Autor original: Luísa Gockel
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Para Mark, do jeito que as negociações caminhavam, era bem provável que avanços anteriores fossem substituídos por posições mais conservadoras. As eleições legislativas americanas que deram vitória ao Partido Democrata e enfraqueceram o presidente norte-americano George W. Bush, a virada de posição do Brasil e a pressão dos eleitores canadenses por uma posição mais favorável do governo ao Protocolo de Quioto são ganhos que não podem ser vistos na simples análise dos documentos do encontro.
Duas questões fundamentais foram as vedetes do encontro: a fixação de metas mais ambiciosas para os países industrializados e o debate sobre como seria a participação dos países em desenvolvimento no Protocolo de Quioto. No primeiro caso, a sinalização positiva da União Européia para o corte de 20% das emissões de gás carbônico até 2020 garantiu o otimismo de ambientalistas.
Em relação à contribuição dos países em desenvolvimento, que passariam a integrar a segunda fase do Protocolo, o Brasil foi o responsável pelo balanço otimista da Convenção de Nairóbi. A aguardada proposta brasileira não foi recebida com tanto entusiasmo, segundo Lutes. Mas a posição anterior do Brasil, de não aceitar qualquer meta fixada dentro do Protocolo que não fosse voluntária, começou a se flexibilizar.
“O Brasil é importante para que um caminho para essas negociações envolvendo outros países seja criado. Quando o Brasil aceita dialogar, ajuda a criar um clima de que pode haver acordo", observa Lutes. Ele acredita que o país pode retomar o papel de protagonista que tinha década de 1990 nas negociações sobre o clima e acha que a conferência que será realizada no ano que vem, na Indonésia, terá avanços muito mais concretos.
Rets – Você acha que o balanço da Conferência foi positivo ou negativo?
Mark Lutes - Nem os governos e nem as ONGs esperavam que fosse possível sair de lá com um grande acordo, mas, considerando a fase muito difícil em que as negociações estão, a grande conquista foi o fato de não ter havido retrocesso. Agora, acredito, estamos entrando numa fase mais otimista, em que temos expectativas maiores para o próximo ano.
Rets – Como foi a apresentação da proposta brasileira?
Mark Lutes - Pelo que ouvimos, não houve muito interesse, não teve perguntas depois, nem comentários. Foi bem recebida, mas sem muito entusiasmo. A proposta apresentada era aquela que estávamos esperando, só que com alguns avanços. Foi apresentada em Roma, no workshop preparatório para a Conferência [realizado em setembro], e o governo fez várias apresentações aqui no Brasil, explicando. Mas tinha alguns elementos novos.
Antes não tinha ficado claro qual tipo de mecanismo o Brasil estava propondo, principalmente onde seria gerenciado esse mecanismo. O governo brasileiro não queria alimentar uma discussão dentro do Protocolo ou dentro da Convenção, então escolheu apresentar essa proposta num outro contexto, dentro do encontro chamado “Diálogos para medidas de longo prazo”. E os termos em que esses diálogos foram criados elimina a possibilidade de negociações de novos compromissos.
Só a escolha desse fórum para apresentar indica que o governo quer restringir o escopo de discussão e dar uma abordagem conservadora. Mas quando o governo distribuiu o documento com a proposta, foi especificado que esse mecanismo será criado dentro da Convenção, o que é um avanço, porque nas discussões anteriores parecia que queriam criar esse mecanismo fora de tudo. O Brasil falava numa espécie de clube de países. Quando o governo diz que quer criar um mecanismo dentro da Convenção, para mim, isso já é um avanço.
Rets – Antes da convenção de Nairóbi, havia uma grande expectativa para duas questões: a fixação de metas mais ambiciosas para os países industrializados e o debate sobre como seria a participação dos países em desenvolvimento. Em qual das duas questões houve mais avanços?
Mark Lutes – Houve um pouco de progresso nos dois assuntos. A grande questão que se coloca é como vai ser a conexão entre esses dois processos. Em termos de compromisso para os países industrializados, são necessários cortes muito mais profundos para o próximo período do Protocolo.
Rets – E como foi a participação dos Estados Unidos?
Mark Lutes – Os Estados Unidos não opinaram em muitos assuntos. E em alguns deles repetiram o discurso anterior. A grande notícia foi o resultado das eleições americanas, que aconteceram no meio da conferência e enfraqueceram o presidente Bush. A eleição foi um sinal de que essa posição contra Quioto ia terminar logo.
Logo depois do pleito, três membros do Congresso americano, que vão assumir posições importantes em comissões de meio ambiente, escreveram uma carta para Bush, dizendo que iam enviar ao Congresso uma proposta com algumas metas para os Estados Unidos.
Rets – O que você destacaria de mais positivo na Conferência?
Mark Lutes – Destacaria o discurso do ministro da Dinamarca. Foi muito bom e o mais aplaudido. Outro avanço foi a proposta apresentada pela União Européia, que prevê um corte de 30% nas emissões até 2020.
Além disso, destacaria a virada na posição brasileira durante as negociações. Antes o Brasil só reproduzia aquele discurso do Itamaraty, de não aceitar nenhuma meta que não fosse voluntária. Se o Brasil tem uma posição forte como essa, é sinal que as negociações não vão avançar muito.
É claro que há países, como a Nova Guiné, que defendem o sistema de créditos de carbono dentro do Protocolo. Mas o Brasil diz, e eu concordo, que não podemos deixar os países industrializados cumprirem suas metas pagando muito pouco por cada tonelada de carbono. Vai ter uma grande briga entre o Brasil e os países que defendem o mercado de créditos.
Rets – Como foi abordada a questão do desmatamento no encontro?
Mark Lutes – A proposta contra o desmatamento é importante, mas não tanto como um sistema de restrição de emissões. A China e a Índia estão crescendo mais rápido que todos os lugares do mundo. O Brasil é importante para que um caminho para essas negociações, envolvendo outros países, seja criado. Quando o Brasil aceita dialogar, ajuda a criar um clima de que pode haver acordo. A importância do papel brasileiro não está só ligada a florestas.
Rets – Você acredita, então, que o Brasil tem um papel de protagonista nessas discussões?
Mark Lutes – Vimos indicativos de que o Brasil pode reassumir o papel de protagonista que tinha nos anos 90. Não dá para perceber os avanços só analisando os documentos. É preciso olhar no contexto em que Japão, Canadá e Brasil estão cooperando. Acredito que ano que vem podemos ter avanços concretos.
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