Autor original: Marcelo Medeiros
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![]() Imagem: Fernanda Webler | ![]() |
O litígio se arrasta até hoje e já teve vários capítulos a mais, inclusive nesta revista. A empresa respondeu as acusações, afirmando ter comprado o terreno nos anos 80 diretamente de proprietários e que o espaço nunca fora ocupado por indígenas. Disse ainda lamentar os episódios de violência e negou qualquer envolvimento com eles. Para conhecer a argumentação da Aracruz Celulose, leia o artigo "As terras da Aracruz Celulose", disponível na área de links desta página, à direita.
Logo depois, foi a vez de Winnie Overbeek, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), e Helder Gomes, da Cooperativa de Trabalho de Consultoria Multidisciplinar (Coopemult), que integram a Rede Alerta contra o Deserto Verde, responderem a esses argumentos.
Nesse meio tempo, o governo, por intermédio do ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, garantiu que editaria uma portaria homologando a terra em disputa como indígena até o fim do ano. Na segunda semana de dezembro, revoltados com a falta de informações sobre o caso, os indígenas Guaranis e Tupiniquins se uniram para protestar. Bloquearam a entrada da fábrica da Aracruz para chamar a atenção do governo para o problema. Na ocasião, trabalhadores da empresa se revoltaram com a manifestação. Felizmente, não chegou a haver um conflito.
Agora, os indígenas capixabas voltaram a protestar. Foram a Brasília e bloquearam por cinco minutos a entrada do Congresso. A ação chegou às páginas dos grandes jornais, mas, mesmo assim, os manifestantes não foram recebidos pelo ministro da Justiça. “Viemos buscar informações sobre o processo, por isso seria ótimo falarmos com alguém do governo”, diz o também cacique Vilson Tupiniquim. No fim da quinta-feira (18 de janeiro), ele e outros 50 integrantes das tribos decidiram voltar para Aracruz, no Espírito Santo. Prometem retornar quando conseguirem uma audiência com algum representante do governo. Já contam com apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara para atingir esse objetivo.
Nesta entrevista, Vilson, também conhecido pelo nome indígena Jaguareté, explica o que aconteceu na capital federal e relembra fatos recentes dessa luta que já se arrasta há décadas.
Rets - Por que essa mobilização em Brasília?
Vilson Tupiniquim - A história é longa. Em fevereiro, o ministro Marcio Thomaz Bastos se comprometeu a editar uma portaria que demarcasse os 11 mil hectares a que temos direito. O processo já passou pela análise do setor jurídico, mas até agora não recebemos resposta alguma.
Rets - Em dezembro, porém, vocês já haviam tentado uma audiência com o ministro da Justiça, mas não houve sucesso. O que aconteceu daquela vez para vocês retornarem?
Vilson Tupiniquim - Em dezembro, havíamos acabado de ocupar a portaria da Aracruz. Depois disso, nos foi prometida uma audiência para resolver o problema, mas ela acabou não acontecendo. Por isso voltamos para cobrar a promessa. O governo havia se comprometido a editar a portaria de demarcação de terras até o fim de 2006.
Rets - A mobilização, dessa vez, surtiu efeito?
Vilson Tupiniquim - Já tivemos uma conversa com a assessora do ministro. Ela nos disse que houve uma contestação da Aracruz em relação ao relatório de demarcação e que ela foi reforçada pelo (ex-ministro do Supremo Tribunal Federal) Nelson Jobim. Ou seja, o processo ainda está em análise. Ela nos disse, porém, que não sabe se os papéis já chegaram ao ministro. O problema é que, pelo que ela nos falou, o memorial do Nelson Jobim não traz nada de novo aos processo. Logo, não mudaria em nada a decisão de editar a portaria.
Rets - A demanda de vocês é somente pela demarcação?
Vilson Tupiniquim - Todos os nossos problemas atuais giram em torno da demarcação de nossas terras. Por isso, por enquanto, nossa reivindicação é só pela demarcação.
Rets - Além dos protestos de quinta-feira (16/1), há mais alguma mobilização programada?
Vilson Tupiniquim - Vamos conversar com alguns deputados, pois disseram ser possível conseguirmos uma audiência com o presidente Lula. Porém precisamos esperar para saber se realmente é uma possibilidade concreta.
Rets - Como a Aracruz se posiciona em relação a esse impasse? Qual é a alegação da empresa para ocupar a área?
Vilson Tupiniquim - Ela diz que não estamos ali há tempos e questiona até nossa legitimidade como indígenas em um parecer que fizeram. O problema é que até agora não disseram quem fez o parecer. Falam apenas que a equipe é composta por especialistas de diversas áreas. Mas quem?
Rets - Nenhum pesquisador conversou com vocês nos últimos anos em nome da empresa?
Vilson Tupiniquim - Não recebemos ninguém na aldeia. Não pesquisaram nada, mesmo afirmando terem ido a Portugal levantar dados sobre nós.
Rets - Mas há diálogo entre vocês e a Aracruz?
Vilson Tupiniquim - Temos uma relação bastante tensa. Na ocupação que fizemos em dezembro, todos os funcionários da empresa partiram para cima de nós. Éramos 150 contra cerca de dois mil, mas resistimos, pois estávamos com arcos e flechas. Felizmente, nada grave aconteceu. A polícia estava presente, mas não fez nada. Já nos chamaram para negociar, mas nunca aceitamos os termos de negociação. Então o clima é tenso. Alguns trabalhadores chegaram mesmo a dizer que iriam incendiar nossas aldeias se continuássemos a lutar pela demarcação.
Rets - Houve uma ameaça direta a vocês?
Vilson Tupiniquim - Não diretamente a nós, mas o secretário de Segurança do Espírito Santo nos informou dessa intenção.
Rets - Como se porta o Estado diante disso?
Vilson Tupiniquim - Naquele dia, a polícia lavou as mãos. Éramos 150 contra dois mil, mas o comandante disse estar proibido de agir, que deveria apenas vigiar os dois lados. Em nenhum momento foram acionados.
Rets - Para demarcar uma terra, é preciso que os indígenas participem dos estudos. Vocês foram convidados a fazer parte desse processo?
Vilson Tupiniquim - Nossa participação foi sermos consultados sobre o processo e indicarmos a extensão de nossa terra. Nada mais.
Rets - Qual é o impacto da plantação de eucaliptos perto das aldeias?
Vilson Tupiniquim - O eucalipto não só degradou o meio ambiente, secando nascentes e diminuindo a diversidade, como também afetou nossa cultura. Com a alteração do meio ambiente, mudam nossos hábitos, nossas fontes de remédio, de comida. Quando o meio ambiente natural é retirado, muda todo o nosso modo de sobreviver. Ou seja, o impacto é ambiental, cultural e físico.
Rets - E de que forma afeta vocês fisicamente?
Vilson Tupiniquim - As crianças começaram a ter problemas respiratórios por causa da fumaça da fábrica da Aracruz. Isso para não falar das doenças decorrentes do agrotóxico utilizado nas plantações.
Rets - Caso não aconteça nenhuma audiência com ministros ou o presidente, qual será o próximo passo?
Vilson Tupiniquim - Viemos buscar informações sobre o processo, por isso seria ótimo falarmos com alguém do governo. Ainda assim, isso não seria determinante para que tenhamos nossa terra demarcada. Até porque seria perda de tempo investir muito no contato com um ministro que já avisou que sairá do cargo.
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