Autor original: Mariana Hansen
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Em parceria com o Programa das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Universidade Federal de Sergipe, o Programa de Defesa Comunitária do Ministério Público Estadual cadastrou 310 famílias de catadores de lixo e encaminhou as crianças para a escola. A iniciativa, no entanto, mostrou-se insuficiente, pois algumas dessas crianças moravam dentro do lixão e, quando voltavam para casa, continuavam a trabalhar para ajudar no sustento de suas famílias. Assim, era importante retirar essas pessoas de lá e dar a elas condições mais dignas de trabalho.
A alternativa encontrada foi também ter os pais como foco do trabalho. Segundo a presidente do Care, a também cooperada Vaneide Santos, o primeiro passo foi arrumar um lugar mais para trabalhar fora do lixão. Foi sugestão dos próprios cooperados manter o trabalho de reciclagem. “Era isso que a gente sabia fazer”, conta. Além da conscientização, as 42 famílias que residiam no lixão ganharam casas próprias e um galpão equipado para iniciar as atividades.
De acordo com Aragão Brito, agente do Programa do MP e que acompanha até hoje o trabalho do Care, “quando se fala de resgate da cidadania, não é dentro da lixeira. Queríamos mostrar uma sustentabilidade mais digna, que eles poderiam trabalhar com o lixo, mas não dentro da lixeira”.
A criação da cooperativa veio acompanhada de outras iniciativas. Muitos dos cooperados não possuíam nenhuma espécie de documentação, e alguns nem ao menos sabiam qual era sua família de origem. “Quase não se cria a cooperativa, por falta de documentos das pessoas. Ainda nos deparamos com o analfabetismo, que era outro problema entre eles”, lembra Aragão. Ele ainda recorda problemas como alcoolismo e dependência química de alguns cooperados, que acabaram sendo afastados do projeto até se recuperarem. “Eles foram encaminhados para casa, mas sabem que têm a oportunidade de voltar”, explica.
Hoje, são 32 cooperados atuantes, alfabetizados, registrados e com seus filhos na escola. Eles já não freqüentam mais o lixão e fazem um trabalho de coleta seletiva, visitando bairros já conscientizados sobre o assunto. Mas grande parte do seu material ainda vem de doações de empresas parceiras e instituições públicas. “Não pedimos dinheiro, mas lixo”, ressalta Aragão. Atualmente, são recolhidas 350 toneladas de lixo por mês na cidade, mas a Care só arrecada 30 toneladas. “A coleta seletiva doméstica ainda é muito tímida”, lamenta Aragão.
Todo o trabalho da Care é gerido pelos cooperados, e o dinheiro resultante do material reciclado é dividido igualmente entre todos, sem distinção de cargo. O espaço por eles ocupado tem capacidade para abrigar até cem cooperados. O desejo é que se possa integrar as outras famílias cadastradas em 1999 e que ficaram de fora do projeto. “Queremos trabalhar a coleta seletiva, conscientizar, para ajudar e dar trabalho a essas pessoas”, projeta Aragão.
Além da cooperativa
Dentro do projeto da Care, ainda existe o programa Recriarte, voltado para os filhos dos cooperados. As metas da iniciativa incluem melhorar os níveis de freqüência e de rendimento escolar, recuperar a auto-estima dos atendidos e melhorar a interação entre o grupo, as famílias e a comunidade.
Depois de irem ao colégio, crianças e adolescentes passam suas tardes na sede do Recriarte, que ocupa uma das 42 casas doadas. Lá, têm acesso a reforço escolar, assistência médica, odontológica e psicológica, aulas de artesanato, dança e música. Os agentes do programa também acompanham o desempenho escolar, visitando a escola, caso alguma criança apresente dificuldades. Além disso, é desenvolvido um trabalho social com os familiares, para dar mais apoio à criação dos filhos.
“Hoje crio meu filho com dignidade, e ele nem conhece, nem sabe onde é o lixão”, conta Vaneide, que deu à luz seu único filho dois meses após sair do lixão e descreve a experiência como “maravilhosa”. Seu desejo é que todos os catadores que trabalhavam no lixão Terra Dura tenham a mesma oportunidade que teve. “Hoje em dia, temos consciência, sabemos o que queremos da vida e para o futuro dos nossos filhos. Se estivéssemos no lixão, isso não seria possível. Lá dentro éramos desunidos”, ressalta.
Apesar de ter mudado a vida dessas famílias, Aragão sabe que muito ainda deve ser feito. Ele reclama que o apoio das autoridades públicas locais é mínimo. "No nosso estado, uma iniciativa como essa sobrevive por causa dos esforços dos cooperados”, conclui.
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