Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Desempregada, grávida, mãe de três filhos pequenos, Norma Braga apanhava constantemente do marido. Ao sair em busca de emprego, chamava a atenção dos vizinhos por deixar os filhos sem nenhum responsável em casa, por isso acabou denunciada. Foi assim, no auge do desespero, encaminhada pelo Conselho Tutelar, que Norma chegou à ONG Maria Mulher. Desde então, sua vida se transformou: “Foi ali que consegui dar um basta, aprendi a dizer não e reuni forças para trabalhar e colocar a minha vida na frente”, conta. Norma foi uma das primeiras mulheres atendidas no projeto Construindo a Cidadania de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, que está entre os principais trabalhos desenvolvidos pela Maria Mulher.
Criada em 1987, em Porto Alegre (RS), a organização nasceu da iniciativa de um grupo de mulheres militantes do movimento negro que sentiram a necessidade de discutir as demandas específicas das mulheres negras. Segundo Maria Noelci Homero, coordenadora técnica da entidade, a intenção era fazer com que tanto o movimento negro quanto o feminista assumissem a discussão sobre a mulher negra, que sofria discriminação de gênero, classe e raça.
As integrantes formaram, então, um grupo de discussão e estabeleceram como missão defender os direitos das mulheres e lutar pela melhoria das condições de vida da população afro-descendente. Também determinaram como objetivos combater as discriminações sexistas, étnica/racial e social; propor políticas públicas que possibilitem promover a cidadania das mulheres, visando à igualdade e à eqüidade de direitos; e instrumentalizar as mulheres negras para que atuem efetivamente na sociedade como agentes de sua história. Para isso, desenvolveram cinco linhas de ação: com mulheres; com meninas e adolescentes; combate ao racismo; intervenção política; documentação, pesquisa e informação.
Combate e prevenção à violência doméstica
Os programas desenvolvidos com mulheres e adolescentes fazem parte da estratégia de atendimento a vítimas de violência doméstica, realizado desde 1998 na comunidade da Região Cruzeiro do Sul, área que apresenta os maiores índices de exclusão social e violência da capital gaúcha. A entidade estruturou na região um atendimento psicossocial, com psicólogas, assistentes sociais, enfermeiras, educadoras e nutricionista que atendem a comunidade semanalmente. A ONG atende, atualmente, 20 adolescentes e cerca de 300 mulheres.
As mulheres recebem semanalmente atendimento psicossocial, orientação e encaminhamento a serviços médicos, hospitalares e jurídicos, além informações sobre saúde, DST/HIV/aids e direitos sexuais e reprodutivos, por meio de vídeos, conversas, palestras, debates e oficinas de apoio. Assim o projeto tenta mostrar às mulheres que as situações de violência que vivem não podem ser tratadas como normais.
Dados levantados pela organização mostraram que a maioria das mulheres atendidas, quando criança ou adolescente, passou por violência física, sexual e psicológica. “Essas mulheres geralmente trazem um histórico de agressão dentro da família. Concluímos que a prevenção deveria ser feita desde o início”, conta Maria Homero.
Por esse motivo, a partir de 1999, a entidade passou a desenvolver o programa “Reciclando a cidadania de meninas/adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social”. A iniciativa oferece um atendimento que visa prevenir o abuso sexual e garantir auxílio aos pais e responsáveis sobre os procedimentos jurídicos para amparo às vítimas de abuso sexual e para a criminalização de agressores. A conscientização das famílias e da sociedade sobre o efeito da violência sexual e o amparo psicoterapêutico às vítimas são as formas utilizadas para romper o círculo vicioso e a banalização da violência.
Desafios
Entre os maiores desafios para a Maria Mulher, segundo a coordenadora, está a conscientização da sociedade para o combate à perpetuação da violência. Ela conta que até hoje encontra dificuldades no trabalho com os profissionais de saúde. "Numa capacitação sobre violência doméstica que fizemos este ano, ouvimos dos profissionais que o trabalho de prevenção não adiantava, pois as mulheres também batiam nas crianças. E é verdade. Elas transferem para as crianças a violência que sofreram dos pais e continuam sofrendo dos maridos. As crianças também acabam batendo nos seus cachorros e gatos. Mas é preciso acabar com esse ciclo de violência", diz.
Hoje com 29 anos, Norma Braga garante ter conseguido romper com o ciclo de violência que viveu desde a infância. “Minha mãe e meu irmão mais velho me batiam. Mais tarde tive três companheiros violentos que também me maltratavam e me agrediam. O grupo me fez enxergar esse ciclo e as escolhas erradas que eu fazia. Agora sei que a minha vida pode ser decente, honesta e sem agressões”, relata Braga, que hoje é cabeleireira e procura passar para os quatro filhos o que aprendeu no grupo: “Não quero que meus filhos tenham a vida que eu tive”.
Braga diz que até hoje freqüenta as palestras e reuniões promovidas pela ONG e, sempre que tem oportunidade, procura dividir a sua experiência com o grupo. “Nada melhor do que escutar alguém que já passou pelo mesmo sofrimento que a gente”, afirma.
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