Você está aqui

Dirigente do MST teme "onda de matança" em Pernambuco

Autor original: Luísa Gockel

Seção original:






Dirigente do MST teme 'onda de matança' em Pernambuco
Bandeira do MST

No dia 21 de agosto, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Jaime Amorim, foi preso na Zona da Mata de Pernambuco e levado para um presídio na região metropolitana de Recife*. Amorim é uma das principais lideranças do movimento no Nordeste, e sua prisão recebeu destaque de toda a imprensa nacional. Integrantes do MST denunciam, no entanto, que o principal fato não foi noticiado. Segundo Edíson Barbosa, da Coordenação Nacional do MST, a prisão arbitrária de um dos cabeças do movimento foi arquitetada para desviar a atenção da morte de dois outros militantes. Amorim foi preso no dia do enterro dos coordenadores assassinados.

Segundo a polícia, havia um mandado de prisão expedido contra Amorim desde o dia 6 de julho, por crime de dano durante uma manifestação contra a visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao Brasil, no dia 5 de novembro do ano passado. De acordo com nota divulgada pelo MST, não há nenhuma explicação razoável para o fato de a prisão só ter sido realizada agora, mais de um mês depois. Ainda segundo o comunicado, a policia alega que Jaime Amorim não tinha endereço fixo, o que teria inviabilizado a entrega da intimação.

Amorim vinha denunciando um processo de criminalização do movimento no estado. Para Edílson Barbosa, também está claro que há um plano para enfraquecer o MST na região. “Acreditamos que pode estar surgindo um plano de execução de integrantes do movimento. O nosso medo é que aconteça no estado uma onda de matança e prisões de militantes do MST”, denuncia. Uma das principais reclamações é que a Justiça em Pernambuco age em concordância com a elite latifundiária do estado. Barbosa afirma que, quando há ordem federal de imissão de posse de terras, o Tribunal de Justiça do estado cancela.

A prisão de Jaime Amorim e, dois dias depois, de outros dois integrantes, a impunidade no caso dos assassinatos dos coordenadores e o desrespeito da Justiça local às ordens federais de imissão de posse são fortes indicadores, segundo Barbosa, da situação insustentável no estado. A solução, segundo ele, não está perto. “O impasse só termina quando acabar a impunidade do latifúndio no estado. Esses juízes reacionários só podem ser punidos com o assentamento das famílias”, defende.

Rets – O que a Justiça alegou para prender o Jaime Amorim?

Edílson Barbosa - Ele foi intimado por edital, publicado no Diário Oficial, pois a Justiça alegou que ele não tinha endereço fixo, o que não é verdade. Ele tem endereço fixo, escritório e advogado. A pessoa é intimada e não sabe. Então ele foi preso sob a alegação de que era um perigo para a sociedade. O governo do estado guardou a prisão para o momento mais propício.

A prisão dele foi motivada por interesses políticos do estado de Pernambuco, para criminalizar e enfraquecer o MST. Além disso, há uma campanha do Tribunal de Justiça do estado para confundir a opinião pública. A prisão do Jaime foi arquitetada pelo Judiciário. O governo do estado, através da Secretaria de Segurança Pública, segurou a prisão por dois meses para desviar o foco do enterro dos dois companheiros do MST.

Rets – Mas por que há o interesse em desviar a atenção da morte dos dois integrantes do MST?

Edílson Barbosa - Houve uma ocupação em 2000, aqui no estado, e, no mesmo ano, houve a reintegração de posse. Desde então, há 5 anos as famílias estão acampadas na beira da estrada. Políticos locais tentaram desmobilizar o acampamento, dizendo que nunca iam conseguir a desapropriação das terras. Em função da construção de um gasoduto, obra do governo do estado, foi oferecida às famílias uma indenização para que deixassem o local. Elas procuraram a direção do MST, e achamos que não era o que queríamos. Elas estavam ali para conseguir a terra, não dinheiro.

Então decidimos pedir o apoio do governo, através de material de construção, para mudarmos os barracos de lugar. Mas políticos locais continuaram forçando a barra para arriar a bandeira do movimento, pois, com a indenização, todos deveriam sair dali. Entre 12 e 15 famílias decidiram aceitar a indenização, e esse grupo começou a se armar e a amedrontar as famílias. Um dos que aceitaram só andava armado e ameaçava os outros.

Quando descobrimos a situação, dois representantes da coordenação estadual foram para lá tentar resolver o impasse. Lá eles conversaram com as famílias e chegaram à conclusão de que o melhor era que o Estado arrumasse uma outra área para assentar as famílias.

Rets – E de que forma eles foram assassinados?

Edílson Barbosa – Cícero, um dos que andavam armados no acampamento e queriam a indenização, decidiu executar os companheiros Josias Barros, da direção estadual, e Samuel Ferreira, coordenador regional do MST. Cícero ameaçou rasgar a bandeira, mas eles alegaram que era um símbolo importante para o movimento. Eles se colocaram na frente da bandeira e disseram que para rasgar a bandeira ele teria de matá-los primeiro. Cícero executou os dois e está foragido até hoje.

Rets – Você acredita que na possibilidade de o responsável pelas mortes ser preso?

Edílson Barbosa – Hoje [25 de agosto], fomos à delegacia pressionar. Aqui no estado, para reprimir o trabalhador, há todo um aparato policial atrás. Mas para prender quem matou um trabalhador eles fazem vista grossa. Pos isso estamos vendo se há possibilidade de a Polícia Federal entrar no caso para investigar as mortes.

Rets – O Jaime Amorim é um dos que vinham denunciando um processo de criminalização do MST em Pernambuco. Você concorda?

Edílson Barbosa – Isso está muito claro para nós. Está claro no caso da Usina Estreliana [segundo integrantes do movimento, a usina tem a história marcada pela violência contra seus trabalhadores e mantém uma prática de escravização do trabalhador e desrespeito à legislação trabalhista. Eles denunciam que seus empregados tentam permanentemente intimidar as famílias dos trabalhadores acampados em suas terras, mesmo nas áreas classificadas como improdutivas pelo Incra]. Está claro também na prisão de Jaime e na dos outros dois companheiros presos na quarta-feira [23 de agosto]. Disseram que foi por desobediência, pois voltaram para uma área que já tinha tido a reintegração de posse. O mesmo juiz que negou a liminar de soltura de Jaime aceitou a soltura de um tenente da Polícia Militar que torturou e matou um grupo de jovens no Carnaval.

Rets – Você acredita que a Justiça possa determinar a soltura de Jaime Amorim nos próximos dias?

Edílson Barbosa – Foi uma prisão irregular, e qualquer juiz pode libertá-lo. O problema é que Gustavo Lima é o desembargador responsável pelo processo. Ele foi o secretário de Segurança Pública mais violento do estado, reprimindo os movimentos sociais. Entramos com o pedido de habeas-corpus no STF, em Brasília, porque por aqui é difícil.

Rets – E como vem sendo a cobertura da mídia nesse caso?

Edílson Barbosa – Os jornais locais compraram a história e não se fala das mortes dos companheiros, só da prisão do Jaime. Há a conivência dos jornais locais.

Rets – Que solução você vê para o impasse entre o MST e a Justiça de Pernambuco?

Edílson Barbosa – A única saída para esse impasse é que o STJ faça sanções contra a Justiça de Pernambuco e que possa punir a PM, que vem prestando serviços para a elite agrária. E que o Incra garanta que as famílias possam ser assentadas. Existem famílias há dez anos acampadas.

Só assim acaba o impasse: acabando com a impunidade do latifúndio no estado. Esses juízes reacionários só podem ser punidos com o assentamento das famílias. O que acontece aqui é que, quando há ordem federal de imissão de posse, o Tribunal de Justiça do estado cancela. A Justiça daqui facilita para as milícias armadas.

Rets – Você acredita, então, em um plano do estado e da Justiça de Pernambuco contra o MST?

Edílson Barbosa – O estado vem trabalhando em três frentes: criminalizar e prender integrantes do MST, inviabilizar o processo de reforma agrária em Pernambuco e confundir a opinião pública. Há uma campanha recente contra o MST no rádio, na TV e em outdoors promovida pela Associação de Cabos e Soldados de Pernambuco. O advogado da Rede Social de Direitos Humanos está aqui. E, analisando a situação, acreditamos que pode estar surgindo um plano de execução de integrantes do movimento. O nosso medo é que aconteça no estado uma onda de matança e prisões de militantes do MST.

*

O Coordenador Nacional do MST, Jaime Amorim, recebeu no dia 28 de agosto Habeas Corpus do Supremo Tribunal de Justiça. Na liminar, o Ministro Nilson Naves, considerou a prisão preventiva de Jaime ilegal.

Matéria atualizada em 28 de agosto.

Luísa Gockel

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer