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Exigências da cidadania no segundo turno da eleição presidencial

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Exigências da cidadania no segundo turno da eleição presidencial

Abong*


O mínimo que se pode exigir dos candidatos Lula e Alckmin, neste segundo turno da eleição em curso, é que contribuam para o restabelecimento do primado da Política (assim mesmo, com P maiúsculo) e evitem o equívoco de acreditar que o diferencial que possa ser estabelecido entre os dois candidatos a partir das denúncias sobre corrupção seja suficiente para orientar a escolha do futuro presidente da República.

Para contribuírem para o restabelecimento do primado da Política, Lula e Alckmin terão de fazer um enorme esforço de correção de rumos em relação ao desempenho que tiveram no primeiro turno das eleições de 2006, que primou pela ausência de debates e, sobretudo, pela falta de explicitação das agendas políticas reais dos candidatos para o próximo período presidencial. Isso se torna ainda mais preocupante quando consideramos que o governo Lula resultou numa mudança dramática do mapa político do país, com realinhamentos políticos surpreendentes e - segundo insistem muitos(as) analistas políticos(as) - numa divisão do país em duas regiões geopolíticas, o que refletiria também os efeitos das políticas econômica e social do governo Lula sobre essas duas regiões.

As problemáticas mudanças políticas e os relativos avanços sociais ocorridos no governo Lula nos colocaram num cenário político de alto risco, do ponto de vista daquelas organizações da sociedade civil que se pautam por um compromisso histórico com o aprofundamento da democracia - representativa e participativa -, com a luta pela redução das desigualdades e pela busca de alternativas sustentáveis de desenvolvimento para a sociedade brasileira.

Há quatro anos, quando o candidato Lula propôs a construção de um novo contrato social, começamos a discutir, por meio do site da Abong e em debates com as ONGs, as dificuldades para a constituição deste pacto. Na ocasião, dizíamos que o grande desafio colocado para Lula era o da árdua transição entre a situação catastrófica de curto prazo e o início de mudanças que representassem a efetivação dos compromissos históricos do PT com o fim da exclusão e com a redução das desigualdades. Hoje, somos obrigados(as) a constatar que nos quatro anos do governo Lula não se constituiu no Brasil um novo bloco de forças políticas e sociais efetivamente comprometidas com um projeto de luta contra a exclusão e a desigualdade. Pior ainda, aumentou a despolitização, e as forças da direita estão reanimadas com a perspectiva de uma vitória eleitoral que lhes abra o caminho para uma nova etapa de aprofundamento do projeto neoliberal.

Os jornais de hoje anunciam que as equipes de Lula e Alckmin se preparam para definir sua ação na economia, que seria marcada, em ambos os casos, por medidas para estimular o crescimento econômico. Evidentemente, mesmo nesse terreno, os caminhos escolhidos são diferentes, e o famoso "choque de gestão" prometido por Alckmin - com o anúncio de um dramático corte dos gastos públicos, equivalente a 3% do PIB - poderá levar o país à recessão. É verdade que alguns(mas) economistas críticos(as) tampouco descartam essa possibilidade na hipótese de um segundo mandato de Lula, tendo em vista a combinação da atual política econômica com uma possível deterioração do cenário econômico internacional. Este é um debate importante, mas insuficiente para viabilizar o que aqui estamos chamando de restabelecimento de primado da Política.

Os candidatos estão desafiados a comunicar claramente à nação os seus projetos para o Brasil. Não dá mais para suportar outra eleição em que os projetos políticos sejam comunicados de forma tão ambígua que, depois, o eleito possa surpreender os(as) eleitores(as) com políticas que, nos casos extremos, se confundem com verdadeiros estelionatos eleitorais. Lula e Alckmin têm a obrigação de se dirigir aos(às) eleitores(as) com discursos que revelem o essencial de suas agendas políticas. É inadmissível que haja agendas políticas ocultas, como parece ser a de uma nova ofensiva de privatizações no caso da eleição de Alckmin (entregando, desta vez, a Petrobrás e os bancos públicos) ou a de uma nova reforma da previdência (no caso de ambos os candidatos). Fala-se até da suposta conclusão a que teria chegado o Planalto acerca da necessidade de mudar a atual política externa - a melhor em décadas - por outra "capaz de produzir resultados" (mesmo, é claro, que graças à volta à subserviência que marcou a política externa de FHC).

Todas essas e muitas outras são questões cruciais para a definição do futuro político deste país. Enfrentá-las num debate franco e corajoso é o desafio colocado para os candidatos. Com base na experiência do primeiro turno, podemos duvidar da disposição dos candidatos de responder positivamente a este desafio, o que exige da sociedade civil uma postura crítica e de cobrança do aprofundamento do debate político.


* Este texto é o editorial do Informes Abong nº 367, de 3 a 9 de outubro. Mais informações em www.abong.org.br.






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