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Chega de andar na contramão

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Novidades do Terceiro Setor







Combater a exploração sexual infantil nas rodovias brasileiras é o principal objetivo do programa Na Mão Certa, do Instituto World Childhood Foundation Brasil (WCF-Brasil), lançado no dia 28 de novembro. A iniciativa pretende mobilizar os setores público e privado e a sociedade civil nessa luta e usar os caminhoneiros como principais agentes de transformação dessa realidade.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 100 mil crianças e adolescentes são exploradas sexualmente no Brasil. Dados da Polícia Rodoviária Federal revelam que existem 1.222 pontos de exploração nas rodovias federais brasileiras, muitos dos quais situados em regiões de fronteira, com forte atuação do tráfico internacional de drogas e de pessoas. Além disso, uma pesquisa da Secretaria Especial de Direitos Humanos registrou a ocorrência de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em 937 municípios brasileiros, a maioria deles localizada nas regiões Nordeste e Sudeste.

A prostituição infantil na beira de estrada faz parte de uma rede muito maior, que se beneficia também da pornografia e do turismo sexual infantil. Essas redes se organizam, geralmente, no interior do país, especialmente em pequenos e médios municípios, com população entre 20 mil e 100 mil habitantes. Um dos seus principais clientes é o caminhoneiro. “Esses profissionais não têm consciência dos efeitos [da exploração sexual] no desenvolvimento da criança e do adolescente”, comenta Ana Maria Chicarino, diretora executiva da WCF-Brasil.

Ela conta que, em 2004, preocupada com a dimensão do fenômeno, a entidade iniciou uma pesquisa qualitativa em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre o tema. Os caminhoneiros foram apontados como facilitadores, mas também como atores-chave na proteção dessas crianças e desses adolescentes nas estradas. O estudo identificou que os profissionais não possuem conhecimento sobre o alcance do problema. Têm uma crença ingênua de que ajudam meninas e meninos pobres quando oferecem comida, carona ou dinheiro em troca de favor sexual, vendo-os como mulheres e homens já iniciados sexualmente.

“A pesquisa se deparou ainda com uma realidade que também é exploratória para o próprio profissional. São pessoas que ficam em média 20 dias fora de casa, têm família e valores constituídos. E têm uma baixa auto-estima, devido à visão da sociedade sobre o seu trabalho”, completa Ana Maria.

Pacto para gerar impacto

Diante desse diagnóstico, o programa foi estruturado em três objetivos estratégicos: o primeiro é a articulação dos setores público, privado e do terceiro setor para combater a exploração sexual infantil. E o Pacto Empresarial é um dos instrumentos dessa parceria. Liderado pela WCF-Brasil e pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o propósito do Pacto é envolver as empresas no esforço para eliminar a exploração sexual comercial infanto-juvenil. Entre as atividades previstas estão eventos intersetoriais e a divulgação de melhores práticas.

“Vamos trabalhar a mobilização social com as empresas, para chegarmos aos profissionais”, explica a diretora do WCF. Antes mesmo do lançamento do programa, 60 empresas se mostraram interessadas em colaborar. “Já existe um comprometimento. Elas querem fazer e não sabem como”, observa. Após assinarem o Pacto, as empresas se comprometem a melhorar as condições de trabalho dos seus caminhoneiros, inserir o tema nos treinamentos dos profissionais e disseminar as boas práticas.

As entidades empresariais também devem estabelecer relações com fornecedores da cadeia de serviços de transporte que estejam comprometidos com os mesmos princípios. Por fim, o acordo prevê ainda a capacitação dos funcionários, bem como o incentivo a ações de erradicação do problema e a projetos de reintegração social de crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual ou em situação vulnerável.

Mobilizadas as empresas, parte-se para o segundo objetivo: a educação do agente principal do programa, o caminhoneiro. “Com os multiplicadores dentro das empresas, podemos transmitir o conteúdo de diversas formas. Não queremos ficar restritos”, esclarece Ana Maria. Ela conta que quando os profissionais chegam aos postos de gasolina para pernoitar, por exemplo, a primeira coisa que lhes é oferecida é uma menina, em vez de um bom lugar para descansar. Por trás dos postos de gasolina estão pessoas que agenciam as jovens. Por trás desses agentes, mais outros, que também estão ganhando com a exploração de alguma forma. Por isso é importante a conscientização dos caminhoneiros, para que não alimentem essas redes e possam fazer denúncias.

Fortalecendo a proteção

A terceira meta da campanha é fortalecer o sistema de proteção. Ana Maria aponta a importância de atacar às causas do problema. A pobreza, sem dúvida, é a primeira delas, mas a diretora do WCF esclarece que a baixa escolaridade, a exposição cada vez mais erótica do corpo pela mídia e a própria violência dentro de casa também são agravantes. “Se essa criança é molestada em casa, estar na rodovia não faz diferença”, explica. Em determinados momentos", prossegue, "atender os caminhoneiros é a única alternativa. E é isso que não podemos permitir. Temos de trabalhar para gerar outras alternativas”.

Todos os aspectos citados precisam ser trabalhados, e uma simples cartilha não daria conta de mudar a opinião e a visão sobre esse tema. “É importante falar sobre o assunto com a família, com as ONGs que trabalham com esses jovens em situação de risco. Precisamos fazer pesquisas com as próprias crianças exploradas, para conhecer melhor o perfil delas, podendo qualificar e fortalecer o trabalho dos Conselhos Tutelares e das ONGs”, conclui.

Ana Maria indica o filme “Anjos do Sol” como bom exemplo do que acontece pelas rodovias brasileiras, e a obra será usada nas capacitações dos caminhoneiros. A conscientização de toda a sociedade e a esperança de que ela se envolva na questão são pontos alimentados pelo programa, que ainda espera contar com o apoio da mídia.

No site da campanha, em www.namaocerta.org.br, é possível encontrar mais informações sobre o tema, além de artigos, estudos de caso e pesquisas, bem como iniciativas realizadas para combater a exploração sexual infanto-juvenil.

“É um programa estratégico", afirma Ana Maria. "No dia do lançamento, acreditei de fato que podia dar certo quando vi a mobilização das pessoas, refletindo sobre o que podem fazer para ajudar dentro da sua realidade”.


Mariana Hansen

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