Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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O trecho acima – transcrito sem qualquer revisão – é parte do depoimento da índia Yoanana Pataxó e pode ser lido no portal “Índios Online”, criado há mais de dois anos e mantido pela ONG Thydewas. O “encontrão” a que ela se refere é o 3º Encontro Índios On-Line, que acontece em Ilhéus, na Bahia, e reúne indígenas de sete etnias conectadas à internet por intermédio da ONG. “É o momento de encontrarmos as pessoas que só conhecíamos pelos textos”, afirma outro índio, Alexandre Pankararu, um dos primeiros a se envolver com o projeto. Alexandre foi bolsista do programa e hoje é monitor do pequeno telecentro (na verdade, uma máquina ligada via satélite à internet) de sua comunidade, localizada no interior de Pernambuco.
O site surgiu em 2004 e agrega conteúdo das nações indígenas Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe e Tumbalalá, na Bahia; Xucuru-Kariri e Kariri-Xocó, em Alagoas; e Pankararu, em Pernambuco. Nele é possível encontrar também reportagens sobre a vida nas comunidades e a luta por direitos. Ou seja, muita informação relativa ao cotidiano e a reivindicações desses povos nas seções de chat, notícias, atividades, fórum, cursos e diários. “Nossa primeira intenção foi criar um portal para o fortalecimento cultural dos povos com os quais trabalhávamos”, afirma Sebastián Gerlic, diretor da Thydewas e um dos idealizadores da iniciativa. “Quisemos que os índios fossem os próprios antropólogos, historiadores e jornalistas, provocando intercâmbio não só entre eles, mas com especialistas”.
O site foi criado com recursos próprios da ONG e com trabalho voluntário de diversas pessoas, indígenas ou não. Em cada comunidade participante, foram instaladas máquinas com acesso à internet fornecido pelo governo federal por meio do programa Gesac, que provê conexão via satélite em banda larga a localidades onde não há provedores comerciais. Os espaços onde estão as máquinas fazem parte de outro programa federal, o Cultura Viva, que apóia iniciativas de preservação cultural em todo o país. O número de computadores de cada local difere de acordo com seu tamanho. Algumas regiões têm apenas um PC, outras até três, mas o trabalho para o portal é o mesmo em todas. Ainda em 2004, foram selecionadas, em cada aldeia, pessoas que já tivessem algum contato com a tecnologia.
Foi o caso de Alexandre, que já havia vivido em São Paulo, onde fez curso de informática, e voltou para sua terra natal. “Também sou professor de educação física da escola local e faço trabalho voluntário para ensinar outras pessoas a utilizar a internet”, diz. Alexandre e outros receberam bolsa e passaram seus conhecimentos aos moradores das aldeias, muitos dos quais nem sequer haviam ouvido falar em internet. “Primeiro, as pessoas ficam inibidas para usar a tecnologia, mas depois de algum estímulo se soltam e começam a ler e escrever na tela”, comemora. Em cada aldeia, há, em média, dez voluntários, escolhidos por sua “seriedade”.
Passada a fase de aprendizado e incentivo à troca de conteúdo entre as tribos, começou outra, a de reforço da cidadania. “Apesar de ser uma novidade, eles se apropriaram muito bem”, vibra Gerlic. “Rapidamente começaram a fazer reivindicações à Funai [Fundação Nacional do Índio] e à Funasa [Fundação Nacional de Saúde, órgão responsável pela saúde indígena]”, relembra. Professores que não haviam recebido aumento pressionaram para obtê-lo, estradas foram reformadas depois do envio de algumas mensagens e escolas foram reformadas. “Às vezes, por serem indígenas, suas mensagens têm mais impacto do que as de uma outra pessoa, pois os políticos sabem que há repercussão caso os direitos indígenas não sejam respeitados prontamente, devido à sua capacidade de organização”, explica o coordenador da Thydewas.
O projeto, agora, entra em uma nova fase. O objetivo é garantir sustentabilidade e qualidade. Em parceria com o Instituto Telemar, a ONG selecionou cem indígenas para participar de aulas de cidadania, ética e desenvolvimento sustentável, entre outros temas. Ao mesmo tempo, farão trabalhos de campo para retratar sua realidade. Pesquisarão quantas pessoas vivem nas aldeias, a renda per capita, problemas de saúde e educação. Com o material, a Thydewas pretende publicar um livro, “Cibercultura Indígena”. O passo seguinte será a busca de sustentabilidade não só do uso das máquinas, mas das próprias comunidades, por meio de programas de incentivo à produção local de artesanato e agricultura.
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