Desativado ao longo de seis anos por determinação pessoal do senador José Sarney, o Conselho de Comunicação Social foi ressuscitado no dia 8 de agosto último numa cirurgia operada pelo próprio Vice-Rei da República. O resultado foi um monstro, melhor seria se continuasse morto. Este Frankenstein institucional, aberração sinérgica e sincrética, é um deboche, caricatura, imagem em alta definição de um Legislativo-capacho, desprovido de autoestima e amor-próprio. A escolha do presidente e vice-presidente do Conselho é emblemática.Por Alberto Dines Desativado ao longo de seis anos por determinação pessoal do senador José Sarney, o Conselho de Comunicação Social foi ressuscitado no dia 8 de agosto último numa cirurgia operada pelo próprio Vice-Rei da República. O resultado foi um monstro, melhor seria se continuasse morto. Este Frankenstein institucional, aberração sinérgica e sincrética, é um deboche, caricatura, imagem em alta definição de um Legislativo-capacho, desprovido de autoestima e amor-próprio. A escolha do presidente e vice-presidente do Conselho é emblemática. Sua Excelência Reverendíssima o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, merece todo respeito pelo destacado cargo eclesiástico, pelo título de especialista em Comunicação que lhe conferiu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas não se pode esquecer que S. Exa. Rvma. está tecnicamente impedido de ocupar a presidência de um órgão auxiliar do Congresso Nacional que, entre outras tarefas urgentes, deverá examinar a concessão de canais de radiodifusão a confissões religiosas ou parlamentares ligados a elas – uma das distorções mais graves da nossa mídia eletrônica, confronto claro ao Estado de Direito. Vetos e embargos A República Federativa do Brasil é secular, conforme explicitado na Carta Magna: Igreja e Estado são entidades separadas, não podem se juntar, confundir-se ou se sobrepor. Há um claro e perigoso conflito de interesses quando uma figura da hierarquia religiosa ocupa um cargo em que a isenção deveria ser absoluta. Um sacerdote, qualquer que seja a sua filiação ou crença, não pode ser isento nem independente. Sua fé sempre se imporá às obrigações legais ou morais exigidas de um servidor republicano. E a questão da equidade? As confissões protestantes – os chamados evangélicos – não foram agredidos, ou pelo menos prejudicados, com a escolha de um arcebispo católico para presidir um Conselho obrigatoriamente imparcial, neutro e confiável? Esta opção retrógrada e teocrática vai além da escolha de Dom Orani e do seu vice (veja abaixo). Entre os demais 11 conselheiros-titulares há representantes de todas as redes de TV, exceto da Rede Record, assumidamente evangélica, dona da Igreja Universal do Reino de Deus e do Partido Republicano Brasileiro (PRB), partido da base de apoio ao governo federal, premiada com uma mísera suplência. Além disso, um dos representantes da sociedade civil, João Monteiro Filho, foi indicado pela catolicíssima Rede Vida de TV, próxima da ala carismática à qual pertence Gabriel Chalita, candidato a prefeito de São Paulo pelo PMDB. Seria injusto recorrer apenas à argumentação histórica lembrando que a igreja católica e a sua mais operosa facção – o Santo Ofício da Inquisição – foram os responsáveis pelos 308 anos de censura impostos à colônia portuguesa do outro lado do Atlântico. Afinal já se passaram 204 anos desde que foi autorizado o funcionamento da primeira tipografia nestas bandas, e supõe-se que os responsáveis pelo bárbaro atraso já confessaram seus pecados e se penitenciaram. A questão não se situa no plano do pretérito, é atual: a entrega do CCS à igreja católica é a nova etapa de uma parceria construída ao longo das duas últimas décadas. Graças à aproximação com o Opus Dei e suas diferentes operadoras (Universidade de Navarra, da Espanha, a consultoria internacional Innovation e o programa Master em Jornalismo do Instituto Internacional de Ciências Sociais, de São Paulo), a maior parte dos grandes e médios grupos jornalísticos nacionais ficou comprometida em três níveis com a igreja: politicamente, por meio da domesticação do Conselho de Comunicação Social; empresarialmente, através dos vínculos do Opus Dei com o patronato jornalístico; e, profissionalmente, no nível executivo das redações, por intermédio da confraria dos formados no curso Master sob a batuta de Carlos Alberto di Franco. Listas negras, vetos e embargos a nomes, temas e eventos não precisam ser registrados em atas ou memorandos, são soprados horizontalmente aos quatro cantos do país. Paraíso garantido Qual o papel do vice-presidente do CCS, Fernando César Mesquita, na criação desse Frankenstein? Ele próprio explicou o funcionamento da nova fase do Conselho em entrevista que concedeu ao Estado de S.Paulo (10/8): “[queremos] evitar a acolhida de quaisquer propostas voltadas ao controle da mídia. Queremos evitar todos os tipos de restrição à liberdade de imprensa, vamos acabar com esta coisa de marco regulatório da mídia”. Substituindo-se ao presidente do órgão em seguida à posse, o vice estabeleceu imediatamente as regras do jogo: quem fala é ele, o arcebispo dá as bençãos. Como reagiram os quatro representantes das entidades profissionais (jornalistas, radialistas, artistas e cineastas) diante do ataque frontal do representante pessoal de José Sarney às suas tradicionais posições ideológicas? Engoliram o sapo. Inclusive Celso Augusto Schröder, presidente da Fenaj. No site da Federação Nacional dos Jornalistas, com data de 11/8/2012, está dito: “É de nosso interesse que o CCS seja proativo e se posicione sobre a complexidade de questões que envolvem a comunicação social”. Schröder garante que “como representante dos jornalistas se pautará pelas demandas dos movimentos sociais e dos trabalhadores”. Não poderia contestar a petulância de Fernando César Mesquita no Estadão: “O descrédito da atuação [do CCS] se deu em função do engajamento político de alguns de seus integrantes, dispostos a moldar a mídia a seus interesses. Caso, por exemplo, da sugestão de um conselheiro de restringir a entrada de filmes americanos no Brasil como forma de estimular a importação de filmes chinês e de países do Terceiro Mundo”. Fernando César Mesquita é um robô, recebe ordens e fala. Esqueceu que o descrédito do CCS ocorreu depois de encerrado o mandato de seu primeiro presidente, José Paulo Cavalcanti Filho, quando Sarney forçou a sua substituição pelo imortal Arnaldo Niskier, trazido de volta às lides jornalísticas com a precípua missão de desativar o órgão. É possível que o passar dos anos tenha afetado a destreza e a esperteza da velha raposa maranhense, mas não é descartável a hipótese de que, depois de tantas humilhações e pecados, Sarney queira garantir um lugarzinho no Paraíso. E se porventura os evangélicos se rebelarem, Sarney aproveitará o pretexto para suspender novamente um conselho que há 24 anos tenta torpedear. A política brasileira já produziu inúmeros Frankensteins. Este talvez seja o mais horrendo graças ao silêncio do seu maior beneficiário – a mídia. Alberto Dines é jornalista, editor responsável do Observatório da ImprensaFonte: Observatório da Imprensa
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