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"Orgulho indígena" e número de etnias crescem; saúde indígena definha

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






Orgulho Indígena

Um panorama sobre os povos indígenas no Brasil. É isto que oferece a publicação "Povos Indígenas no Brasil 2001/2005", lançada pelo Instituto Sociambiental (ISA) neste mês. Em análise, questões como conflitos de terras, preservação da biodiversidade nas terras indígenas e a ameaça do agronegócio a esses povos. Outros temas de destaque são relativos a demografia, línguas e saúde.

Essa é a décima edição da publicação, que anteriormente era produzida pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi). Além de 178 artigos assinados, traz 200 imagens fotográficas, 36 mapas, além de depoimentos indígenas. De acordo com o antropólogo e um dos editores do livro, Beto Ricardo, no atual volume foi acrescentada uma seção intitulada “Do outro lado da Fronteira”, que aborda a questão dos mais de 30 povos indígenas no Brasil que vivem em áreas de fronteira com outros países.

Ao longo dos últimos anos e desde a primeira edição da publicação, em 1980, muito tem mudado no que se refere às condições de vida dos indígenas no Brasil. É o que defende Ricardo, ao comentar que, no passado, as questões indígenas não tinham visibilidade. “Quando nós começamos, há cerca de 30 anos, os índios eram uma categoria genérica e quase invisível, submersos na retórica desenvolvimentista da ditadura militar que pregava a integração da Amazônia”, critica. E completa: “Os índios se aliaram às forças democráticas, emergiram na cena pública, inscreveram seus direitos coletivos na constituição, tiveram suas terras em grande parte reconhecidas e demarcadas, de tal sorte que hoje as Terras Indígenas (TIs) somam 12,7% do território nacional e 22% da Amazônia Brasileira”, comemora.

Mesmo reconhecendo alguns avanços, Ricardo ressalta que essa melhora não contemplou igualmente a todos os povos indígenas. Segundo ele, povos de áreas de colonização mais antigas do país permanecem “confinados” em pequenas terras.

Aumento - ou revitalização - no número de etnias

Contrariando previsões feitas nos anos 1950, a população indígena está crescendo, e com identidades específicas. Um dos destaques da nova publicação aponta para o aumento do número de etnias, que passou de 216 para 225. No entanto, de acordo com dados do próprio ISA, cerca da metade dessas etnias contam com populações de até 500 indivíduos e apenas quatro grupos têm mais de 20 mil pessoas.

Para Ricardo, o Brasil vive um “boom do orgulho indígena”, embora ainda persistam muitos problemas: “Há povos em extinção, o atendimento à saúde indígena piorou nos últimos anos e a maior parte das terras indígenas está bastante pressionada pelas frentes econômicas predatórias que estão detonando os recursos naturais para que o Brasil continue o enredo cíclico de um grande exportador de commodities”.

De acordo com o livro, nos últimos anos os indicadores de saúde despencaram, mesmo depois de uma melhora com a implantação, por parte do governo federal, dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), em 1999. O motivo seria a “excessiva burocratização e influência política ao qual o sistema foi exposto”, segundo a publicação.

De 2001 a 2005, período abordado nesta edição, as matas da região das nascentes do Rio Xingu, que fica em zona de transição do Cerrado para a Amazônia, praticamente desapareceram, o que motivou a Campanha Y Ikatu Xingu. Em bom português, "Salve a água boa do Xingu". Juntamente com índios, fazendeiros e outros segmentos, o ISA vem se empenhando na campanha, que pretende minimizar os efeitos do crescimento da pecuária e da lavoura de soja para exportação.

De acordo com um dos artigos presentes no livro, é inquestionável o valor das terras indígenas para a conservação da biodiversidade. O índice de desmatamento nessas terras é de 1,14%, inferior aos praticados nas Unidades de Conservação federais (1,47%) e estaduais (7,01%) da Amazônia. Os dados são da própria publicação.

Outra constatação é de que, além da piora na situação da saúde indígena e da preservação da biodiversidade, o Congresso Nacional estaria sendo palco de posições cada vez mais contrárias aos direitos indígenas. Para Ricardo, o Legislativo está muito aquém da posição da sociedade brasileira no que se refere aos indígenas, pois questões como a demarcação de terras, por exemplo, envolvem muitos interesses regionais. “Há vários projetos de lei e de emenda constitucional para restringir direitos territoriais, mas que não prosperaram muito. Vários processos de demarcação de terras estão parados no Ministério da Justiça, muitos no Mato Grosso, por exemplo. O presidente Lula demarcou a TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, uma pendência emblemática, mas o processo de desintegração está longe de terminar”, afirma.

Segundo Ricardo, as principais Terras Indígenas, em extensão, já foram reconhecidas. A última grande terra, que está para ser homologada ainda neste ano, é a Trombetas Mapuera – que se espalha pelos estados de Roraima, Amazonas e Pará e tem quase 4 milhões de hectares. Para Ricardo, os problemas estão nas áreas densamente povoadas e em lugares de expansão de fronteiras agrícolas. É nestes espaços onde o tão alardeado crescimento econômico do país - especialmente o do agronegócio - pode comprometer os direitos indígenas. “Nesse sentido, temos muita preocupação com o que vai ocorrer no próximo governo Lula. O presidente tem dito que está empenhado em destravar o país para o crescimento. Esperamos que essa agenda não comprometa ou faça dos direitos indígenas moeda de troca”, alerta.

Joana Moscatelli

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