Você está aqui

R$ 3 bilhões por ano

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original:






Plataforma Nacional de Prevenção a Despejos
De acordo com Regina Ferreira, diretora executiva do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), para resolver o déficit habitacional brasileiro seria necessário investimento de cerca de R$ 3 bilhões por ano. Este montante seria suficiente para resolver conflitos urbanos resultantes de ordens de despejo de pessoas que ocupam imóveis vazios.

A reivindicação de investimentos faz parte da Plataforma Nacional de Prevenção a Despejos, lançada pelo FNRU no dia 2 de outubro, em comemoração ao Dia Mundial do Habitat. O documento é resultado de discussões do Fórum com governantes, parlamentares e juristas e reflete o olhar da sociedade civil sobre o problema. A plataforma lembra que o direito à moradia é universal, previsto na Declaração dos Direitos Humanos e na Constituição brasileira, e, portanto, deve ser atendido o mais rápido possível. No Brasil, de acordo com o IBGE, faltam 7 milhões de moradias, ao mesmo tempo em que há 5 milhões de domicílios vazios.

Nesta entrevista, Ferreira comenta um pouco as questões que cercam a plataforma e sugere algumas soluções. Para ela, é preciso não só políticas públicas como também mudanças na legislação para descriminalizar os movimentos sociais que lutam por moradia.

Rets - Como surgiu a idéia de construir uma Plataforma Nacional de Prevenção a Despejos?

Regina Ferreira - Há muito tempo nós vemos o aumento no número de conflitos fundiários, no campo e na cidade, inclusive com atos de violência em ações de reintegração de posse. Na terra e na cidade, há muitos imóveis desocupados e as pessoas têm direito à moradia, que é um Direito Humano Universal. Assim, o crescimento da quantidade de conflitos levou a mais debates entre organizações da sociedade civil e governos – ao menos os mais progressistas. O debate era feito também com a participação do Poder Judiciário. Numa oficina do Fórum Nacional de Reforma Urbana, surgiu a idéia de organizar um seminário em Recife, em meados de julho, que reunisse representantes de diversas áreas para pensar em uma forma de evitar o conflito. A plataforma foi então lançada em 2 de outubro, Dia Mundial do Habitat.

Rets - Quais são as principais reivindicações da plataforma?

Regina Ferreira - Queremos medidas para evitar conflitos tanto no campo legislativo quanto no Judiciário, além, é claro do político. O primeiro ponto do documento é conceitual, retoma a idéia da moradia como direito universal reconhecido pelo Estado brasileiro. O Estado tem responsabilidade em relação a isso, logo deve garantir o acesso à moradia.

Pedimos também a descriminalização dos movimentos sociais que lutam por moradia, uma vez que eles lutam por uma necessidade prevista na Constituição. Um imóvel abandonado não cumpre sua função social. Portanto, quando as pessoas o ocupam, não estão fora da lei.

Também gostaríamos que fosse fundada uma comissão permanente de prevenção a despejos, algo como a Ouvidoria Agrária, porém de ação mais ampla.

Resumindo, queremos renovar a legislação de modo que a Constituição possa ser cumprida, de que haja promoção de políticas públicas de moradia e a garantia de que as comunidades sejam ouvidas em qualquer processo de despejo. Além disso, queremos a segurança de que a Defensoria Pública possa defender quem esteja ameaçado de expulsão.

Rets - Atualmente, como se dão os despejos nas principais metrópoles brasileiras?

Regina Ferreira - Os despejos acontecem em um momento de conflito pela posse do imóvel. Em alguns casos, há confrontos com a polícia e até mesmo mortes. Há situações em que é possível negociar, mas, em boa parte dos casos, há mesmo conflitos seguidos por despejos.

Rets - As ordens de despejo, em geral, são motivadas pelo quê?

Regina Ferreira - A principal razão é a predominância do direito à propriedade perante as famílias e sua necessidade de moradia. Há diversos casos de imóveis desocupados há 30 anos que, assim que são ocupados, vêem surgir donos. E algumas vezes o dono é o próprio Estado, que acaba negando o direito das pessoas. Em alguns casos, o processo de despejo é lento, então é possível aos moradores se organizarem e negociarem.

Em outras situações, o problema é a especulação imobiliária. O Rio de Janeiro está vivendo isso muito intensamente nos últimos anos. Um exemplo é a Vila do Pan [prédios que servirão como alojamento para os atletas dos Jogos Pan-americanos no ano que vem e que já foram vendidos para servirem como moradia após o evento], que valorizou muito a área em que foi construída. Agora há comunidades ameaçadas de expulsão mesmo morando ali muito antes de qualquer idéia de Pan. O terreno se valoriza e a presença de comunidades tira parte do preço do imóvel. Então tanto construtoras quanto o poder público querem tirá-las dali. Até agora duas já foram expulsas.

Rets - O que fazer, por exemplo, quando famílias ocupam áreas de preservação ambiental? Deve-se removê-las ou mantê-las em uma área que deveria ser preservada?

Regina Ferreira - O discurso de preservação ambiental só vale para comunidades pobres. Em muitas áreas de preservação há prédios de classe média e alta além de casas de baixa renda, e só estas últimas são retiradas.

Em muitas áreas de preservação aconteceu primeiro a ocupação do terreno para depois ele se tornar uma área de proteção. Não adianta legislar sem enxergar isso. Queremos o reconhecimento de áreas já consolidadas, o que não significa que se devam esquecer as áreas de preservação ambiental, fundamentais para uma cidade sustentável.

O FNRU entende que há comunidades sólidas, que já descaraterizaram as áreas de preservação. É preciso sim uma política para evitar futuras ocupações, dando opções de moradia às pessoas.

Rets - Há locais onde já há moradias construídas há décadas, mas como evitar que elas cresçam ainda mais, sobretudo quando estão em áreas de proteção?

Regina Ferreira - É preciso uma política habitacional que gere opções. Quando houver programas sociais de habitação, será possível controlar esse crescimento. A educação ambiental nessas comunidades também é importante.

Rets - Como seria, então, uma política habitacional eficiente?

Regina Ferreira - Precisamos de programas habitacionais de subsídio, algo inexistente há muito tempo, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação), que encerrou suas atividades nos anos 80. Famílias que ganham até cinco salários mínimos não conseguem comprar uma casa e, além disso, 60% das moradias são informais, sem registro.

O governo aprovou em 2005 a lei que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social [lei 11.124/2005], uma boa iniciativa. Para 2006, o valor anunciado para o Sistema era de R$ 1 bilhão, a ser repassado a estados e municípios. No entanto, para 2007, o valor previsto é de R$ 450 milhões. Como já no segundo ano há um corte tão grande?

Rets - Qual seria o valor ideal para dar conta do problema do déficit habitacional?

Regina Ferreira - O FNRU acredita que cerca de R$ 3 bilhões por ano. Estamos muito decepcionados com essa diminuição orçamentária.

Rets - Como se dá o diálogo com o governo federal?

Regina Ferreira - Temos um ótimo diálogo. A criação do Ministério das Cidades, por exemplo, foi resultado de reivindicações de várias entidades. Precisávamos de uma pasta que aglutinasse diferentes temas, como habitação e saneamento. O resultado desse diálogo são as Conferências da Cidade e a criação do Conselho das Cidades, em 2004.

Em relação a estados e municípios, o desafio é a implementação do Sistema Nacional de Cidades [algo como um SUS da habitação].

Rets - Qual seria o melhor modelo de habitação? A manutenção de grandes projetos de construção de conjuntos habitacionais é válida?

Regina Ferreira - Não há apenas um modelo que deva ser aplicado a todo o país. Porém, acreditamos na eficiência de soluções próprias de cada comunidade, com a organização dos moradores em cooperativas auto-gestionadas para a construção de casas com baixo custo e qualidade. Esse modelo, além de ser barato, fomenta a organização social. Porém, é necessário financiamento para que vá adiante. O Uruguai possui uma experiência muito interessante nesse sentido.

O que importa, na verdade, é que os programas sejam direcionados para a baixa renda e que haja recursos e políticas habitacionais. Isso pode ser feito por meio de financiamento de material de construção ou mesmo de subsídio à compra de casas já prontas.

Rets - De acordo com o FNRU, qual é o tamanho do déficit habitacional brasileiro?

Regina Ferreira - Vou citar dados do IBGE. Segundo ele, o país precisa de 7 milhões de novas moradias, sendo que 90% delas, para famílias que ganham até três salários mínimos. O que espanta é saber da existência de 5 milhões de moradias vazias, ainda de acordo com o IBGE. Ou seja, boa parte do problema poderia ser resolvida facilmente. Além disso, é preciso atentar para o fato de mais de um terço dos domicílios brasileiros serem inadequados na medida em que falta ao menos um serviço básico, como saneamento, abastecimento de água ou coleta de lixo.

O problema é muito grande.

Marcelo Medeiros

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer