Autor original: Fausto Rêgo
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Caio Silveira*
A cultura centralizadora e clientelista do Estado brasileiro já vem sendo substituída, em inúmeros lugares do país, por dinâmicas democrático-participativas que estão abrindo novas alternativas de desenvolvimento social. O movimento conhecido como desenvolvimento local - porque vem de baixo e não de políticas impostas pelas mais altas esferas de poder - é hoje o principal contraponto aos modelos de planejamento centralizado, cujos instrumentos e recursos são organizados verticalmente, a partir das instituições públicas centrais.
Não se trata, aqui, do local na ótica do "localismo", dos atores aprisionados em seus cantos. O local como necessário não quer dizer, seguramente, o local como suficiente. A idéia de desenvolvimento local está, na verdade, associada à constatação de que as dinâmicas geradoras de desigualdade e exclusão não podem ser desconstruídas pelo alto ou substituídas por outros sistemas de decisão que não levem em consideração as experiências e capacidades dos próprios agentes locais.
O que está em jogo, portanto, é a adequação de diferentes estratégias a diferentes contextos, particularmente considerando disparidades tão grandes como as existentes entre pequenos municípios de base rural e grandes áreas metropolitanas. Compreender esta mudança significa voltar os olhos à proliferação, no Brasil, de inúmeras ações inovadoras que já têm as comunidades locais como protagonistas.
Tradicionalmente conhecida pela violência e pela exclusão, a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, traz um desses exemplos. Desde 2003, o Comitê Comunitário da Cidade de Deus, criado a partir da união de 13 organizações comunitárias, já desenvolveu diversos cursos de capacitação em saúde, alfabetização e construção civil, todos tendo em vista demandas da própria comunidade. Além de planejar a inauguração de sua rádio comunitária, o grupo prepara também a criação da logomarca “Cidade de Deus”, cujo objetivo é estabelecer uma grande rede para escapar da desarticulação que enfrentam hoje diversos empreendedores do local.
Estas não são ações isoladas e pontuais: desde 2004, com o papel destacado do Comitê Comunitário, foi elaborado um primeiro plano de desenvolvimento local para a Cidade de Deus, que contempla e integra várias dimensões que tradicionalmente andam separadas (educação, trabalho, moradia, saúde, cultura) para o período 2004-2009. Como marco nesse processo, em 2006 foi constituída a Agência Cidade de Deus de Desenvolvimento Local, como braço executivo de um processo de gestão compartilhada no qual a comunidade possa tomar para si, pouco a pouco, o protagonismo sobre seu próprio desenvolvimento.
A temática do desenvolvimento local, assim, está fortemente vinculada a uma abordagem de combate à desigualdade social sob um ângulo que valoriza os elos entre o trabalho e a cidadania. Este tratamento se desenvolve em um contexto onde o emprego não é mais uma via necessária para o acesso aos direitos. Ao contrário, é o acesso à cidadania que passa a colocar como questão a inserção produtiva dos grupos populacionais como elemento de superação da exclusão.
Embora seja ainda um processo embrionário, que embute avanços, retrocessos e novos desafios, é preciso começar a perceber o que iniciativas como a da Cidade de Deus e tantas outras trazem em comum. Nesta perspectiva, tem se mostrado decisiva a combinação de alguns alicerces, tais como a formação de capital social, a mobilização produtiva dos territórios e a constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão com participação direta da sociedade.
Para chegar lá, é preciso desobstruir os caminhos, seja pela superação da cultura centralizadora e clientelista do Estado ou do dirigismo do mercado, seja pelo enfrentamento das dificuldades que estas iniciativas ainda enfrentam para se articular em rede e trocar experiências. Diferentemente, é preciso, agora, distribuir para desenvolver. E distribuir não apenas renda, mas conhecimento e poder - o que não se faz de cima para baixo ou de fora para dentro.
O fundamental, para esta empreitada, é não cair na idéia de que desenvolvimento local tem dono. Ele não pode ser apropriado por nenhum governo ou instituição. É de todos e para todos, porque nasce de baixo para cima e de dentro para fora. Trata-se de valorizar essa mudança, que estabelece um marco democrático - horizontal e de base - para a criação de um novo enfoque estratégico para o próprio desenvolvimento do país.
* Caio Silveira é sociólogo e coordenador da Expo Brasil Desenvolvimento Local, cuja quinta edição foi realizada de 6 a 8 de dezembro, em Salvador (BA). A cobertura completa do evento está disponível em http://expo.rededlis.org.br.
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