Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
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Eliana Graça*
A proposta orçamentária para 2007 traz um requentado cardápio de priorização de gastos com a dívida e sobras para o social. Mais da metade dos recursos alocados (59,5%) no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) será destinada ao refinanciamento, à amortização e ao pagamento de juros da dívida pública. O superávit primário permanece estimado em 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). A meta de economia a ser realizada pelo governo federal é estimada em R$ 56,2 bilhões. Repete-se a prática de priorizar o ajuste fiscal, como se não houvesse alternativa à ditadura financeira que paira sobre nossas cabeças. A tese de que é necessário fazer crescer o bolo para então reparti-lo coloca a grande maioria da população brasileira em um permanente e insuportável compasso de espera.
A proposta de déficit nominal zero, encampada pelo governo federal, traz o risco de um aperto fiscal ainda maior. Alguns economistas alertam para a necessidade de uma redução de gastos mais significativa. A insistência nessa equação de arrecadar impostos do setor produtivo, incluindo os que vêm do mundo do trabalho e dos consumidores, e transferi-los para o setor financeiro é a mais perversa fórmula de multiplicar as desigualdades existentes no país. A grande questão que se coloca para o debate público é até quando iremos adiar o combate para tirar o país dessa situação trágica em que as desigualdades são reduzidas a passos de cágado, o crescimento é pífio, os juros são estratosféricos e a dívida pública cresce exponencialmente. Estamos fadados a perseguir um futuro inatingível? Com certeza, não. A questão é decidir quem paga a conta.
Discutir o déficit nominal zero é muito mais do que entender os mecanismos propostos para alcançá-lo ou os cálculos “econométricos” que lhe dão consistência. É debatê-lo politicamente, do ponto de vista da garantia e defesa de direitos e do combate às desigualdades. É questionar uma matriz que orienta várias medidas de políticas fiscal e monetária e que segue no sentido contrário ao desenvolvimento com igualdade e justiça social. Os apologistas do corte de gastos vêem o aprofundamento do ajuste fiscal como única alternativa que nos foi reservada.
A questão da taxa de juros, além de divisor de águas em relação ao corte nos gastos públicos, também divide opiniões e se constitui em um campo permanente de disputa. Em uma perspectiva, eles deveriam cair em decorrência do corte de gastos. Em outra, as mudanças deveriam ser iniciadas pela redução paulatina e permanente dos juros. Trata-se de decidir entre cortar recursos que abastecem políticas públicas de caráter social e universal ou cortar os rendimentos de um pequeno grupo de famílias e bancos que se beneficiam com os juros altos pagos no Brasil. Os rentistas têm demonstrado mais poder do que a maioria da sociedade brasileira
Passado o segundo turno, o Brasil volta à realidade com uma grande novidade. A Comissão Mista de Orçamento realiza, no início de novembro, audiências públicas regionais para ouvir a sociedade sobre as prioridades que deverão ser dadas aos parcos recursos públicos reservados a investimentos e execução de políticas e programas governamentais. As prioridades são muitas e a disputa será acirrada. Mas, mesmo reconhecendo que há uma delegação da sociedade para que seus representantes intervenham na lei orçamentária, esse processo deve respeitar regras de transparência e o estabelecimento de políticas prioritárias para atender às demandas sociais.
O aperfeiçoamento da democracia representativa inclui a participação e o controle social. A realização dessas audiências regionais é um primeiro passo na abertura da Comissão no processo de discussão do orçamento da União. Reconhecemos o esforço nesse sentido, mas o creditamos como conquista das organizações da sociedade, que há muito vêm trabalhando para que se abra um espaço para discussão. Resta regulamentar esses mecanismos de participação para que sejam incorporados à rotina da tramitação das leis orçamentárias no Congresso Nacional.
Ultrapassar as barreiras impostas à discussão, à participação e ao controle é fundamental para chegarmos a um orçamento que reflita os anseios da sociedade. Democratizar o processo orçamentário leva também a uma melhor distribuição dos recursos públicos, que reflita a intenção política do governo de perseguir o combate às desigualdades sociais e um melhor equacionamento da responsabilidade fiscal e social. É preciso democratizar o processo de decisão de quem paga a conta.
* Eliana Graça é assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em www.inesc.org.br.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.
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