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Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Nota do Unicef 


Nota oficial da diretora executiva do UNICEF, Ann M. Veneman, sobre ataques a Qana, no Líbano


Nova Iorque, 30 de julho de 2006 – Os ataques de hoje a Qana são uma dramática evidência de que as crianças estão, mais uma vez, pagando o alto preço da guerra.

Condenamos com veemência os permanentes ataques a civis, particularmente às crianças. Apelamos para que todas as partes envolvidas peçam ao secretário-geral Kofi Annan uma suspensão imediata das hostilidades. Nós, urgentemente, precisamos estabelecer mecanismos para resguardar as pessoas e dar salvo-conduto às operações humanitárias para:

· Proteger as crianças, os feridos, as pessoas com deficiência e os mais idosos que não podem refugiar-se ou escapar das áreas mais afetadas pelos bombardeios, pela guerra;
· Garantir suprimentos de emergência em hospitais e centros de saúde, principalmente no sul do Líbano, e ainda geradores de energia e combustível para evitar um colapso dos serviços de saúde, que se ocupam, agora, de milhares de feridos;
· Prover água e saneamento, comida e outros suprimentos básicos para dezenas de milhares de desabrigados alojados em prédios públicos em áreas de conflito;
· Estabelecer sistemas de comunicação de emergência para as comunidades mais vulneráveis para que possam informar suas condições e pedir ajuda em caráter de emergência.

Também estamos profundamente preocupados com os ataques a instalações das Nações Unidas em Beirute, que causaram danos significativos a essas instalações e obrigaram os funcionários da ONU a refugiarem-se. Os funcionários de ações humanitárias das Nações Unidas estão prestando assistência às pessoas vítimas dos conflitos, especialmente às crianças. Sua segurança, portanto, é da maior importância.

Informações sobre os ataques

Estima-se que 60 pessoas foram mortas em Qana neste domingo, 30 de julho.

O governo do Líbano estima que 600 pessoas foram mortas e mais de 3 mil feridas apenas naquele país desde o início dos conflitos entre o Hizbollah e Israel. O UNICEF estima que mais de um terço dessas vítimas são crianças.

Mais de 800 mil pessoas deixaram suas casas. Estima-se que quase 120 mil pessoas estejam vivendo em 652 escolas e parques públicos ao redor de Beirute. Entre essas, 45% são crianças.

Para mais informações: Wolfgang Friedl, UNICEF Amã: (+962) 6 553 9977 ext 422; wfriedl@unicef.org


Até quando?


Eduardo Galeano*


Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia ser assombrosa, se não fosse costumeira. Alguns tímidos protestos dizem que houve erros. Até quanto os horrores continuarão sendo chamados de erros? Esta carnificina de civis começou a partir do seqüestro de um soldado. Até quando o seqüestro de um soldado israelense poderá justificar o seqüestro da soberania palestina? Até quando o seqüestro de dois soldados israelenses poderá justificar o seqüestro de todo o Líbano?


A caça aos judeus foi, durante séculos, o esporte preferido dos europeus. Em Auschwitz desembocou um antigo rio de espantos, que havia atravessado toda a Europa. Até quando palestinos e outros árabes continuarão pagando por crimes que não cometeram? O Hezbollah não existia quando Israel arrasou o Líbano em suas invasões anteriores. Até quando continuaremos acreditando no conto do agressor agredido, que pratica o terrorismo porque tem direito de se defender do terrorismo? Iraque, Afeganistão, Palestina, Líbano... Até quando se poderá continuar exterminando países impunemente?

As torturas de Abu Ghraib, que despertaram certo mal-estar universal, nada têm de novo para nós, os latino-americanos. Nossos militares aprenderam essas técnicas de interrogatório na Escola das Américas, que agora perdeu o nome, mas não as manhas. Até quando continuaremos aceitando que a tortura continue legitimando, como fez o Supremo Tribunal de Israel, em nome da legítima defesa da pátria?

Israel deixou de ouvir 46 recomendações da Assembléia Geral e de outros organismos das Nações Unidas. Até quando o governo israelense continuará exercendo o privilégio de ser surdo? As Nações Unidas recomendam, mas não decidem. Quando decidem, a Casa Branca impede que decidam, porque tem direito de veto. A Casa Branca vetou, no Conselho de Segurança, 40 resoluções que condenavam Israel. Até quando as Nações Unidas continuarão atuando como se fossem outro nome dos Estados Unidos? Desde que os palestinos foram desalojados de suas casas e despojados de suas terras, muito sangue correu. Até quando continuará correndo sangue para que a força justifique o que o direito nega?

A história se repete, dia após dia, ano após ano, e um israelense morre para cada 10 árabes que morrem. Até quando a vida de cada israelense continuará valendo 10 vezes mais? Em proporção à população, os 50 mil civis, em sua maioria mulheres e crianças, mortos no Iraque equivalem a 800 mil norte-americanos. Até quando continuaremos aceitando, como se fosse costume, a matança de iraquianos, em uma guerra cega que esqueceu seus pretextos? Até quando continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta categoria?

O Irã está desenvolvendo a energia nuclear. Até quando continuaremos acreditando que isso basta para provar que um país é um perigo para a humanidade? A chamada comunidade internacional não se angustia em nada com o fato de Israel ter 250 bombas atômicas, embora seja um país que vive à beira de um ataque de nervos. Quem maneja o perigosímetro universal? Terá sido o Irã o país que lançou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki?

Na era da globalização, o direito de pressão pode mais do que o direito de expressão. Para justificar a ocupação ilegal de terras palestinas, a guerra se chama paz. Os israelenses são patriotas e os palestinos são terroristas, e os terroristas semeiam o alarme universal. Até quando os meios de comunicação continuarão sendo medos de comunicação. Esta matança de agora, que não é a primeira nem será – temo – a última, ocorre em silêncio? O mundo está mudo? Até quando seguirão soando em sinos de madeira as vozes da indignação?

Estes bombardeios matam crianças: mais de um terço das vítimas, não menos da metade. Os que se atrevem a denunciar isto são acusados de anti-semitismo. Até quando continuarão sendo anti-semitas os críticos dos crimes do terrorismo de Estado? Até quando aceitaremos esta extorsão? São anti-semitas os judeus horrorizados pelo que se faz em seu nome? São anti-semitas os árabes, tão semitas como os judeus? Por acaso não há vozes árabes que defendem a pátria palestina e repudiam o manicômio fundamentalista?

Os terroristas se parecem entre si: os terroristas de Estado, respeitáveis homens de governo, e os terroristas privados, que são loucos soltos ou loucos organizados desde os tempos da Guerra Fria contra o totalitarismo comunista. E todos agem em nome de Deus, seja Deus, Alá ou Jeová. Até quando continuaremos ignorando que todos os terrorismos desprezam a vida humana e que todos se alimentam mutuamente. Não é evidente que nesta guerra entre Israel e Hezbollah são civis, libaneses, palestinos, israelenses, os que choram os mortos? Não é evidente que as guerras do Afeganistão e do Iraque e as invasões de Gaza e do Líbano são incubadoras do ódio, que fabricam fanáticos em série?

Somos a única espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos US$ 2,5 bilhões, a cada dia, para os gastos militares. A miséria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, come os vivos e os mortos. Até quanto continuaremos aceitando que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo possível?

* Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio, autor de “As veias abertas da América Latina” e “Memórias do fogo”. Este artigo foi publicado originalmente em www.envolverde.com.br.






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