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Cidadania passo a passo

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Cidadania passo a passo
Foto: www.bst.org.br

Conhecido como o bairro dos turistas, dos artistas e, é claro, do famoso bondinho, herança de tempos antigos que ainda circula por suas ruas, Santa Teresa é também um dos lugares do Rio de Janeiro onde o contraste social e econômico mais se revela. Ao lado de casarões históricos, bares boêmios e ateliês, existe também uma enorme demanda social e cultural por parte dos moradores mais pobres, que vivem nas favelas localizadas no bairro e em seu entorno.

Criado em 1999, o Ballet Santa Teresa nasceu justamente dessa demanda: do desejo de meninas do Morro da Coroa que queriam aprender a dançar. “Estava andando pelo bairro, quando uma criança de quatro anos me surpreendeu com a pergunta: Quando você vai dar aula pra mim?”, contou a bailarina Vânia Farias. A iniciativa da menina deu origem às primeiras aulas do programa, que inicialmente aconteciam na sede da Associação de Moradores. Hoje, o programa ocupa a Federação dos Trabalhadores Cristãos do Rio de Janeiro, no Largo do Guimarães, ponto central de Santa Teresa.

Vânia, que é diretora do Ballet Santa Teresa, explica que muitas crianças e muitos adolescentes em situação de risco social no bairro não tinham acesso a cultura e lazer por falta de ofertas e, principalmente, devido ao preconceito. Por isso foi criado o programa de Ballet Santa Teresa, que tem como objetivo promover, através da arte, a integração social e cultural dessas crianças.

Em 2001, o programa passou a oferecer aulas diárias de balé clássico, dança espanhola, música, canto coral, história da arte e da dança, psicomotricidade, recreação intelectual e reforço educacional. A intenção é ser um espaço de embasamento cultural para crianças e adolescentes e de acesso a diversos tipos de expressão artística que contribuam para a formação pessoal e profissional. Todos os alunos também são acompanhados por orientação pedagógica e assistência social. Em 2004, foram acrescentadas disciplinas de inglês, expressão teatral, capoeira e artes plásticas.

São atendidas 150 crianças, de 3 a 18 anos, que moram nos Morros dos Prazeres, da Coroa, do Fogueteiro, Fallet, Escondidinho, da Mineira, e de São Carlos. Além deles, freqüentam as aulas, alguns alunos de classe média do bairro, o que, segundo Vânia, contribui para a integração entre moradores do morro e do asfalto e contribui para o fim da segregação social no bairro. A única exigência para participar do programa é estar matriculado na escola e apresentar um atestado médico, oferecido pelo Posto de Saúde de Santa Teresa.

Cada criança, explica Vânia, tem uma carga horária específica de aulas. “Crianças de 3 a 6 anos freqüentam a instituição duas vezes por semana e assistem a aulas de balé clássico, recreação intelectual e psicomotricidade. As de 7 a 10 anos vão todos os dias e freqüentam todas as aulas. E as de 11 a 18 anos devem participar das aulas durante quatro dias na semana”, afirma Vânia.

E desde fevereiro os adultos também têm vez. Eles podem aproveitar o curso de alfabetização e reforço escolar realizado à noite. “No nosso relacionamento com os pais das crianças, percebemos que quase a metade era analfabeta e resolvemos tentar mudar esse quadro, atentando para o fato de que as crianças tendem a acompanhar o nível escolar de seus pais. Hoje temos 25 alunos freqüentando o curso para adultos, e a resposta deles tem sido muito boa”, contou.

Entre os principais resultados do programa estão a diminuição do número de crianças reprovadas ou com dificuldades na escola e o alcance do índice zero de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis entre as adolescentes do programa. Além disso, a formação intelectual e o embasamento cultural dos alunos têm facilitado o acesso deles ao trabalho e à educação superior pública. Alessandra Costa, que começou como voluntária e hoje é funcionária da organização, é pedagoga e dá aulas de reforço escolar para as crianças. Segundo ela, o trabalho do Ballet tem contribuído para aumentar a auto-estima das crianças e para a melhor integração delas na sociedade.

Um dos principais desafios é lidar com a falta de recursos financeiros e estruturais. Todas as atividades do Ballet são gratuitas e sobrevivem graças a parcerias com algumas organizações, doações e principalmente, trabalho voluntário, que é a força motriz do projeto. Muitos estrangeiros, de diversos países, participam. Alguns oferecem aulas do idioma de seus países de origem. “Já tivemos voluntários belgas, chilenos, mexicanos e, atualmente, estamos com uma voluntária da China que está dando aulas de chinês para as crianças. Mas a contribuição principal desses voluntários é a possibilidade de as crianças poderem aprender a lidar com a diversidade cultural”, defendeu a bailarina.

A necessidade de um espaço físico maior é também outro obstáculo à realização das atividades do programa. Vânia lamenta o alto custo dos imóveis no bairro, o que dificulta a compra de um espaço maior para o Ballet. Assim, por enquanto, algumas atividades, como as aulas de artesanato e ioga, estão sendo realizadas no jardim da casa onde hoje o Ballet está instalado.

Acesso a educação e cultura é um dos direitos básicos de crianças e adolescentes que lhes é negado todos os dias, no Rio de Janeiro, até mesmo em bairros considerados nobres. “A criança é vista como mais um número, não é tratada como prioridade. Afinal", desabafa Vânia, "ela não dá voto, né?”.

Joana Moscatelli

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