Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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“Ela [a Losan] cria condições para que o combate à fome e a promoção da alimentação saudável tornem-se compromissos permanentes do Estado brasileiro, com participação da sociedade civil", destaca o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, em comunicado.
Para o professor Renato Maluf, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ), a aprovação é uma excelente notícia, mas deve ser vista com cautela. “Ainda não existe uma política nacional integrada nesse sentido, e é isso que a Losan propõe”, diz. “Mas, por enquanto, nada muda. Ainda é preciso regulamentar a lei e criar as instituições que ela prevê”.
A principal novidade da lei é a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), cuja missão é “formular e implementar políticas e planos de segurança alimentar e nutricional, estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da segurança alimentar e nutricional no país”. Ou seja, coordenar as ações relacionadas à garantia de acesso da população a uma boa alimentação.
O novo órgão será composto por representantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que reúne especialistas vindos da sociedade civil organizada, de empresas e universidades e de outra instituição a ser criada, a Câmara Interministerial. Ela será composta por representantes de diversas pastas, entre elas os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Social. O Consea, hoje um órgão consultivo da Presidência, passará a ter caráter permanente e terá como missão organizar a Conferência Nacional de Segurança Alimentar, para estabelecer as diretrizes sobre o combate à fome. Além disso, será incumbido de definir quanto a União deverá gastar em políticas de acesso à alimentação. Com a aprovação da lei, espera-se mais eficiência nas políticas públicas voltadas para esse tema, que é muito abrangente.
A segurança alimentar é definida pela Losan como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
De acordo com Maluf, que também é conselheiro do Consea, atualmente há diversas ações em andamento com objetivo de garantir o direito dos brasileiros a uma boa alimentação. Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são um exemplo, assim como a iniciativa de garantir ao menos uma refeição diária, de boa qualidade, a alunos da rede pública. “A segurança alimentar, no entanto, vai além de pôr comida na mesa. Passa também pela questão do padrão alimentar e da forma como a comida é produzida”, analisa.
Para desenhar um plano nacional de segurança alimentar, o governo terá uma tarefa árdua. Será preciso entrar em campos espinhosos e estratégicos para o país, como a produção agrícola (voltada para exportação e baseada em grandes propriedades ou em pequenas direcionadas à subsistência, por exemplo) e a liberação ou o veto de transgênicos. Além disso, será necessário desenvolver programas educacionais para combater o crescimento do número de obesos e desenvolver as regiões mais pobres do país, como o Semi-Árido nordestino.
Apesar de tantas áreas governamentais envolvidas e muita polêmica a ser discutida, especialistas acreditam na construção de consensos. O próprio Maluf declara que são muitos os desafios, mas que o governo deverá superá-los. “Uma das vantagens que a nova lei deve trazer é uma maior descentralização das políticas. Cabe a governos estaduais e municipais ter o comprometimento com esse direito básico”, afirma.
Projeto levou um ano para ser aprovado
A Lei Orgânica de Segurança Alimentar Nacional começou a ser elaborada em 2004, durante a segunda conferência nacional sobre o tema, organizada pelo governo, em parceria com organizações da sociedade civil. Seu texto foi redigido pelo Consea e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além de outras pastas governamentais. A idéia central era que, dada sua importância, a segurança alimentar deveria ter respaldo legal, assim como acontece com a saúde, cuja Lei Orgânica data de 1990 e instituiu o Sistema Único de Saúde.
O projeto de lei foi apresentado em outubro de 2005 à Câmara pela Presidência da República. Praticamente um ano depois, foi aprovada e sancionada sem grandes alterações no texto. Nesse meio tempo, foi entregue ao Congresso um documento com 16 mil assinaturas, reivindicando a aprovação da lei.
Para Francisco Menezes, presidente do Consea, a aprovação da Losan é uma conquista da sociedade e deve ser comemorada. Ele ressalta, porém, a necessidade de regulamentação do texto. “Muito temos a fazer, daqui para frente. A começar por estabelecer uma regulamentação que potencialize aquilo que a lei prevê. Mas a base inicial está estabelecida”, declarou, em discurso a membros do Conselho, quando o PL foi aprovado.
Segundo Menezes, o Consea teve papel fundamental na tramitação do projeto de lei. “Nosso Conselho assumiu plenamente a responsabilidade legada pela segunda Conferência e conseguiu construir, no consenso, um projeto que estabelece as bases essenciais para que o país possa dispor, efetivamente, de uma política e de um sistema nacional de segurança alimentar e nutricional”, observa. O Consea surgiu em 2003 e atualmente é formado por 59 conselheiros: 42 representantes da sociedade civil organizada e 17 ministros de Estado e representantes do governo federal, além de 16 observadores convidados.
A participação da sociedade civil foi elogiada pelo presidente do Conselho, que também é membro de uma ONG, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Segundo Menezes, a participação de organizações não governamentais e comunitárias no processo decisório só colabora para o desenvolvimento do país. “Os processos de participação social que incorporam a participação direta da sociedade com o governo oferecem condições para os melhores resultados”, afirmou, em discurso durante a cerimônia de sanção da lei, na sexta-feira.
Segurança alimentar
Os estudos sobre segurança alimentar começaram a ser feitos na década de 80, nos EUA, depois de pesquisadores constatarem que a renda familiar era insuficiente para verificar a quantidade de alimentos ingerida pelos moradores de um lar. O Departamento de Agricultura dos EUA desenvolveu, então, um índice de insegurança alimentar, com a colaboração de professores da Universidade de Cornell.
Os resultados foram obtidos após a aplicação de questionários que mediam a preocupação com a falta de alimentos no futuro, os problemas relativos à quantidade de calorias ingeridas e a qualidade nutricional do que estava sendo consumido.
No Brasil, houve uma adaptação dos itens norte-americanos à realidade nacional. Assim surgiu a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), construída entre 2003 e 2004. Ela foi incorporada à Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) e aplicada em 2004.
Os resultados foram divulgados em maio de 2006 e mostram um quadro grave. Em apenas 65,2% dos 51,8 milhões de domicílios particulares brasileiros havia segurança alimentar. Ou seja, os 34,8% restantes não têm acesso a uma alimentação saudável e suficiente para seu bem-estar.
Dos 18 milhões de lares “inseguros”, 3,4 milhões estavam em situação grave. A região com piores índices é a Nordeste, onde estava quase metade dos lares em pior situação. A melhor é a Sul, na qual 76% tinham acesso a uma alimentação adequada. Na Sudeste, o índice de segurança alimentar chega a 73%; no Centro-Oeste, a 68,8%; na Norte, a 53,6%.
As áreas rurais também apresentaram o pior desempenho em todas as regiões. No total, 43% dos lares rurais possuem algum tipo de deficiência alimentar, contra 33% dos urbanos.
Para mudar esse quadro, o Consea sugeriu à Presidência da República a dotação de mais de R$ 3,5 bilhões em diferentes programas de combate à insegurança alimentar. Pouco mais da metade – R$ 1,8 bilhão – seria para alimentação escolar. Há ações sugeridas nas áreas de reforma agrária, educação alimentar, instalação de cisternas e irrigação do Semi-Árido nordestino.
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