligerantes e contra todas as decisões que se traduzam em guerra, violência e morte. É fundamental condenarmos governos e movimentos fundamentalistas que se mantêm e se justificam usando o argumento da guerra e da cizânia para se manterem no poder. Essa guerra é uma guerra de poder e hegemonia sobre territórios e recursos naturais. Sua escalada é um caminho sem fim e de futuro incerto.
Esse é um momento de reafirmação dos direitos humanos universais; é hora de reafirmar os tratados e as convenções internacionais; é hora de fazer com que os donos do poder e do Império ouçam que o caminho por eles traçado para os povos e as nações da terra está resultando em discriminação, morte e depredação ambiental irreversíveis. Precisamos exigir um cessar fogo imediato e um caminho negociado para o conflito no Oriente Médio. Exigir que a nossa melhor produção como força integradora e pacífica, que é o processo democrático e os paradigmas dos direitos humanos universais, seja efetivamente a base orientadora de nossas vidas individuais e coletiva.
O exercício da igualdade e da convivência, com respeito à diversidade dos povos, das nações e das culturas, é um desafio que parece se distanciar, embora a luta pela democracia, pela equidade e pela justiça nunca tenha precisado tanto ser revitalizada e reafirmada como nos tempos contemporâneos.
*Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em www.inesc.org.br.
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