Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
A reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva traz dois grandes desafios para o próximo mandato. De acordo com organizações da sociedade civil, um deles será o combate à corrupção. Não há consenso, no entanto, em relação à eficácia da aclamada Reforma Política para isso. O outro desafio será modificar a política econômica para fortalecer os resultados dos programas sociais, que ajudaram o PT a permanecer mais quatro anos no Palácio do Planalto.
Passado o segundo turno, diversos analistas políticos afirmaram que uma das razões da reeleição de Lula com grande vantagem sobre Alckmin foram as políticas sociais, em especial o Bolsa Família. A tese é confirmada pelo mapa de votos, no qual se percebe que quanto mais pobre o estado, mais votos pela continuidade da gestão. O Bolsa Família chegou a mais de cinco mil municípios e beneficiou cerca de 11 milhões de pessoas, principalmente nas regiões norte e nordeste, com aportes mensais de até R$ 95 para famílias que se encontram em situação de extrema pobreza.
Uma questão que se coloca agora é como melhorar as políticas sociais, não só em relação ao número de beneficiários, mas também à sua eficácia. A resposta de representantes da sociedade civil ouvidos pela Rets foi uma só: de nada adianta ampliar programas se a economia não crescer mais e distribuindo renda. “O Bolsa Família é um bom programa e ninguém é contra sua expansão, mas ele esbarra no ambiente econômico”, diz Átila Roque, membro do colegiado de gestão do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “É preciso criar empregos para as crianças e adolescentes cujas famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família e que daqui a pouco sairão da escola em busca de trabalho”, exemplifica.
Guacira Oliveira, diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFMEA), diz estar preocupada com a possibilidade de o governo manter sua visão de políticas sociais apenas em iniciativas emergenciais. “Talvez não haja fôlego para outras medidas”, lamenta. “A execução de políticas públicas está diretamente ligada ao projeto econômico adotado, daí minha dúvida em relação ao futuro”.
Já a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que ocupa uma das vagas de direção do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), pede a revisão do modelo econômico em carta ao candidato reeleito. “Para tanto, Senhor Presidente, consideramos da máxima importância os critérios da escolha dos Ministros. [Que] Não sejam apenas fruto de interesses partidários, mas realmente, referenciais para a aplicação de um projeto de nação, oferecendo a possibilidade de construção de uma nação a serviço da maioria da população”, afirma o documento.
A discussão sobre os rumos da economia tem dominado o noticiário nas duas últimas semanas e provavelmente continuará a fazê-lo até Lula anunciar sua nova equipe. Os nomes escolhidos mostrarão o caminho a ser tomado nos próximos quatro anos. No dia seguinte à divulgação dos resultados, o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, anunciou o “fim da era Palocci”, em referência ao ex-ministro da Fazenda. A declaração sinalizava a intenção de boa parte do governo em acelerar o crescimento da economia mesmo que isso signifique mais inflação e menor ajuste fiscal. Rapidamente, Lula desmentiu o subordinado ao afirmar que a política econômica era do governo e não de Palocci. Mesmo assim, a indefinição permanece.
As ONGs, por sua vez, torcem por mais investimentos que possibilitem acréscimos na taxa de crescimento, hoje em torno de 3% ao ano. As organizações descartam mudanças bruscas, pois acreditam que isso pode ser ainda pior para o país, mas reafirmam a necessidade de mais crescimento e menos contenção orçamentária. “Precisamos incorporar diretrizes de combate à desigualdade à política econômica. É bom que existam programas sociais, mas eles são emergenciais. É necessário ter uma visão emancipatória, olhando os elementos da desigualdade e os atacando”, diz Guacira. Levantamento do CFMEA mostra que de 40 programas sociais do governo, apenas três prevêem aumento orçamentário para 2007. Os demais foram mantidos ou mesmo sofreram redução.
A proposta de execução orçamentária do governo prevê diminuição de 0,1 ponto percentual nas despesas. “O percentual de redução de 0,1%, que em 2007 significará uma redução de cerca de R$ 2,3 bilhões, deverá impactar fortemente as despesas relativas aos programas citados, grande parte vinculada ao resgate da imensa dívida social e ao combate as desigualdades de gênero e raça”, diz o estudo, chamado “Orçamento Mulher 2007”.
O programa de governo do PT para o próximo mandato prevê “dialogar com a política econômica, a partir da perspectiva de alcance do crescimento econômico com desenvolvimento social, refletida na lógica interna dos programas sociais”.Além disso, a proposta diz ser necessário aumentar a articulação entre os diferentes programas sociais, assim como manter o patamar e o desempenho do Bolsa Família.
O Inesc também tem estudado a Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias. A organização já realizou seminários para discutir as sugestões e fazer contribuições. Uma das principais críticas está disponível na nota técnica 13, editada pelo instituto e que trata da Lei de Diretrizes Orçamentária de 2007. De acordo com o estudo, 59,5% dos recursos disponíveis em 2007 irão para o refinanciamento, a amortização ou o pagamento de juros da dívida pública. A meta do governo federal é economizar R$ 56,2 bilhões (2,15% do PIB) para o pagamento dos juros da dívida.
“A insistência nessa equação de arrecadar impostos do setor produtivo, incluindo os que vêm do mundo do trabalho e dos indivíduos enquanto consumidores, e transferí-los para o setor financeiro, por meio do pagamento da dívida pública, é a mais perversa forma de multiplicar as desigualdades existentes hoje no país”, diz a nota.
Roque não defende a suspensão do pagamento da dívida pública, mas diz ser preciso estabelecer novas prioridades. “Não acho que o calote seja solução, mas é preciso liberar recursos para investimentos de médio e longo prazo, que criem condições para o crescimento. O problema é que alguém vai ter de ganhar menos com isso”, ironiza.
O momento para mudanças, dizem, é agora, aproveitando a popularidade do governo. “O governo Lula tem uma legitimidade que nenhum outro governo teve nas últimas décadas. É preciso aproveitar”, diz o assessor do Inesc, que, assim como Guacira, prevê um aumento na pressão feita pela sociedade por mudanças. “As mobilizações podem fazer as decisões do governo tenderem para qualquer lado. Acredito que os movimentos sociais façam manifestações e pressionem o governo por mais crescimento”, diz a diretora do CFMEA.
Reforma política e corrupção
Para muitas organizações a concretização da reforma política será o grande desafio do governo Lula nesse segundo mandato. Depois dos escândalos políticos que assolaram o Planalto no ano passado, o tema do combate à corrupção veio à tona e ajudou a dar mais visibilidade à questão da reforma política. Para a maioria da sociedade e da imprensa, a reforma limita-se a uma revisão das leis eleitorais. Financiamento de campanha, pesquisas eleitorais, propaganda partidária. Esses são alguns dos assuntos que ganharam destaque dentro da reforma.
Para a Abong, no entanto, a questão é bem mais ampla. “Entendemos como reforma política a reforma do próprio processo de decisão, portanto, a reforma do poder e da forma de exercê-lo”, afirma o documento “Construindo a plataforma dos movimentos sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil”, produzido pelo Inesc, Abong e várias entidades da sociedade civil.
O tratamento que estas entidades desejam que seja dispensado ao tema da reforma está sensivelmente ligado a um processo de radicalização da democracia. “Queremos mudar esta ordem. Por isto, pensamos o debate sobre a Reforma do Sistema Político como um elemento-chave na crítica às relações que estruturam este mesmo sistema”, diz o documento. E a partir disso, segundo a plataforma, banir problemas enraizados na política brasileira, como o patrimonialismo e o clientelismo.
Um dos pilares da proposta elaborada por essas entidades é a ampliação da participação popular e do controle social. Do processo legislativo municipal aos acordos bilaterais com organismos internacionais, tudo deveria passar pelo crivo popular. A democracia representativa ganharia ares cada vez mais de democracia participativa e direta.
A abrangência da plataforma elaborada para nortear as discussões da sociedade civil organizada sobre a reforma mostra que aquele caráter limitadamente eleitoral que vem sendo difundido por políticos e pela imprensa em geral precisa ser substituído por um debate mais amplo e profundo. Outra maneira de enfraquecer a reforma é conferindo super-poderes. Terá mesmo a reforma política o poder de acabar com a corrupção como vêm sendo difundido pela mídia?
Para Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, a resposta é não. Acabar com a corrupção certamente é um desafio. “Não é que seja necessária, mas ela só se combate com prevenção. Acontece por causa da vulnerabilidade administrativa. É preciso identificar isso e trabalhar para mudar as leis”, afirma. Ele está cético em relação à aprovação nos próximos quatro anos. “Depende da disposição do presidente em incomodar seus aliados”, ironiza.
Ele explica que o governo terá de fazer, como sempre, alianças com vários políticos eleitos, inclusive do chamado baixo clero. E isso é um processo gerador de corrupção. “A história é mais ou menos assim: vote comigo que lhe dou tais cargos. Mas o que exatamente esses partidos querem com cargos? Não é difícil imaginar. Querem porque, através disso, fazem negócios”, critica.
Um dos problemas a serem enfrentados será as alianças com o PMDB. “Esse partido é uma espécie de peronismo sem Perón. Ali cabe tudo. Desde oligarquias regionais até políticos que tem algum história”, diz. Segundo ele, o presidente tem de distribuir cerca de 23 mil cargos. E precisa encontrar uma maneira de administrar toda essa gente.
“É preciso estabelecer mecanismos de vigilância, principalmente nas áreas mais vulneráveis, como o Ministério dos Transportes, as agências reguladoras e os escritórios regionais do INSS”, afirma Abramo. Para ele, é fundamental atribuir uma importância estratégica a esse problema.
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