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Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência é concluída com a participação histórica da sociedade civil

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião






 Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência é concluída com a participação histórica da sociedade civil
Momentos finais da Oitava Sessão
Regina Atalla*

Ao iniciar a Oitava Reunião do Comitê Especial da ONU para instituir a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, o Presidente Dom Mackay, destaca que esta ultima e tão esperada sessão conta com a presença de 800 ativistas da sociedade civil, de todas as partes do mundo, dispostos a participar ativamente do processo de conclusão deste Tratado Internacional que consumiu quatro anos de dedicação e esforço e que tem um significado histórico para centenas de milhões de pessoas com deficiência de todo o planeta.

No dia 26 de agosto, a BBC publica matéria de Geoff Adams*, na qual destaca palavras do presidente no seu discurso de encerramento. Dom Mackey ao saudar o acordo, declara: “Desejo agradecer aos colegas da comunidade de pessoas com deficiência por terem iniciado o processo e permanecido nele o tempo todo”. E acrescentou: “Como dizem as pessoas com deficiência, ‘nada sobre nós, sem nós’”. A Convenção obrigará os Estados a desenvolverem um modo diferente de pensar em relação a deficiência”. “Uma vez adotado o novo paradigma, e as pessoas adotarem a abordagem do ‘podemos fazer’ no lugar do ‘não podemos fazer’, todo um volume de outras coisas fluem a partir daí”, acrescentou Don MacKay.

Entre os 800 ativistas, incluíram-se cerca de 40 participantes do Projeto Sul, oriundos em sua maioria da América Latina e de alguns paises da África e Ásia, que puderam imprimir a realidade dos países em desenvolvimento ao conteúdo desta Convenção Internacional. Desenvolvimento Inclusivo, Cooperação Internacional, Monitoramento, Situações de Risco, Indígenas, Acesso a Justiça, Proibição a Tratamentos Forçados, Mulher e Criança foram alguns dos Artigos sobre os quais as lideranças do Projeto Sul investiram muita energia e trabalho para assegurar uma redação consistente aos nossos propósitos e necessidades.

O dia-a-dia de trabalho

Ao lado de mais 5 brasileiros que representavam o Instituto Paradigma, a Escola de Gente e a 3 INN, destaca-se a participação do CVI Brasil, através da sua Diretora Regina Atalla e presidente do CVI Ba e Flavia Vital, presidente do CVI Araci Nallin. Desde o primeiro dia enfrentamos um ritmo alucinante de trabalho que começava as 08h30min com as reuniões diárias do IDC Caucus (Coalizão Internacional sobre Deficiência) destinadas a discutir e acertar as estratégias da sociedade civil frente à agenda do dia e também junto às delegações oficiais. A hora do almoço era destinada aos encontros informais e as reuniões do Grupo dos Países da América Latina – GRULAC, do qual participamos ativamente e que sempre mantiveram as portas abertas e o respeito e consideração as propostas apresentadas pela Sociedade Civil Latino-americana. Após o encerramento das sessões oficiais, as 18:30h eram realizadas as reuniões diárias do Projeto Sul, para tratar da avaliação das atividades do dia e para preparar a atuação do dia seguinte. Foi este ritmo intenso que conduziu a nossa atuação, dia após dia, durante 13 dias de trabalho, incluindo 10 dias de sessões formais do Comitê Especial, 2 dias dedicados ao Seminário do Projeto Sul e mais 1 dia, um belo domingo de sol, dedicado a reunião da Coalizão Internacional sobre Deficiência - CAUCUS, do qual participam mais de 80 ONGs Regionais e Internacionais de pessoas com deficiência e de direitos humanos.

O árduo consenso

Havia a convicção geral, entre os participantes, principalmente no meio da sociedade civil, de que este período de trabalho seria especialmente atribulado e estressante, dado o compromisso estabelecido durante a Sétima Sessão, de concluir o texto de trabalho e finalizar o processo de negociação e redação da Convenção Internacional, restando resolver temas cruciais e muitas vezes polêmicos. Este tratado, ao envolver a expressiva participação de 192 países, com culturas muito diversas, vários idiomas e regimes políticos diferentes e antagônicos entre si, insere ao processo de negociação a dificuldade inerente de alcançar o pretendido consenso. Do total de dos 42 artigos, somente o artigo de Situação de Risco foi à votação, todos os demais resultaram de árduo, intenso e perseguido entendimento consensual.

Como prevíamos, nós da sociedade civil, ao inicio da segunda e ultima semana de trabalho as negociações sobre os principais temas endureceram. Definição de Deficiência e de Pessoa com Deficiência, Situação de Risco, Capacidade legal, Proibição a Tratamentos Forçados, Proteção a Integridade da Pessoa, Saúde sexual e reprodutiva e Monitoramento foram os temas mais difíceis. Reuniões e encontros informais se atropelavam a todo o momento, principalmente após a suspensão da sessão oficial pelo seu presidente Dom Mackey, fato que ocorreu varias vezes durante os últimos dias, para que os coordenadores e os facilitadores dos diferentes temas reunissem as delegações envolvidas em busca de uma redação definitiva.

Iniciamos a ultima semana de trabalho dentro de um clima de muita pressão e tensão. Nos últimos dias, o CAUCUS publicou no seu comunicado diário que era melhor não ter definição a ter uma definição muito ruim. Fato que ocorreu após China, Austrália e outros paises não admitirem uma redação de Definição de Pessoa com Deficiência na qual se incluísse a interação dos fatores externos como parte deste conceito. Ao final, outros paises que não apoiavam esta visão estreita, na qual se inclui o Brasil e Argentina, após longas batalhas travadas em seguidas reuniões, conseguiu-se chegar a uma definição que não é ideal, mas uma com a qual podemos viver.

Batalha de última hora assegura a menção aos indígenas

Outro fato que merece destaque foi a inclusão da menção aos indígenas com deficiência, apresentado por meio da proposta solitária da Venezuela, na voz de Lênin Molina, que é pessoa com deficiência, ativista experiente e aguerrido. Apesar da defesa do Caucus e do Projeto Sul sobre a inclusão deste tema, havia entre as delegações uma apatia proporcional a dupla ou tripla discriminação sofrida por esta população. Este fato nos indica que há muito há fazer para combater esta inaceitável e grave invisibilidade enfrentada pelos indígenas e pelas pessoas que vivem em zonas rurais e em situação de isolamento demográfico. Na reunião do Caucus do dia 24, pela manha, penúltimo dia de trabalho, pedi a palavra para expressar a minha preocupação diante da ameaça de não se incluir uma proteção especifica, uma vez que fui responsável pela facilitação e pela redação desta emenda no âmbito do Projeto Sul, e por isso me sentia especialmente responsável pelo insucesso ou pelo sucesso desta peleja.

O artigo de Monitoramento foi um capitulo a parte, uma vez que demandava uma serie de dispositivos, com extensos detalhes e pormenores, tratados em reuniões intermináveis, para assegurar a conformação de uma ferramenta eficiente e efetiva para apoiar e fiscalizar cumprimento de todos os direitos inscritos na Convenção Internacional. De modo inédito, no campo das Convenções de Direitos Humanos, está citado neste artigo que especialistas com deficiência também deverão compor o Comitê Internacional de Monitoramento. Nada sobre Nós, sem Nós!

Ao final da aprovação dos últimos artigos, ainda restava pendente o Artigo sobre Situações de Risco, no qual os paises árabes reivindicavam a menção aos territórios ocupados, tendo em vista se tratar de uma realidade muito presente e muito pungente vivida por aquele conjunto de Países. Houve muito protesto e resistência das grandes potências, principalmente dos Estados Unidos, mas a sua inclusão acabou decidida através do voto, que resultou numa votação histórica de quase unanimidade, pois 102 paises votaram a favor desta inclusão, 5 votaram contra e 8 se abstiveram.

Soube deste fato histórico após o retorno ao Brasil, pois o nosso vôo de volta, meu e de Flavia Vital na tarde do dia 25, nos impediu de assistir ao fechamento histórico de conclusão do texto da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Embora não pudéssemos estar presentes a este momento tão especial, nos sentimos representadas pela intervenção feita em nome do Projeto Sul, por Pámela Molina, durante os momentos finais desta sessão.

Mesmo a distancia, foi emocionante ler a narrativa dos colegas Projeto Sul sobre o ápice deste grande momento e a alegria contagiante de chegar ao final deste tratado internacional que representa uma nova e poderosa ferramenta de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e que contou durante todo o seu processo, de forma inédita, com ativa e cada vez mais numerosa participação da sociedade civil. Se comparássemos as delegações oficiais, cerca de 120, poderíamos afirmar que os oitocentos representantes da sociedade civil presentes a Oitava sessão, divididos pelo numero de paises alcançava uma media de mais de 6 representantes da sociedade civil por país, numero que superava a participação oficial de varias delegações. Apesar de todas as dificuldades inerentes que enfrentam as pessoas com deficiência, a participação dos ativistas desta causa pela instituição desta Convenção que tem o objetivo de assegurar direitos civis e políticos de forma clara e inequívoca, foi como onda irreversível que foi se ampliando com o tempo.

Uma nova batalha à frente

Temos que comemorar, pois terminamos uma fase importante na luta contra a discriminação e pela inclusão de pessoas com deficiência. Para os delegados que concluíram os trabalhos na ONU - que dizem ser esta a maior minoria do mundo e que ela foi empurrada para as margens da sociedade por demasiado tempo - a Convenção certamente será vista como um primeiro passo bem-vindo.

No entanto é preciso lembrar, principalmente no meio da sociedade civil que outra batalha se inicia para que os paises ratifiquem e implementem esta Convenção e que no caso do Brasil, devemos continuar ativos e participantes para que ela seja ratificada e implementada com a maior brevidade possível.

Na qualidade de ativista do movimento de vida independente e também como Diretora do CVI Brasil foi um grande privilégio ter participado diretamente, ao lado de todos os companheiros do Projeto Sul, deste processo de construção da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. No entanto também é grande a responsabilidade, no âmbito do Brasil, em relação a divulgação, a implementação e a vigilância destes 42 Artigos que compõem este tratado que se espera possa vir a conferir mais dignidade as pessoas com deficiência e o efetivo gozo de todos os direitos em igualdade aos demais cidadãos. Esperamos que um número cada vez maior de brasileiros com deficiência e sem deficiência conheçam e se apropriem desta Convenção para que passemos das palavras as ações.

* Regina Atalla é diretora do CVI Brasil e participou do Comitê Especial da ONU para redação da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.






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