Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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O caso da tentativa de instrumentalização da Radiobrás a favor do governo é um exemplo típico da falta de parâmetros e de marcos do setor. Para o cientista político Venício A. de Lima, que tem longa produção bibliográfica sobre comunicação no Brasil e colaborou para o programa de governo do presidente Lula para o segundo mandato, a falta de um marco regulatório eficiente é o que deve ser prioridade. "Do ponto de vista da democratização da comunicação, em relação à mídia impressa, a possibilidade de ação é muito limitada. É a área em que a iniciativa privada tem toda a liberdade de fazer o que quiser. Na radiodifusão aberta é diferente. É um serviço público que é exercido pela iniciativa privada, por uma opção histórica feita na da década de 1930", diz.
Segundo ele, a necessidade de complementariedade dos sistemas público, privado e estatal está incorporada no programa para o segundo governo e já está na Constituição. "Entretanto há uma predominância total do sistema privado. E não é só isso. Há a prevalência de grupos privados multimídia. Em todos os países, há restrições à propriedade cruzada. No Brasil, não tem", diz, referindo-se aos grandes oligopólios de comunicação e aos grupos que detêm ao mesmo tempo o controle de emissoras de rádio, TV e jornais.
A prioridade é clara, de acordo com o cientista político: "Uma proposta que o Executivo deveria encaminhar ao Congresso é de regular o setor. Hoje, é uma área praticamente desregulada. É uma promessa já de vários governos. Precisamos de uma lei geral de comunicação eletrônica de massa que integre as várias regras. Há um caos total na área", avalia. Segundo ele, é preciso estabelecer diretrizes que ofereçam um marco regulatório para a área, e que seja elaborada com ampla participação da sociedade.
Lima admite que a briga com fortes interesses comerciais dos grupos que detêm o controle dos meios de comunicação não vai ser fácil, mas "não é possível que o governo não tente fazer". E acrescenta: "Formas de controle democrático da mídia teriam de ser previstas. A discussão chegou a tal ponto de polarização que até quando se fala em democratização da informação a grande mídia vê como ameaça de autoritarismo", critica.
Para Celso Schröder, coordenador geral do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC), pela primeira vez foi construído um programa de comunicação que atenda boa parte das reivindicações da sociedade civil e de outras organizações que lutam pela democratização da mídia no Brasil. "O programa de governo para o próximo mandato delineia vários pontos importantes em direção à democratização da comunicação e esperamos que ele seja, de fato, implementado, apesar de forças políticas e econômicas contrárias", afirma.
Em relação à reação contrária às mudanças, que provavelmente virá da grande mídia, ele aponta duas direções: o silêncio ou a histeria. "Pela primeira vez, um programa caminha em outra direção, e isso contradiz os interesses das empresas de comunicação, que já estão reagindo à proposta como uma tentativa de censura", critica.
Segundo ele, um dos principais pontos do programa refere-se à modernização da legislação do setor, atentando para a necessidade de um processo de convergência tecnológica. Para Schröder, no entanto, o modelo japonês de radiodifusão digital adotado pelo governo Lula no primeiro mandato não realiza a convergência democrática defendida no programa. "A opção pelo modelo japonês, um modelo de negócios fechado, foi um erro do governo e não permitirá a expressão da diversidade e da interatividade que uma digitalização em outros moldes proporcionaria", analisa o coordenador do FNDC, que também acredita que o governo fez pouco em relação à inclusão digital no país.
O ponto em que Celso Schröder e Venício A. de Lima mais concordam é que o caráter público das concessões de rádio e TV deve ser considerado. E já está mais do que na hora de colocar a questão em pauta. Para Paulo Lima, diretor executivo da Rits – uma das integrantes da Campanha Cris, que luta pelo direito à comunicação –, o processo é longo e necessário. "O Brasil tem um marco regulatório para o setor que estimula a concentração dos meios de comunicação de massa sob o controle de poucos grupos empresariais. Criar um amplo debate e iniciar um processo de democratização, sem romper contratos, é um trabalho para vários anos. Parece-me uma visão limitada das corporações de mídia resistir à revisão de nosso modelo ultrapassado", acredita.
O programa de governo prevê um objetivo claro a ser perseguido: a democratização da comunicação. Apesar da falta de indicação no programa sobre quais caminhos devem ser tomados, o diretor da Rits lembra que alguns pontos não podem ser deixados de lado. "Para ampliar o acesso aos meios de comunicação, é preciso estimular a produção de conteúdo local e, dessa forma, estimular o território e a cultura. Isso significa também desmontar o modelo de negócio vigente. O caso das rádios comunitárias me parece o mais emblemático dessa tensão e deve ser revisto", afirma. Para ele, a legislação sobre as TVs comunitárias também precisa ser revista com urgência.
A idéia, segundo Paulo Lima, é que o Ministério das Comunicações seja um condutor de um sistema de comunicações democrático, participativo e com oportunidades econômicas que não sejam excludentes para as associações, ONGs e comunidades organizadas. "O desafio é conseguir convencer os donos da mídia de que o modelo de negócios de hoje está superado. E que a concentração é prejudicial à abertura de mercados regionais. Por outro lado, é preciso que se construa uma proposta de Sistema Público de Comunicações que seja movida pela idéia de acesso ampliado aos meios. Para isso, é indispensável reabrir o debate sobre a implementação de TV e rádio digitais no Brasil", defende.
James Görgen, coordenador de projetos do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), concorda que o plano de governo é bom e que contempla muitas das reivindicações do FNDC, mas acredita que se o governo Lula tivesse se esforçado mais nesse primeiro mandato não haveria tanto por fazer no campo das comunicações. "Para que o programa saia do papel já ficou evidente que precisamos trocar o ministro Hélio Costa, empresário do setor de comunicação. Tanto ele quanto a possível indicação de Roseana Sarney [especulação que vem sendo feita pela imprensa] não vão garantir que aquele programa seja cumprido. Não queremos um amigo nosso na pasta, mas alguém com perfil democrático, que não favoreça apenas um segmento da comunicação", critica Görgen.
Ele concorda que é preciso rever o modelo de comunicação brasileiro, que estaria falido. "É preciso atualizar o marco regulatório e preservar o conceito de comunicação social. Precisamos de uma regulamentação que não se defase com cada nova mídia", acredita. Para isso, um ponto que acredita ser importante é que se chegue a um acordo com a sociedade em relação à questão das liberdades de imprensa e expressão. "É um mito criado por ambos os lados para se valer de uma disputa política. A liberdade de expressão é um pilar democrático, mas não é o único e não pode vir antes dos outros direitos", sentencia.
Segundo ele, se esse debate não for levado adiante, não será possível avançar em nenhum outro ponto da comunicação. A questão do controle público da mídia também é defendida pelo representante da Epcom. "É preciso diferenciar o controle público do social. O controle social é o exercido pela sociedade sobre os meios, e o público é quando mecanismos são criados para dar margem à produção de consenso, tais como debates no Congresso e espaços para discussão com a sociedade", diz. Segundo ele, como em relação à radiodifusão o Estado não é o operador do serviço, esse controle público se mostra essencial.
A necessidade de rever as concessões parece ser unanimidade entre os especialistas. "Há um vício na forma de tratar as concessões. Para isso, foi criada a bancada da mídia no Congresso, para analisar os pedidos. Geralmente são nomeados deputados do próprio estado para analisar o processo. Se for amigo, libera. Isso deveria ser baseado exclusivamente em critérios técnicos”, acredita James Görgen.
Luísa Gockel. Colaboraram Joana Moscatelli e Fausto Rêgo.
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