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Rede mundial de apoio a crianças

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor

Embora as primeiras Child Helplines tenham sido criadas nos anos 90, só em 2001 começou-se a discutir a necessidade de uma Child Helpline Internacional (CHI), que não só apoiasse as demais, mas auxiliasse outros países, especialmente aqueles em desenvolvimento, a criarem novas linhas de atendimento. Desse modo, a partir de 2003, a Childline Índia, onde existem mais de 60 centrais de atendimento, ficou responsável pelo planejamento estratégico dessas iniciativas em todo o mundo.

O objetivo da rede é facilitar o acesso a esses canais de ajuda, permitindo que as crianças e adolescentes expressem suas preocupações e sejam orientadas quando necessário. Além disso, a partir dos relatos dessas crianças, autoridades e governos podem tomar conhecimento da realidade em que elas vivem e elaborar políticas públicas que garantam os seus direitos.

No Brasil, a CHI está auxiliando o Instituto Noos a implantar uma linha telefônica de atendimento a crianças e adolescentes a partir de 2007. Presentes no Rio de Janeiro durante a semana, os fundadores do projeto, que trabalharam muitos anos como diretora executiva e conselheiro da Child Helpline do Reino Unido, Carole Easton e Peter Eldrid, conversaram com a Rets sobre sua experiência com a Childline.

Rets – Como surgiu a Childline e por quê?

Peter Eldrid – No Reino Unido, a Childline foi fundada em 1996, a partir de um programa de televisão que abordava o abuso sexual e que verificou que a maioria dos casos de abuso sexual acontecia durante a infância. Durante esse programa, as vítimas, já adultas, contavam que quando crianças elas não tinham ninguém para ouvi-las, muito menos um lugar onde pudessem denunciar os abusos. Então esse programa deu a idéia de implementar um serviço de atendimento por telefone, durante as 24 horas do dia, para crianças, para que elas pudessem ligar em qualquer momento, de qualquer lugar do Reino Unido.

Num primeiro momento, houve um número esmagador de ligações que se relacionavam não só ao abuso sexual, mas a problemas como bullying nas escolas e outros problemas comuns durante a infância e a adolescência. Então ficou claro que os problemas de crianças e adolescentes são muito maiores do que aqueles relacionados ao abuso sexual. Mas o fato é que pela primeira vez era criado um espaço onde as crianças poderiam falar diretamente sobre seus problemas, sem intermédio de um adulto.

Rets - Como tem sido a experiência de vocês com a Childline? Vocês se lembram de alguma história marcante do projeto?

Peter Eldrid – Em 1999, no Reino Unido, um garoto recém-saído da escola ligou para denunciar a existência de casos de abuso sexual sistemáticos num colégio interno privado que não tinha nenhuma inspeção dos serviços de segurança social. Ele estava preocupado com seu irmão, que continuava na escola, onde existiam professores que abusavam das crianças. O que fizemos foi implementar uma linha especial para esses colégios internos, e o que verificamos é que não houve só um caso de abusos sexuais, mas um número grande. Nós soubemos que alguns meninos tentaram denunciar os abusos, mas de alguma maneira não foram ouvidos. E o que aconteceu foi que um jornalista investigou a questão e foi capaz de chamar a atenção para a escola novamente, e descobriu-se que de fato estava havendo abuso sexual sistemático na escola. Essa situação fez com que a lei fosse mudada, e os colégios internos privados passaram agora a ser obrigados a passar pela inspeção dos serviços sociais. Esse é um bom exemplo de mudança, exemplo de que as coisas podem mudar. Um menino estava preparado para falar, mas sem uma Childline ele não teria nenhuma ajuda – e, possivelmente, nem ouvido seria. Nesse caso, apesar de procurados, tanto os órgãos locais como os pais desses meninos não acreditavam nas denúncias e não agiram.

Rets - Quais resultados da atuação do Child Helpline em todo o mundo vocês destacariam?

Carole Easton – Quando a Childline chegou ao Reino Unido, as crianças só falavam de abuso sexual, em média, cinco anos após o crime. Agora, com a Childline, eles denunciam o crime após alguns meses, porque conhecem os seus direitos e porque agora a sociedade acredita neles. Antes ninguém ouvia o que as crianças diziam, mas com a Childline a postura em relação às denúncias da criança mudou. Em outros países, as evidências mostram que a lei mudou em relação a casos de crianças espancadas. Mas o Childline também trouxe resultados em nível individual, ajudando cada criança com seus problemas.

Peter Eldrid – Na Índia, foram realizadas oficinas com policiais, para capacitá-los a tratar as crianças de uma melhor forma. Houve, então, uma mudança da atitude da polícia diante das crianças nas ruas. Eles estão menos agressivos, conscientes de como se deve tratar uma criança. O que houve, foi uma mudança na cultura, na maneira como os policiais se relacionavam com as crianças.

Joana Moscatelli

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