Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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A segunda rodada do Protocolo de Quioto será o principal assunto a ser tratado na Conferência. Num primeiro momento do acordo, apenas os países mais industrializados tiveram de fixar metas de redução de suas emissões de CO2, gás responsável pelo efeito estufa. Em Nairóbi, as discussões estarão focadas na discussão de possíveis compromissos a serem assumidos pelos países em desenvolvimento nesse processo. Dessa forma, a contribuição do Brasil e o seu grau de comprometimento são fundamentais para o sucesso da segunda rodada.
Como um dos países em desenvolvimento de maior liderança em nível internacional e possuidor da quase totalidade da maior floresta tropical do planeta, o Brasil terá a responsabilidade de tomar a dianteira nas discussões sobre a contribuição dos países emergentes. As expectativas não são poucas. Num workshop da Conferência realizado em setembro, na Itália, o governo apresentou o que seria o rascunho da proposta brasileira para a Conferência.
Países que conseguirem diminuir suas taxas de desmatamento (atividade responsável por boa parte das emissões de gases estufa nas nações em desenvolvimento) abaixo de um determinado limite seriam recompensados com recursos vindos de um fundo formado por contribuições voluntárias dos países desenvolvidos. Mas, a princípio, nenhuma meta nacional seria fixada. “É uma proposta bastante inovadora se consideramos o que foi a posição do Brasil até agora. Há anos, o país se nega a considerar o tema. E essa estratégia é o resultado de longos diálogos com a sociedade civil. Desde 1998, tentamos convencer o governo de que é interesse do Brasil assumir a liderança nessa negociação”, avalia o diretor da ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi.
Para Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a proposta também é satisfatória. Segundo ele, o Brasil mostra de forma concreta uma forma de diminuir as emissões por desmatamento. “Nós somos o país que mais emite e isso tem um peso muito grande. Sem o Brasil, as discussões não teriam muito sentido. Nós do Ipam ficamos animados com a proposta porque boa parte dela contém elementos de uma outra proposta apresentada por nós na COP-9, realizada em 2003, em Milão”, diz o pesquisador.
Ele explica que a proposta brasileira é robusta e simples. Países em desenvolvimento que reduzirem suas taxas nacionais de desmatamento receberiam recompensas financeiras e o dinheiro viria de um fundo mundial formado por países ricos. O ponto fraco, admite, seria o fato de o sucesso desse fundo depender da vontade dos países ricos de doar. Moutinho acredita que para ser sustentado a longo prazo, esse mecanismo teria de ter um fundo proveniente do mercado de créditos de carbono.
O coordenador do programa de mudanças climáticas para América Latina e Caribe da rede WWF, Giulio Volpi, também acredita na necessidade de se estruturar um mercado. “A proposta é interessante, mas o resultado pode ser tímido. O governo fala na responsabilidade moral dos países ricos em doar para o fundo que será acessado pelos países em desenvolvimento. Mas acredito que, apesar de ter começado com atraso, há muito interesse no mecanismo dos créditos de carbono, que pode trazer mais recursos”, avalia. E adianta: “O Brasil será alvo de muitas pressões internacionais”.
A falta de metas bem estabelecidas que demonstrem um compromisso efetivo do país é um dos pontos fracos da idéia do governo brasileiro. “Não estamos satisfeitos com a proposta ainda. Outros países e organizações brasileiras querem um avanço maior. Alguma meta firme ou mecanismo de crédito baseado em metas deve ser estabelecido. A proposta ainda é baseada numa posição sem compromisso”, critica Mark Lutes, do Vitae Civilis, ONG que há anos acompanha a estuda a questão das mudanças climáticas. Para ele, a hora de definir metas para os países em desenvolvimento chegou.
Paulo Moutinho, no entanto, acredita que o fato de não haver metas estabelecidas não desvaloriza a proposta. “Todos os países têm responsabilidade de fazer ações que diminuam os impactos das mudanças climáticas. Isso é importante porque colocamos na mesa a tentativa de criar algum tipo de compromisso. Isso é um grande passo para mais tarde falarmos em metas. E abre espaço para as próximas negociações”, defende o pesquisador do Ipam.
Roberto Smeraldi concorda que o Brasil ainda está um pouco tímido e, apesar de reconhecer o avanço da proposta, diz que a posição brasileira parece ser “só para constar”. Segundo ele, devido à gravidade do problema, é necessária uma ofensiva diplomática para colocar o tema na agenda e construir alianças com países do sul e do norte. “No passado o Brasil mostrou que quando quer, sabe fazer”, diz, referindo-se à proposta brasileira, apresentada na década de 90, de criação do Fundo de Desenvolvimento Limpo (FDL), que depois evoluiu para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), discutido e aprovado no âmbito do Protocolo de Quioto.
Dois terços das emissões de gases estufa do Brasil estão ligadas ao desmatamento. Em nível mundial, as queimadas já são responsáveis por cerca de 20% das emissões. Smeraldi questiona: se os esforços para reduzir o desmatamento são tão grandes como afirma o governo, por que não estabelecer metas o mais rápido possível para ter ganhos financeiros maiores? A resposta é simples: os esforços do governo não têm sido tão eficazes assim. “O Ministério do Meio Ambinete até tenta, mas o resto das políticas do governo, como para energia, transportes e agricultura, só promovem o desmatamento”, critica.
Além disso, o monitoramento das queimadas é outro problema que terá de ser discutido. Giulio Volpi lembra que é muito mais complicado monitorar as reduções do desmatamento do que da indústria porque existem as variáveis naturais. “Em ano de El Niño, por exempo, as emissões são maiores. Quem vai se responsabilizar por isso?”, questiona o representante da WWF. “De qualquer forma, a proposta já está na mesa e temos de ver o que o próximo governo brasileiro vai fazer em relação a isso. Já há em nível nacional um plano de redução do desmatamento, mas não há metas quantitativas”.
Smeraldi lembra que é preciso reunir todos os esforços diplomáticos possíveis, pois o atual cenário é desfavorável para grandes avanços no âmbito do Protocolo. Com a ausência dos Estados Unidos nas negociações e pela limitação do próprio Protocolo, é preciso que o Brasil se concentre em construir alianças com outros países. Para Mark Lutes, do Vitae Civlis, a ausência dos Estados Unidos pode ser usada como desculpa por qualquer país, mas o fato de terem decidido seguir adiante, mesmo sem a presença da maior potência mundial - e também maior poluidor -, já foi um grande avanço.
A incorporação da conservação das florestas na agenda do Protocolo, no ano passado, na reunião do Canadá, foi importantíssima. Mas Lutes lembra que a discussão não foi aberta pelo Brasil e faz uma forte crítica à forma com que o governo vem levando as negociações. “O Brasil usa vários argumentos para não assumir metas. Eles vêem a convenção sobre mudanças climáticas como um encontro sobre desenvolvimento e não como uma convenção ambiental. Eles evitam discutir o lado técnico, ambiental. Não podemos ver o problema só como questão de desenvolvimento e ignorar o lado catastrófico das mudanças climáticas”, diz.
Além da proposta brasileira e da entrada dos países em desenvolvimento no jogo de negociações de compromissos, Giulio Volpi acredita que a Conferência terá mais dois temas centrais: reduções mais acentuadas nas emissões dos países industrializados na segunda fase do Protocolo e discussão sobre os impactos das mudanças no clima. “A cada relatório divulgado os impactos são maiores e mais rápidos. É preciso começarmos a discutir formas de financiamento para ajudar a África, que sofrerá muito com as mudanças climáticas”, afirma.
A meta do Protocolo é reduzir entre 15% e 30% das emissões até 2020 para evitar que o aquecimento global ultrapasse a barreira dos 2º C. Até agora, a temperatura do planeta se elevou 0,7º desde o período pré-industrial - referência para as medições -, e a previsão é de que, até 2050, se mantidos os níveis atuais de emissões, a aumento total registrado desde que teve início a industrialização seja de 1,8º.
“A partir de agora não tem mais volta, temos de lançar mão de um mecanismo para que a questão do desmatamento seja tratada de forma mais adequada. É importante que a sociedade brasileira e a mídia se engajem nisso. Com a proposta brasileira, talvez tenhamos nas mãos o mecanismo mais eficiente até agora para conter o aquecimento global e o desmatamento”, diz Moutinho, do Ipam. Giulio Volpi conclui: “Em se tratando de meio ambiente, quanto mais rápido agir, melhor”.
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