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Entrevista com os presidenciáveis

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Entrevista com os presidenciáveis
Divulgação | Fotomontagem

Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo? Está disposto a retomar a discussão sobre o marco legal para ONGs? Que políticas sociais terão prioridade em sua gestão?

A Rets fez estas e outras perguntas de interesse da sociedade civil organizada aos presidenciáveis, para conhecer o que propõem para esse segmento e como encaram a contribuição que ONGs e movimentos sociais podem dar às políticas públicas.

As perguntas foram enviadas no mesmo dia e horário para todos os candidatos, informando o prazo para resposta e pedindo que o mesmo fosse respeitado. Publicamos nesta semana as respostas que chegaram até o fechamento desta edição: as dos candidatos Cristovam Buarque, Luciano Bivar e Heloísa Helena. Na edição da próxima semana, serão publicadas as respostas dos demais candidatos.

Seguem abaixo as respostas, na ordem em que chegaram à nossa redação.


Além disso, veja no link "Propostas apresentadas aos candidatos", ao lado, as diversas plataformas, cartas e compromissos apresentadas por organizações da sociedade civil aos presidenciáveis, pedindo seu compromisso com temas-chave.







  • Leia a seguir as respostas do candidato Cristovam Buarque, do Partido Democrático Trabalhista (PDT)

Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?

Cristovam Buarque - A democracia moderna se caracterizará cada vez mais pela incorporação de movimentos sociais, entidades, redes e cidadãos diretamente na formulação, gestão e avaliação de políticas públicas. O mundo hoje é mais complexo que no passado, só partidos, sindicatos, empresas e o Estado não conseguem representar o conjunto da sociedade nem sua dinâmica. Por isso em meu programa a sociedade civil é valorizada e deverá ser fortalecida, participando mais ativamente da formulação de políticas, na avaliação das mesmas e, em determinados casos, em sua gestão.

Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?

Cristovam Buarque - Quando estive à frente do Ministério da Educação um dos principais programas que incentivei foi o início do processo de erradicação do analfabetismo. A base desse programa foi a parceria com a sociedade civil. Nunca a vi como meio de economizar recursos, como geradora de mão-de-obra barata, como se tem feito nos últimos governos, mas como fonte de criatividade, de ligação direta com as bases sociais, com a multiplicidade de problemas e de formas culturais. Esse é um exemplo que acho que deve ser seguido.

Rets - De que modo o fortalecimento do terceiro setor – especialmente nos últimos dez anos – transformou as relações do Estado com a sociedade civil?

Cristovam Buarque - O processo de renovação da democracia e de construção de novas formas de governança vem caminhando nesse sentido no mundo desde finais da década de 60 do século passado. A revolta estudantil, a luta contra a Guerra do Vietnã, os movimentos ecológicos, foram, desde o início, animadores desse processo. O Brasil não conseguiu acompanhar isso porque vivia em uma ditadura militar. Avançamos nos últimos 20 anos, tentando recuperar o tempo perdido e também ajudar na formulação de novas idéias de participação. A Ação da Cidadania contra a Fome iniciou um novo momento de participação a partir da mobilização em função de objetivos concretos, o orçamento participativo foi uma experiência brasileira muito rica. A Constituição de 1988 fala, pela primeira vez na história brasileira, da possibilidade da cidadania se expressar diretamente na condução das políticas públicas, incentivou a formação e propagação de conselhos e do controle social. Isso tudo tem ajudado a democratizar a democracia. Mas ainda falta muito.

Rets - Está disposto a retomar a discussão sobre o marco legal para ONGs? Caso a resposta seja afirmativa, com quais particularidades?

Cristovam Buarque - Precisamos ter uma legislação que possa refletir a diversidade do que se chama Terceiro Setor. A legislação que criou as Organizações de Interesse Social ainda é incompleta, avança, mas ainda precisa ser melhorada. Precisamos definir melhor as bases financeiras e orçamentárias para que a sociedade civil possa construir alternativas, não somente como prestadora de serviços, mas como formuladora de propostas, como instigadora de mudanças. Fundo Público, marco legal democrático e participativo, depuração da legislação para evitar fraudes em processos de isenção fiscal, são ações que devem ser desenvolvidas a partir de um amplo debate nacional.

Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária do país: em 1995, foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?

Cristovam Buarque - A doação de pessoas físicas e jurídicas é uma ação que no fundo retira recursos do Estado e da sociedade e a destina a atividades que o doador escolheu. Talvez não seja a forma mais democrática de incentivar as ONGs. A criação de um Fundo Público ou de fundos públicos diversos, controlado e gerido de forma democrática, sem a interferência partidária e política dos gestores governamentais; a abertura de concursos públicos para a formulação de ações que tenham ligação com as ações em prol da cidadania; a destinação de recursos para a avaliação e monitoramento de políticas públicas; a elaboração de relatórios de acompanhamento das políticas sociais; o financiamento e a construção de ferramentas de garantia do controle social; talvez conformem um conjunto muito mais sólido e democrático do que simplesmente se pensar em incentivos fiscais e transferir para as mãos de quem tem dinheiro o poder de escolher o que vai ser incentivado ou não. Em nosso programa de governo, que foi elaborado com grande participação de entidades e cidadãos e cidadãs, muitos e muitas sem vinculação com nosso partido, há uma série de propostas concretas que apontam para uma maior participação da sociedade e para a valorização do papel político das ONGs.

Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?

Cristovam Buarque - A educação é a principal bandeira da minha campanha. Dos 95% das crianças que estão na escola hoje, só um terço termina o 2º grau. Então tem dois terços dos nossos jovens e crianças fora da escola, porque lugar de criança é na escola até o final do Ensino Médio. É falsa a idéia de que houve uma universalização do ensino básico, só haverá universalização quando a conclusão do Ensino Médio for universal. O primeiro passo para melhorar a qualidade de ensino básico é dizer que a educação é uma questão nacional. Por isso, é preciso federalizar três padrões em todas as 160 mil escolas do Brasil que são municipais ou estaduais. Elas devem continuar sendo geridas pelo município ou pelo Estado. Concurso para professor não pode ser uma decisão só do prefeito, tem de seguir regras nacionais e o salário tem que ter um padrão nacional por isso o governo federal tem que definir as regras para o concurso e garantir um salário mínimo. O segundo padrão é de equipamento e edificações. O prefeito não vai poder inaugurar uma escola que não cumpra um habite-se federal. O terceiro padrão é de conteúdo, não é possível deixar que 54% das nossas crianças cheguem à quarta série sem saber ler. Em São Paulo, um Estado cuja riqueza é equivalente a de países ricos, 45% das crianças na quarta série não são capazes de ler corretamente.

Tem que ter um padrão que todo prefeito tem que seguir. Toda criança tem de aprender a ler antes dos sete anos. Todas as escolas do Brasil têm de ser com horário integral. Agora, isso não vai ser em um ano nem em três anos. Vai demorar. Depois é preciso definir metas. Porque não tem metas para a educação. E essas metas têm de ser cumpridas, se não forem eles estarão infringindo uma lei de responsabilidade educacional, nos mesmos moldes da lei de responsabilidade fiscal. Mas, para que as metas sejam atingidas, é preciso que o governo federal participe com mais recursos do financiamento da educação e é preciso aumentar já em R$ 7 bilhões os recursos que o governo federal destina para a educação básica no Brasil. Isso equivale a apenas 1% do nosso orçamento. Se a gente fizesse isso, em poucos anos já veríamos a mudança e em 15 anos já teríamos o Brasil dando um grande salto na sua educação.


Rets - O senhor pretende manter as mesmas bases do modelo econômico atual ou pretende fazer alguma mudança?

Cristovam Buarque - O Brasil vive estagnado há mais de 25 anos. Depois de um extraordinário desenvolvimento por mais de seis décadas, temos crescido menos que a média mundial e muito abaixo dos países emergentes. Estamos ficando para trás. Já fomos a oitava economia do mundo, hoje caminhamos para ser a décima-quinta. E não fizemos a reforma agrária, não resolvemos o problema da fome e da miséria, não viramos a página do analfabetismo. Somos um país extremamente desigual. A taxa de crescimento econômico pode ser elevada, mas só será maior e sustentável se o Brasil aumentar a produtividade de sua mão-de-obra e desenvolver novos setores produtivos compatíveis com a economia de alta tecnologia, que caracteriza os novos mercados no século XXI. Isso só é possível com uma revolução na educação.em todos os níveis, com a criação de eficientes centros de geração de ciência e tecnologia, como foi o ITA nos anos 50, o que vai permitir ao Brasil, nos próximos anos, exportar chips e softwares, além de soja e minério.

Para retomar o crescimento econômico, iremos reduzir as taxas de juro por meio de acordo para estancamento na elevação vegetativa dos gastos públicos, conforme determinam as leis atuais; Criar programa de incentivos fiscais para as empresas que negociarem com seus trabalhadores acordos de redução da jornada de trabalho; Garantir a estabilidade da moeda e das regras no cumprimento dos contratos; Reorientar o mercado financeiro para empréstimos e investimentos de longo prazo, graças à redução dos juros; Executar os projetos de infra-estrutura e logística que apóiem a produção e a distribuição; Ativar plataformas produtivas graças à demanda criada pelo setor público em áreas como a indústria têxtil (uniformes escolares), informática (computadores para as escolas e o programa de Inclusão Digital), gráficas (livros didáticos e bibliotecas) e equipamentos diversos, graças aos produtos derivados do desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, nos moldes do que ocorreu com o ITA-CTA, Embrapa e Petrobrás; Tratar agricultura como setor de preocupação estratégica, exigindo política de longo prazo; Garantir financiamento que reduza os riscos decorrentes de fenômenos naturais e comerciais, por meio de seguro contra riscos naturais e cambiais; Autorizar a comercialização de produtos bioenergéticos sem necessidade da intermediação da Petrobrás; Agilizar as autorizações para compra de insumos nacionais e importados.

Rets - A questão da corrupção se coloca como assunto diário, com as notícias sobre os sucessivos esquemas e escândalos. Há inúmeros mecanismos sugeridos para coibir práticas corruptas: financiamento público de campanhas, extinção do voto secreto etc. Que práticas o senhor estaria disposto a apoiar? E, mais além, quais seriam os termos de uma possível reforma política que seu mandato poderia defender?

Cristovam Buarque - Temos que atacar esse problema em dois momentos. Um é imediatamente para parar a vergonha da corrupção de hoje. A outra é fazer com que não haja corrupção no Brasil. De imediato eu defendo fazer com que corrupção se transforme em crime hediondo. O corrupto vai ter que pagar com que a mesma força que paga um criminoso que cometeu um crime hediondo. Ele não vai ter as salvaguardas que existem para os crimes menores. O corrupto é um traidor da pátria e traidor tem de ter pena muito dura. Segundo é criar uma polícia especial, que pode ser um departamento da polícia federal ou até um polícia nova, que cuide totalmente de fraudes, corrupção e sonegação. Uma polícia federal totalmente dedicada a isso. Terceiro é fazer alguns itens da reforma política: reduzir o número de cargos comissionados, prestigiar o funcionário de carreira. A maior parte da corrupção vem dos cargos comissionados. Além de diminuir os cargos comissionados, os que continuarem a existir teriam de ser escolhidos entre funcionários de carreira.

Rets - A “brecha digital” nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?

Cristovam Buarque - Para promover a inclusão digital iremos: Criar em todas as escolas do País um centro de informática, acessível aos alunos e, nos finais de semana, às comunidades; Desenvolver esforços, com os cientistas brasileiros e indústrias de informática de todo o mundo, para disseminar rapidamente o computador popular, ao menor custo; Trabalhar para remover todos os obstáculos legais e políticos para o uso dos recursos do Fust (Fundo Setorial da Telecomunicação); Criar linhas especiais de crédito para que pequenos empreendedores possam ampliar seus recursos de tecnologia de informação e para que os professores e servidores públicos em geral possam ter acesso ao computador e à internet; Sensibilizar governos e atores sociais para a importância da inclusão digital, apoiando as iniciativas da sociedade civil e das empresas neste campo, com o máximo de visibilidade; Garantir o ensino de informática e o uso dos recursos de teleinformática em todas as escolas do Brasil, graças à Revolução na Educação.







  • Leia a seguir as respostas do candidato Luciano Bivar, do Partido Social Liberal (PSL)


Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?

Luciano Bivar - No programa de governo que apresentamos aos eleitores, está prevista a consulta à população sobre as questões realmente polêmicas da sociedade, que não devem ser decididas apenas pelo Congresso Nacional. Acreditamos que, abrindo a possibilidade de participação popular direta nas decisões da nação, haverá um grande incentivo para que grupos de interesse se formem e se articulem para além do espectro da política formal. Essa articulação vai caber à sociedade civil.

Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?

Luciano Bivar - Acreditamos que a relação entre a sociedade civil e o poder do Estado vem se aprofundando e consolidando no Brasil, principalmente no nível municipal. Não cabem aqui as citações a exemplos isolados.

Rets - De que modo o fortalecimento do terceiro setor – especialmente nos últimos dez anos – transformou as relações do Estado com a sociedade civil?

Luciano Bivar - A profissionalização do Terceiro Setor vem dando uma nova voz à sociedade civil junto ao poder público, o que é fundamental para aprofundar a democracia e tornar as relações de poder mais transparentes.

Rets - Está disposto a retomar a discussão sobre o marco legal para ONGs? Caso a resposta seja afirmativa, com quais particularidades?

Luciano Bivar - Essa é uma decisão que depende de estudos mais aprofundados na transição de governo, o que será feito ouvindo-se as organizações da sociedade civil.

Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária do país: em 1995, foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?

Luciano Bivar - No plano de governo do PSL consta a adoção do Imposto Único Federal. O Imposto de Renda, como todos os demais tributos federais vão desaparecer, dando lugar a uma alíquota de 1,7% sobre transações financeiras. Essa medida vai dinamizar a economia e fazer com que o crescimento seja feito com justiça social.

Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?

Luciano Bivar - A melhor maneira de mudar o panorama social no Brasil é com crescimento econômico e com empregos. Isso poderá ser conseguido com uma ampla reforma fiscal como a que propomos, desonerando o setor produtivo e permitindo a retomada de investimentos.

Rets - O senhor pretende manter as mesmas bases do modelo econômico atual ou pretende fazer alguma mudança?

Luciano Bivar - A mudança será estrutural, com a adoção do Imposto Único Federal, permitindo a iniciativa privada investir e colaborar para o desenvolvimento do Brasil.

Rets - A questão da corrupção se coloca como assunto diário, com as notícias sobre os sucessivos esquemas e escândalos. Há inúmeros mecanismos sugeridos para coibir práticas corruptas: financiamento público de campanhas, extinção do voto secreto etc. Que práticas o senhor estaria disposto a apoiar? E, mais além, quais seriam os termos de uma possível reforma política que seu mandato poderia defender?

Luciano Bivar - Propomos como medida a redução do tamanho do Estado brasileiro, acabando com a superposição de ministérios e secretarias, reduzindo o número de funcionários, principalmente dos contratados na modalidade de cargos de confiança. A representação parlamentar também seria reduzida, em 15% em todos os níveis.

Rets - A “brecha digital” nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?

Luciano Bivar - Enfrentar a questão da inclusão digital é trabalhar em diversas frentes simultaneamente, cada uma com características próprias. Há que se começar pelo problema do acesso, disponibilizando máquinas e conexões a amplas camadas da população. Ao mesmo tempo, é preciso dar condições a estas pessoas de tirarem proveito dos recursos que a tecnologia da informação oferece. Ou seja, necessitamos de uma alfabetização digital, é nossa obrigação integrar os excluídos de hoje e oferecer a educação necessária para que se tornem capazes de atuar na economia da era da informação. É um crime social e de lesa-pátria deixar que as nossas crianças não tenham acesso a este mundo que lhes permitiria expressar com muito mais liberdade suas culturas regionais em um mundo globalizado. Precisamos também levar o debate sobre o software livre para muito além das batalhas ideológicas de hoje. Ou entendemos o software livre como uma janela de oportunidades para o desenvolvimento tanto econômico como social a partir de bases empresariais sólidas ou ficaremos presos em modelos de idéias do século passado. Além disso, a inclusão digital deve contemplar as pessoas com deficiências. Tudo isso nos leva a uma visão mais criativa do desenvolvimento tecnológico. O mundo digital não se resume a trocar mensagens no Orkut: há um potencial muito rico a ser explorado, mas que só o será quando mais brasileiros estiverem usufruindo e dando sua contribuição. A dificuldade para a implantação da TV digital no Brasil é, igualmente, um exemplo dos problemas não só estruturais, mas também políticos que temos de enfrentar. Mas que podem ser vencidos com coragem e determinação.









  • Leia a seguir as respostas da candidata Heloísa Helena, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol)


Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?

Heloísa Helena - Nós defendemos o fortalecimento do Estado, enquanto um instrumento fundamental e estratégico para a elaboração, organização e execução de políticas sociais, de infra-estrutura e de regulação econômica – dentre outras – para os milhões de brasileiros que necessitam de um padrão de vida digno, condizente à condição de cidadãos.

Contudo, para que essa meta seja alcançada, para que o Estado venha a ser um instrumento de democracia para esses milhões de brasileiros – hoje marginalizados, ou submetidos a péssimas condições de vida e trabalho – torna-se essencial que esse mesmo Estado seja permeado por mecanismos de controle social. Mais ainda: que a sua própria gestão esteja submetida a uma interatividade com a sociedade a quem ele – o Estado – deve servir e atender. Assim sendo, o papel da sociedade civil se transforma em elemento decisivo para a constituição de um verdadeiro Estado democrático e republicano, pois, sem esse papel a ser exercido pela sociedade civil inviabiliza-se a prevalência do interesse público sobre as demandas e pressões de grupos baseados no poder econômico.

Em nosso governo, portanto, a interatividade com a sociedade será desenvolvida de forma permanente e diversificada, de acordo com a própria diversidade e pluralidade encontrada na nossa sociedade. Permanente atuação junto aos Conselhos de Políticas Sociais; nova relação com o Congresso Nacional, respeitando e estimulando a sua independência; iniciativas visando o acionamento de instrumentos de consulta popular, como plebiscitos e referendos são exemplos de uma nova prática política que temos a intenção de implementar, enquanto governo, para que essa nova institucionalidade venha a ganhar raízes na nossa sociedade, buscando uma verdadeira, permanente e democrática relação com o Estado.

Rets - A senhora poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que a senhora considera um modelo a ser seguido?

Heloísa Helena - Não há um modelo a ser seguido, porque há brechas claras na sua condução, por não ser uma política governamental assumida com profundidade e como estratégia de construção de uma Nação soberana. É mais um “vamos tocando”, como tudo que o Brasil anda fazendo atualmente. Parece até que o país se acovardou diante dos grandes desafios. Mas citaria como um esforço bem-intencionado, de pessoas que reconhecem as necessidades estratégicas na área de tecnologia, a parceria da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) com ONGs, associações civis, entre outras, de alocação de recursos específicos para os centros de inclusão digital, em localidades bem pobres desse país. Há também parcerias elogiáveis entre pequenas prefeituras, para levar o acesso digital aos moradores. Piraí Digital é um bom exemplo desse esforço bem-intencionado.

Rets - De que modo o fortalecimento do terceiro setor – especialmente nos últimos dez anos – transformou as relações do Estado com a sociedade civil?

Heloísa Helena - O fortalecimento do chamado terceiro setor, observado nos últimos anos, contribuiu de sobremaneira para a criação de fontes de interferência importantes da sociedade civil sobre o Estado. Assim, podemos afirmar que muito do avanço que sentimos em algumas áreas estatais, em relação às demandas oriundas da sociedade civil, se deve à participação crescente das organizações civis, desvinculadas dos governos, mas empenhadas no fortalecimento de políticas públicas voltadas para a defesa da cidadania e de interesses populares. Contudo, é importante diferenciarmos – no universo do que se convencionou caracterizar como terceiro setor – as entidades que de fato têm um propósito de valorização da cidadania, em uma perspectiva popular e de defesa de conquistas democráticas, daqueles entes que defendem interesses exclusivamente privados.

O que lamentamos é o fato desse período ter também se caracterizado por um aprisionamento, sem precedentes, do Estado pelos interesses do grande capital e, particularmente, do setor financeiro, limitando em muito as conseqüências da saudável elevação do poder de pressão e interferência da sociedade civil sobre o Estado.

Rets - Está disposta a retomar a discussão sobre o marco legal para ONGs? Caso a resposta seja afirmativa, com quais particularidades?

Heloísa Helena - Essa seria uma iniciativa legal não só necessária como muito importante. Entretanto, um primeiro passo seria construir critérios para melhor definir as entidades que realmente poderiam vir a serem caracterizadas como ONGs. Hoje em dia essas entidades se encontram confundidas com outras, de natureza finalística distintas, conforme mencionei na resposta anterior. Muitas vezes são meras entidades de fachada, representando interesses empresariais, com interesses voltados para a obtenção de vantagens fiscais ou de acesso a recursos públicos.

Penso que o adequado e necessário seria a elaboração de uma legislação que contribuísse para o fortalecimento da sociedade civil, sem nenhum tipo de restrição estatal à sua auto-organização, mas com claros e definidos mecanismos de controle de recursos públicos eventualmente utilizados pelas ONGs e de fortalecimento de formas de interferência das mesmas sobre o Estado e suas políticas.

Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária do país: em 1995, foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. A senhora estaria disposta a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?

Heloísa Helena - Há um ditado popular que diz que “em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. A lembrança ao ditado me vem do fato de que hoje há uma tendência, quase generalizada, de muitos setores procurarem resolver questões relativas a sua respectiva sustentabilidade, através da ampliação ou instituição de benefícios decorrentes de renúncia fiscal.

Esse quadro é cada vez mais grave, na medida em que o país, amarrado a políticas antinacionais e monetaristas, continua a padecer de um grave processo de estagnação econômica e crescente comprometimento do orçamento público com o pagamento de despesas financeiras.

Para resolver esse impasse não há outro caminho que não seja o de alterar radicalmente o modelo em curso no país desde o início dos anos 90. Sem a superação definitiva das políticas de natureza liberal, não haverá solução.

Temos de adotar políticas de crescimento econômico, que permitam que as empresas invistam na produção e que o Estado – ampliando a sua taxa de investimento na economia - aumente a sua arrecadação em termos nominais (reduzindo o peso da carga tributária em relação ao PIB, na medida em que este tenha um crescimento acelerado). Com um novo quadro econômico, acreditamos que possam existir plenas condições à sustentabilidade de várias iniciativas, que hoje dependem da canalização de recursos fiscais, sem a necessidade de ampliação do nível de renúncia fiscal em vigor.

Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?

Heloísa Helena - Emprego, Educação e Saúde. Enquanto política social, esse é o tripé que será a prioridade absoluta do meu governo, e que a rigor deveria ser uma prioridade do Estado brasileiro, dada a magnitude da grave crise em que estamos mergulhados. Com relação ao programa bolsa-família, vamos mantê-lo e aperfeiçoá-lo. Mas, o Bolsa-família não será o elemento central de nosso governo, porque essa política de assistência social é importante como elemento transitório, mas não pode condenar parte da população a viver indefinidamente pobre e miserável para que o estado brasileiro a enxergue. Nós vamos trabalhar para que, ao fim do nosso governo, pelo menos, metade das famílias que hoje recebem o Bolsa-família não precise mais desse dinheiro, porque terá conquistado emprego de qualidade. O Bolsa-família, como é usado hoje, se apropria da dor e da miséria das populações pobres para ganhar votos nas eleições. Portanto, junto com o dinheiro da bolsa-família, vamos oferecer acesso irrestrito à educação, a capacitação profissional e à inserção no mercado de trabalho. Metade dos jovens brasileiros de 15 a 21 anos não tem o que fazer. Vamos trabalhar para que estes jovens tenham acesso a tudo que significa melhoria na qualidade de vida e a possibilidade de um futuro melhor. Que as nossas crianças e jovens brasileiros possam escolher ser cientistas, músicos ou esportistas, e não o futuro de prostituição, narcotráfico e criminalidade.

Rets - A senhora pretende manter as mesmas bases do modelo econômico atual ou pretende fazer alguma mudança?

Heloísa Helena - Em nosso governo, a principal e primeira mudança substantiva dar-se-á nas bases do modelo econômico vigente.

Criaremos novas condições macro-econômicas, com o objetivo de reduzir a taxa de juros e desbloquear o Orçamento Público da lógica do financiamento irresponsável da dívida pública. Para tanto, a natureza e a articulação das atuais políticas monetária, cambial e fiscal serão alteradas. A política monetária irá perseguir simultaneamente objetivos de crescimento econômico, geração de empregos e controle inflacionário; a política cambial se pautará pela flutuação administrada da taxa de câmbio, procurando preservar a competitividade de nossas exportações e a defesa de nossas empresas e do mercado interno; e a política fiscal romperá com a ditadura do superávit primário, reduzindo drasticamente a atual despesa com juros, através de uma forte redução da taxa básica de juros e a conseqüente liberação de recursos orçamentários para a ampliação de investimentos e custeio das despesas governamentais.

Proporemos, também, uma reforma tributária verdadeira. A linha geral que iremos propor à discussão no Congresso Nacional e na sociedade baseia-se na idéia de fazer com que no Brasil possamos ter uma estrutura tributária capaz de contribuir no processo de distribuição de renda e riquezas que iremos implementar.

A progressividade contributiva será, assim, uma característica da proposta, bem como a prevalência do peso dos chamados impostos diretos – sobre a renda e a produção – na formação da carga de tributos, alterando a ordem tributária regressiva atual e o maior peso que hoje os impostos indiretos possuem em relação ao conjunto de tributos recolhidos pelo Estado. Pretendemos que a partir do nosso governo, os pobres e assalariados passem a pagar muito menos impostos do que hoje, enquanto que os ricos e detentores de grandes propriedades venham a recolher tributos de forma justa e de acordo com as suas possibilidades, o que não ocorre atualmente.

Rets - A questão da corrupção se coloca como assunto diário, com as notícias sobre os sucessivos esquemas e escândalos. Há inúmeros mecanismos sugeridos para coibir práticas corruptas: financiamento público de campanhas, extinção do voto secreto etc. Que práticas a senhora estaria disposta a apoiar? E, mais além, quais seriam os termos de uma possível reforma política que seu mandato poderia defender?

Heloísa Helena - Não acreditamos em nenhuma reforma que se limite a alterações formais no jogo partidário. Será mais uma maneira de mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma. Os pontos essenciais para alterar o modo de funcionamento do Estado brasileiro são os seguintes: (a) eliminar a distribuição de cargos públicos a grupos políticos; o Estado brasileiro deve ser profissionalizado, com todos os cargos gerenciais sendo entregues a funcionários de carreira, concursados, promovidos por mérito; (b) como decorrência do item anterior, alterar a forma de relação entre o Executivo e o Legislativo, tornando o Congresso Nacional um poder autônomo, como manda a Constituição, voltado para fiscalizar o Executivo e debater projetos de lei de interesse nacional; (c) revalorizar a Federação, por meio de uma reforma tributária que descentralize os recursos; enquanto essa reforma não ocorrer – pois sua tramitação é complexa – deve o próximo governo iniciar imediatamente um processo de renegociação das dívidas de estados e municípios com a União, para liberar recursos para os governos locais.

Para a implementação e efetividade da reforma, diante do atual quadro de costumes políticos brasileiros, um novo governo tem sempre grande força política, ao assumir. As medidas saneadoras devem ser tomadas com rapidez e firmeza, com as devidas explicações à opinião pública. O fisiologismo e a corrupção prosperam na sombra. Não sobrevivem à luz.

Já há um clamor popular contra a forma tradicional de governabilidade, baseada no fisiologismo e na corrupção. Esta forma se esgotou e hoje já ameaça a própria existência do Estado nacional, ferido de morte por redes onipresentes de corrupção. Precisamos, pela primeira vez, inaugurar uma governabilidade republicana. Isso não será feito sem crises e tensões com as máfias políticas que controlam o Estado, mas essas crises e tensões, ao fim e ao cabo, serão benéficas para o Brasil.

Com relação à exigência da chamada fidelidade partidária, é importante que ela venha a se transformar em realidade, contudo, parafraseando Fernando Pessoa, nada vale a pena se a alma é pequena. Praticamente todos os partidos brasileiros são ficções. Todos sabem que as verdadeiras bancadas que atuam no Congresso Nacional são a do agronegócio, a dos bancos, a das escolas privadas, e assim por diante. Isso não se resolve no plano formal, mas na luta política.

Por fim, e dentro desse contexto, defendemos o financiamento público das campanhas eleitorais e o fim das emendas individuais no Orçamento. Este, por sua vez, deve perder a sua atual natureza autorizativa – o que acaba por transformar o Orçamento Geral da União em uma peça decorativa, absolutamente sujeito aos caprichos do Poder Executivo -, passando a ter um caráter determinativo.

Rets - A “brecha digital” nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?

Heloísa Helena - O Brasil vive hoje um grande impasse. Ao mesmo tempo em que tem necessidade de responder a problemas educacionais que já deveriam ter sido resolvidos – qualidade de escolas públicas, redução do analfabetismo, particularmente o funcional, e melhorar a qualidade da educação – tem que enfrentar desafios impostos pelas mudanças tecnológicas em todo o planeta, que nos obriga a resolvê-los em conjunto. Por exemplo, já não adianta apenas educar e alfabetizar (cerca de 13% de brasileiros com mais de quinze anos são analfabetos. Se, a eles, somarmos os chamados analfabetos funcionais – pessoas que escrevem o próprio nome, soletram palavras, mas não conseguem redigir uma carta ou ler um pequeno parágrafo – chegaremos à espantosa percentagem de 75%).

É preciso alfabetizar e educar, mas já incluindo esses brasileiros no universo da informática. Senão, continuarão analfabetos, desta vez, digitais. De acordo com minucioso trabalho do economista Marcio Pochmann, da Unicamp de São Paulo, para se igualar ao Chile, em termos de educação, o Brasil precisaria criar, em dez anos, 5,7 milhões de novas vagas no ensino médio, formar 120 mil professores e construir 49 mil salas de aula. Aí, você enxerga o imenso abismo que separa os brasileiros de outros países.

O abismo se agiganta quando a gente sabe que o mundo vive uma nova revolução tão poderosa quanto a industrial. Ela vem desconstruindo os alicerces da economia mundial e mudando o modo de produção da riqueza. Qualquer projeto de ciência e tecnologia, portanto, não pode estar separado de um novo projeto de desenvolvimento estratégico para o Brasil. Um bom exemplo vem da China: o país está apostando em formar 80 mil físicos. Se, desse contingente, saírem 10% de bons físicos, ela terá 8 mil bons físicos; se 10% forem gênios, terá 8 mil físicos geniais. E o Brasil? Cria vaguinhas ociosas para a meninada em universidades particulares e fica satisfeito com isso.

Enquanto isso, dois de cada dez recém-formados fogem para o exterior em busca de oportunidade. Com a mudança tecnológica, o Brasil está reunindo também o maior universo de desempregados estruturais, desqualificados para qualquer novo emprego. Estão desqualificados até para empregos como vendedores nas Casas Bahia, que o presidente cita tanto como exemplo. É que ela só contrata por meio de currículos enviados pela Internet. Durante quase um ano, o governo Lula falou de computadores populares e Internet a custo de R$ 15 reais para as famílias – alguém se habilita a dizer onde foi parar esse projeto?

E os centros de inclusão digital não estão preparados para assumir a gigantesca tarefa de incluir os brasileiros no mundo digital. A burguesia negra norte-americana entendeu como ninguém que é estratégico hoje criar projetos de inclusão digital dos negros. Enquanto o Brasil não entender isso como estratégico e investir pesadamente na educação e inclusão digital ficaremos como estamos: na periferia da periferia.

Equipe Rets

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