Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Por vezes, governos retêm o dinheiro que deveria ser destinado a programas de saúde para conter seus gastos e gerar superávit. Dados mostram que apenas metade das doações internacionais para combate à aids são efetivamente gastas com esse objetivo. Em outras ocasiões, são economistas que reclamam do impacto dos recursos nas economias locais. O aporte extra poderia gerar inflação e outras conseqüências, criticam. Daí, o dinheiro para o combate à epidemia de aids, cuja quantidade tem aumentado nos últimos anos, novamente, não chega a quem devia - as pessoas que vivem com HIV.
Possíveis soluções para esses impasses foram discutidas na conferência “Articulando as Políticas Macroeconômicas para Reverter a Epidemia de HIV/AIDS”, realizada de 20 a 22 de novembro em Brasília pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Para a maioria dos participantes, não há, na verdade, nenhum impasse - a vida precisa sempre prevalecer em relação à economia. “O objetivo prioritário deve ser reduzir rapidamente a miséria humana. O debate sobre chances e formas de crescimento é de importância secundária”, escrevem Terry McKinley e Degol Hailu, respectivamente diretor do Centro de Pobreza Internacional do Pnud e consultor de políticas do Pnud em Trinidad e Tobago. Ambos estiveram na capital federal na última semana para participar do evento.
No artigo “O debate macroeconômico no aumento do financiamento de HIV/Aids”, feito como preparação para a conferência, eles mostram que, apesar do crescimento da ajuda internacional oferecida por países ricos a outros mais pobres, o impacto dos dólares injetados não é suficiente para alterar economias locais. De acordo com a dupla, a contribuição internacional para o combate à aids tem crescido bastante nos últimos anos. De 2002 a 2004, por exemplo, o Zâmbia recebeu 698% a mais de ajuda; a Tanzânia, 394%; e Moçambique, 321%. Em alguns países, a ajuda internacional para o combate à aids chega a ser maior do que todo o orçamento da área de saúde.
![]() | ![]() Valores em bilhões de dólares. Fonte Unaids |
Entre 1996 e 2005, foram gastos, em média, US$ 5 bilhões por ano no combate à aids nos países em desenvolvimento - onde estão 95% das pessoas com HIV do mundo. Pode parecer muito, mas os especialistas afirmam que o ideal teria sido algo em torno de US$ 12 bilhões anuais, mais do que o dobro. O montante seria suficiente para ao menos conter a expansão do vírus. A Unaids, a agência das Nações Unidas para o combate à aids, calcula em US$ 15 bilhões anuais, com valores crescendo para US$ 22 bilhões até 2008. Em 2006, US$ 8,9 bilhões foram disponibilizados, de acordo com dados mais recentes da própria Unaids.
Alguns governantes, porém, acreditam que tanto dinheiro entrando de uma só vez em economias frágeis poderia afetar ainda mais a conjuntura local ao aumentar os gastos públicos e a inflação. Por isso, acabam não utilizando tudo que recebem - metade, segundo o Centro de Pobreza Internacional do Pnud, não é gasto. “O maior problema hoje está no medo que alguns governos têm em aplicar as verbas”, disse Mwanza Nkuzu, representante do FMI na conferência. O fundo é apontado como responsável por muitas dessas situações, uma vez que condiciona seus empréstimos a uma série de medidas econômicas que garantam o pagamento da dívida e seus juros.
McKinley e Hailu, no entanto, discordam da afirmação de que os recursos estrangeiros com o carimbo humanitário podem afetar negativamente as economias. Com base em estudos do Overseas Development Institute, ONG britânica de ajuda humanitária, os autores dizem que os recursos ingressantes colaboram para o desenvolvimento local. Na Tanzânia, 2,4% do PIB acabaram saindo do país de alguma forma, enquanto o fluxo de capital ligado à ajuda humanitária chegou a 2,2% do PIB. Ou seja, colaborou para diminuir o déficit. E, para reforçar o argumento, dizem ainda que a contribuição ligada à aids totaliza cerca de 35% de toda a ajuda humanitária na maior parte dos países africanos. Mais: dadas as contenções orçamentárias, boa parte desse dinheiro nem é utilizado.
“Portanto, é improvável que os recursos para HIV/aids, sozinhos, sejam, na maior parte dos casos, causa siginificativa de instabilidade econômica. Ainda assim, onde o financiamento é significativo, os formuladores de políticas devem manejar com cuidado seu impacto macroeconômico”, escrevem. Ou seja, fica a cargo do Estado a melhor forma de aplicar esse dinheiro.
É o que também defende o professor Anis Chowdhury, do Departamento de Economia da Universidade de Western Sydney, Austrália, em artigo intitulado "Gearing macroeconomic polices to manage large inflows of ODA: The implications for HIV/AIDS programmes" (Manejando políticas macroeconômicas para lidar com grandes fluxos de ajuda internacional: as implicações nos programas de HIV/aids), escrito em parceira com McKinley. “Como a ajuda estrangeira chega majoritariamente por canais públicos, o governo pode influenciar seus efeitos escolhendo cuidadosamente seus gastos”, acreditam.
Em entrevista na conferência, McKinley sugeriu que certas medidas econômicas fossem tomadas para evitar o não investimento de recursos previstos para o combate à aids. Ou seja, para que o dinheiro não fique parado e, sim, cumpra seu fim. “As políticas monetárias e cambiais podem ser usadas para administrar a flutuação do câmbio nessas situações e impedir o surto de inflação”, diz. “Só assim esses países vão perder o receio de utilizar os recursos recebidos do exterior”.
Há, porém, quem acredite na necessidade de investir além da doação de remédios e recursos. Segundo a representante do Pnud na Etiópia, Fidele Sarassoro, o dinheiro poderia ser investido também na capacitação de profissionais de saúde e no desenvolvimento do sistema de hospitais e atendimento. “Às vezes, a gente não tem como gastar porque falta estrutura para liberar as verbas”, lamenta. “Não adianta nada a gente receber verbas para comprar remédios se não temos nem médicos e enfermeiros para tratar os pacientes”.
Com isso concordam Chowdhury e Mckinley. Ambos afirmam que não se deve cortar investimentos em educação ou qualquer outra área social para aumentar os gastos em combate à aids. “Educação, segurança e saúde básica são setores com importantes complementaridades com a prevenção e controle do HIV/aids”, garantem.
Novos dados
O evento aconteceu na mesma semana em que a Unaids divulgou novos dados sobre a epidemia ao redor do mundo. Segundo a pesquisa, há atualmente cerca de 39,5 milhões de pessoas vivendo com HIV, sendo que 4,3 milhões foram infectadas neste ano. Dos novos casos, 65% (2,8 milhões) foram registrados na África subsaariana, justamente a região mais discutida na conferência realizada em Brasília. Lá, 5,9% dos adultos estão infectados (no Brasil, são 0,6%).
Apesar de ter havido aumento da quantidade de pessoas vivendo com HIV em todas as regiões do mundo, algumas delas geram mais preocupação. Na Ásia Central e na Europa Oriental, por exemplo, as taxas de infecção aumentaram mais de 50% nos últimos dois anos. Em 2006, 2,9 milhões de pessoas morreram em decorrência de males relacionados à aids. A quantidade de mortes mostra a precariedade do tratamento recebido pelos africanos subsaarianos. Do total de falecidos, 2,1 milhões, ou 72%, morreram no continente. Em 2006, morreram 200 mil pessoas a mais em decorrência da Aids do que em 2004, ano do último relatório da Unaids.
O aumento do número de casos preocupa a Organização Mundial de Saúde (OMS), pois a tendência em muitos locais era de estabilização ou mesmo de diminuição. Países como Uganda conseguiram frear por alguns anos a taxa de infecção, mas o relatório deste ano mostra uma reversão do quadro.
“Isso é preocupante, já que, como sabemos, até recentemente a ampliação dos programas de prevenção ao HIV nestes países havia obtido bons resultados e Uganda era um claro exemplo disso. Isto significa que os países não estão atuando no mesmo ritmo de suas epidemias”, disse o diretor executivo da Unaids, Peter Piot, no lançamento do documento. “Precisamos intensificar muito mais os esforços de prevenção que salvam vidas ao mesmo tempo em que ampliamos os programas de tratamento”.
O relatório mostra também que a quantidade de recursos disponíveis para o combate à Aids está aumentando, mas ainda é insuficiente para lidar com o tamanho do problema. Em 2005, foram gastos US$ 8,3 bilhões; neste ano, o valor aumentou em US$ 600 mil e a previsão para 2007 é de US$ 10 bilhões. No entanto, a Unaids acredita que o mínimo para 2007 teria de ser de US$ 18 bilhões, para conter a propagação do vírus. Desse total, 55% deveriam ser destinados à África subsaariana, 20% para a Ásia e Pacífico, 17% para América Latina e Caribe, 7% para a Europa Oriental e o restante para Oriente Médio e Norte da África.
“Os membros das Nações Unidas se comprometeram a deter a propagação da epidemia e inverter a tendência de aumento até 2015”, lembrou a representante do Grupo HIV/Aids do Pnud em Nova Iorque, Lily Ohiorhenuan, durante a conferência de Brasília. “No quadro atual, isso pode não ser possível”, advertiu.
O relatório não chega a fazer essa afirmação, mas pelos dados apresentados é possível perceber que, se o problema é econômico, poupar recursos de combate à aids é inútil: segundo o documento, o fortalecimento das estratégias de prevenção nos 125 países mais pobres do mundo evitaria 28 milhões de infecções entre 2005 e 2015 - mais da metade do número de casos projetados para o período. E pouparia US$ 24 bilhões em tratamento.
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