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As terras da Aracruz Celulose

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião






As terras da Aracruz Celulose
Área de conflito | Divulgação: Terra
* Gitibá Guichard Faustino

Como é possível alguém tirar ou expulsar os índios tupiniquins de suas terras se os registros históricos indicam que os índios dessa etnia nunca habitaram aquela área, e sim 140 quilômetros ao norte? Isso ainda no século 18, visto que por volta de 1750 já não havia registros dessa etnia que habitou o litoral brasileiro.

A Aracruz Celulose, baseada em tudo que foi apurado pelo grupo multidiscplinar que estudou a questão, e principalmente nos trabalhos realizados pela própria Funai, está convicta de que nas terras em disputa nunca houve ocupação tradicional tupiniquim.

A questão da disputa por terras no centro-norte do Espírito Santo é recorrente. Pela terceira vez em menos de 30 anos,a Funai tenta expandir a reserva indígena do estado em terras de propriedade da Aracruz Celulose. As 500 famílias de índios (guaranis vindos do sul do país) e descendentes de índios (de diversas etnias, não necessariamente tupiniquins) que vivem nos 7 mil hectares já cedidos pela empresa para a criação da reserva indígena do Espírito Santo agora reivindicam mais 11 mil hectares. A justificativa de ampliação da reserva seria propiciar o "resgate do seu tradicional estilo de vida".

Há muitos anos, porém, os descendentes de índios daquela região se integraram à sociedade. Com exceção dos guaranis, eles não guardam traços da cultura indígena e vivem em aldeias parecidas com cidades do interior: suas casas são de alvenaria, tendo várias delas cercas ou muros, as ruas são asfaltadas e é possível identificar escolas, igrejas, postos de saúde e mercados. A principal manifestação cultural, inclusive citada pela Funai como uma característica das comunidades, é tipicamente de origem africana: a dança do congo, o que demonstra a ausência de uma unidade étnica e cultural. Isso não quer dizer que os índios da região não tenham direito a viver esse estilo de vida, mas o exemplo serve para mostrar que eles já não vivem o modo tradicional, que poderia servir de base, junto a outros fatores, para uma ampliação da reserva.

No momento, a decisão sobre as terras do centro-norte do Espírito Santo está nas mãos do Ministério da Justiça. A Aracruz confia em uma resolução favorável do ministro, já que sua contestação contém elementos suficientes para mostrar que a Aracruz não ocupa e nunca ocupou terras indígenas, que nunca expulsou índios de suas terras e que adquiriu suas terras de forma legal. Quando a empresa começou a comprar terras no Espírito Santo, em meados da década de 60, o fez diretamente dos seus legítimos proprietários ou possuidores, de acordo com documentação comprobatória da cadeia fundiária. Diversos proprietários estavam nessas terras há várias gerações, muitos advindos da imigração italiana ao Brasil.

A contestação da empresa ao relatório da Funai, entregue ao órgão no dia 19 de junho, apresenta argumentos fundamentados em ampla pesquisa histórica, realizada por grupo multidisciplinar que trabalhou durante oito meses com intuito de fazer um resgate histórico e investigar a questão da terra no Espírito Santo. O grupo, integrado por historiador, antropólogo, geógrafo e cartógrafo, entre outros profissionais, fez levantamento completo dos registros de imóveis, com suas cadeias sucessórias, dos terrenos comprados pela Aracruz desde 1967. E fez também completo levantamento da história do estado. As fontes históricas afirmam que os índios tupiniquins nunca habitaram aquelas terras, já que ocupavam o norte do Espírito Santo, a partir do rio Cricaré, hoje rio São Mateus, distante 140 quilômetros da área reivindicada.

Na época em que a Aracruz iniciou a compra de suas terras, em meados dos anos 60, os remanescentes dos índios na região já se achavam totalmente integrados, não mais habitando em aldeias. Para confirmar isso, a Aracruz apresentou ainda fotos aéreas de 1957 (dez anos antes do inicio da compra de terras pela empresa), que mostram a inexistência de aldeias indígenas na região. A Aracruz também possui documentos que resgatam o uso do solo na região nas décadas de 50 e 60, comprovando que as áreas encontravam-se, na ocasião, desmatadas por ciclos econômicos como café e madeira e sem vestígio de aldeias tradicionais na região de Aracruz.

Mesmo tendo chegado à região quase dez anos antes de a Funai iniciar o processo de identificação de comunidades indígenas, a Aracruz decidiu ceder ao apelo do órgão e, em 1983, doou parte das terras para abrigar os remanescentes de índios que por lá estavam. De lá para cá, porém, a reserva indígena do Espírito Santo já foi ampliada duas vezes e um acordo entre as comunidades indígenas e a Aracruz, com prazo de 20 anos, teve de ser renegociado quatro anos depois, após uma nova onda de manifestações e invasões de terras da companhia pelos índios.

Foram firmados contratos de venda de madeira dos índios para a empresa, além de diversas iniciativas voluntárias de apoio e fomento por parte da Aracruz. Os repasses da empresa para os índios, nestas diversas formas, totalizaram cerca de R$ 26 milhões entre 1998 e 2006. E as comunidades indígenas de lá se tornaram os maiores fornecedores de madeira para a empresa. Os repasses foram suspensos durante o ano de 2005, quando os índios voltaram a reivindicar mais terras através de ações violentas e intimidatórias, como invasões de áreas florestais e da própria fábrica, incêndios e destruição de florestas.

A Aracruz não está lutando contra as comunidades indígenas, que são e permanecerão sendo suas vizinhas, a quem reconhece como partes interessadas importantes e com quem tem todo o interesse em desenvolver uma relação amistosa, de mútuo beneficio. A luta da Aracruz é pelos seus direitos, e incluem a busca da segurança jurídica que ora lhe falta, pois nada assegura que se a reserva for novamente aumentada, novas ampliações não venham a ser tentadas no futuro, em ciclos infindáveis, o que poderia colocar em risco seu abastecimento de madeira, e como tal, o seu próprio desenvolvimento, com efeitos extremamente negativos para todos aqueles que dela se beneficiam, como empregados, fornecedores, comunidades e o próprio país.

* Gitibá Guichard Faustino é sociólogo e especialista em Relações com Comunidades da Aracruz Celulose.





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