Autor original: Luísa Gockel
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Os riscos, no entanto, assustam. De acordo com o assessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum, a maior ameaça reside no tratamento que vem sendo dispensado à Amazônia. “Eles recuperam essa idéia de que a Amazônia tem muitos vazios e que é preciso integrar. Não mais com aquele discurso de proteger a fronteira, mas para a integração dessas populações”, diz.
Além da preocupação com os impactos ambientais que pode vir a sofrer a biodiversidade brasileira, Verdum também chama a atenção para os impactos nas comunidades locais. Segundo ele, os riscos culturais estão relacionados à perda dos valores e dos conhecimentos tradicionais. “Essas grandes obras trazem um grande contigente de trabalhadores. A própria economia local começa a integrar novos valores, e alguns conhecimentos, como os relacionados à biodiversidade, podem ser deixados de lado”, alerta.
De acordo com boletim divulgado em setembro pelo Inesc sobre o tema, é preciso conferir mais atenção à iniciativa, pois a integração proposta pela IIRSA prioriza a integração de mercados para tornar a região mais competitiva do ponto de vista da lógica da globalização capitalista, uma lógica que perpetua desigualdades e promove exclusões.
Nesse sentido, segundo Verdum, o papel das organizações da sociedade civil é essencial. “O principal papel da sociedade civil organizada, hoje, é pressionar o governo brasileiro e as organizações internacionais para uma maior transparência em relação à IIRSA. Queremos saber quem financia e quem participa desse processo”, diz.
Rets – Quando surgiu a idéia da IIRSA?
Ricardo Verdum – A história remonta à década de 1960, quando as estratégias geopolíticas do governo militar se preocupavam com a expansão de rodovias como forma de integrar a América Latina. A IIRSA, mais objetivamente, começa na década de 1990 e segue pelos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, quando se formulam e começam a ser implementados os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, para possibilitar o acesso às áreas ricas em recursos naturais. É parte da estratégia comercial que dá acesso aos portos que levam aos mercados dos Estados Unidos, da África e da Ásia.
Na década passada, essa estratégia é incorporada pelas agências financeiras e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e começa a ser divulgada como uma estratégia interessante para a América do Sul. Essas entidades começam a estudar os caminhos e vias mais indicados economicamente. Dessa forma, o Brasil foi fundamental na criação dessa estratégia, que depois foi incorporada à realidade da América Latina.
Rets – Quem financia a iniciativa?
Ricardo Verdum - Há a atuação forte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que começa a apoiar estudos e pesquisas, sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. ONGs são convidadas para compor um consórcio para fazer esse estudo das obras necessárias.
Tem participação também de empresas privadas, principalmente as grandes empresas nessa área de engenharia que realizam as obras para a integração. A Petrobras e a Vale do Rio Doce também estão investindo recursos próprios, nacionais e internacionais, nas obras.
Além dessas empresas públicas e privadas, financiam a iniciativa o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial. Tem financiamento de tudo quanto é lado. Os recursos do orçamento público nacional são só um lado desse emaranhado de interesses, que vão desde o acesso a recursos como petróleo e gás até interesse na relização da própria obra.
Rets – E o que representa a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) nesse contexto?
Ricardo Verdum - A Casa é mais do que um bloco econômico e financeiro, em que estão envolvidos todos os países sul-americanos, menos a Guiana Francesa. É a idéia de criar uma comunidade à semelhança do que é a Comunidade Européia. É uma estratégia continental que implica moeda comum e a possibilidade de livre trânsito entre os países. Mas a dimensão que acaba predominando é dos interesses econômicos.
Nas reuniões que tiveram, prevalecem as discussões sobre integração física da América do Sul. Do ponto de vista econômico, isso é essencial para escoar recursos naturais e produtos para o mercado. Portos, aeroportos, barragens, produção energia elétrica e gasodutos são necessários para isso.
Rets – O que está previsto para o Brasil no plano da IIRSA?
Ricardo Verdum - No Brasil, existem em torno de 70 obras previstas. Desde asfalto de rodovias até pontes para viabilizar o trânsito de veículos entre o Brasil e outros países. Há duas barragens previstas para o Complexo. Existe também uma série de outros projetos, como a transposição do Rio São Francisco, que vão pelo menos caminho. A transposição não está dentro da IIRSA, mas é um grande projeto de infra-estrutura. Não entrou porque o objetivo da IIRSA é conectar o Brasil a outros países de língua hispânica.
Rets – E a Amazônia está nos planos?
Ricardo Verdum - O discurso oficial da IIRSA é aquele do vazio a ser preenchido. Está documentado, pois é o discurso do representante da IIRSA no Brasil, Ariel Pares, que é ligado ao Ministério do Planejamento.
Foram feitos seminários, e esse é o discurso predominante: o de vazios que precisam ser ocupados e o da população que está carente de educação, saúde e comunicação. Segundo eles, existe uma série de recursos naturais que precisam ser acessados e disponibilizados para o mercado interno.
Eles recuperam essa idéia de que a Amazônia tem muitos vazios e de que é preciso integrar. Não mais com aquele discurso de proteger a fronteira, mas para a integração dessas populações.
Rets – E quais são os riscos culturais dessa iniciativa?
Ricardo Verdum - Os riscos culturais são relacionados à perda dos valores e dos conhecimentos tradicionais. Essas grandes obras trazem um grande contigente de trabalhadores. A própria economia local começa a integrar novos valores, e alguns conhecimentos, como os relacionados à biodiversidade, podem ser deixados de lado em detrimento da valorização de outras coisas.
As comunidades ficam mais voltadas para o consumo e para os centros urbanos. São aspectos culturais que já poderiam até estar sofrendo mudanças, mas que podem ter esse processo acelerado com o contato com o mercado.
Rets – O senhor acredita que os objetivos serão alcançados com essas obras?
Ricardo Verdum - Não sei se todos os interesses serão alcançados, pois são muito diversos. Alguns são só na obra em si. Outros são benefícios que virão através de impostos e taxas de circulação de mercadorias.
Rets – Quais serão as conseqüências práticas para a população brasileira?
Ricardo Verdum - A população brasileira é uma coisa muito diversa e vai ser impactada diferentemente. Pode ser uma população local, que pode ser deslocada ou ter seu espaço de acesso a recursos limitado, como uma comunidade indígena ou de pescadores. Provavelmente o governo vai aparecer com um desses programas assistenciais compensatórios. Outra parte da população pode até ser beneficiada através do fornecimento de energia elétrica ou da possibilidade de se deslocar melhor com os novos acessos. Além dos produtores, que poderão escoar melhor a sua produção.
Rets – E qual é o papel da sociedade civil durante a implementação da IIRSA?
Ricardo Verdum - O principal papel da sociedade civil organizada, hoje, é pressionar o governo brasileiro e as organizações internacionais para uma maior transparência em relação à IIRSA. Queremos saber quem financia e quem participa desse processo. Temos de pressionar para que os impactos sócio-ambientais sejam analisados. Temos de pressionar porque, por parte dos governos, não vemos interesse em divulgar essas ações. Só vemos essas reuniões esporádicas, mas são só convidadas grandes organizações e entidades interessadas. Não há um trabalho realmente amplo de divulgação. O que há é o anuncio de uma obra aqui outra ali, como coisas independentes, e não parte de um projeto mais abrangente.
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