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Em nome do padre

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Em nome do padre
Equipe Cendhec na Campanha Estatuto
da Cidade | Ação no Metrô Recife
No rastro do trabalho desenvolvido na área de direitos humanos por Dom Helder Câmara, ex-arcebispo de Recife (PE), foi criado, em 1989, o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec). Atualmente, a entidade possui duas principais linhas de ação – o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Programa Direito à Cidade.

Dom Helder Câmara teve um importante papel na defesa dos direitos humanos no período da ditadura militar, assim como na área social. Ele comandava a Comissão de Justiça e Paz - ligada à CNBB - e o Instituto de Teologia de Recife. Com a aposentadoria de Dom Helder, que seguia uma linha progressista, a forma de atuação da Comissão mudou, tornando-se mais conservadora e afastada da população pobre. O Instituto de Teologia foi fechado.

Pessoas ligadas a Dom Helder criaram então o Cendhec para dar continuidade aos seus trabalhos, sem que esses ficassem à mercê das mudanças impostas pela Igreja. A saída do arcebispo causou reações em todo o país. E o Cendhec guarda até hoje documentos que manifestam a opinião popular na época.

Um dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão era junto às zonas especiais de interesse social (Zeis), que engloba um pouco mais de 20 comunidades pobres de Recife. Ainda em 1983, foi criada a lei de uso e ocupação do solo urbano, “mas não foi feito mais do que isso”, lamenta Valeria Nepomuceno, diretora executiva do Cendhec. Foi a Comissão de Justiça e Paz e o movimento popular de Recife que iniciaram, nos anos seguintes, enquanto Dom Helder estava no comando, a discussão sobre o que eram as Zeis e sobre leis específicas para definir como seria a urbanização e a ocupação dessas áreas. Só em 1987 a lei foi sancionada, com pequenas alterações.

O trabalho da Comissão era de assessorar esse projeto. E quando a lei começou a ser implementada, também se mostrou inovadora, pois abriu um espaço para diálogo entre governo e comunidade sobre o processo de urbanização e legalização fundiária. O país estava saindo de um regime militar. Com o afastamento da Comissão, o Cendhec assume esse papel, especialmente no que diz respeito à regularização das ocupações. Neste momento é criado o Programa Direito à Cidade (PDC).

O PDC, atualmente, trabalha a questão do direito à moradia. Uma equipe jurídica do Cendhec promove ações de uso capião a fim de garantir o direito de legalização de famílias que não possuem o título de posse da terra. Valeria explica que “não é um trabalho jurídico de gabinete. Ele agrega também o trabalho de mobilização social e formação. Discutimos os significados, os instrumentos jurídicos mais adequados, assim como a importância da mobilização social. Envolvemos toda a comunidade nesse processo”.

A outra linha de atuação da entidade é o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (PDCA), que busca garantir a defesa jurídica dos jovens da Grande Recife e de cidades mais afastadas. Valeria conta que, no início dos anos 90, mesmo com a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não havia muitas instituições organizadas à sua luz. Junto com redes e fóruns envolvidos na temática - e com o apoio da sociedade civil - o Cendhec ajudou na regulamentação dessas instituições, ordenando as existentes e criando novas.

Segundo Valeria, Recife foi pioneira na criação de instituições governamentais especializadas no atendimento à criança e ao adolescente. Antes, era o próprio Cendhec, com sua equipe jurídica, que fazia esse trabalho.

Estruturado em quatro projetos - defesa, promoção, controle social e formação - o Programa confere assistência não só de advogados, mas também de assistentes sociais e psicólogos. Casos de violência doméstica ou sexual, extermínio, tortura e abuso de poder são acompanhados desde a denúncia até o fechamento da sentença. “O acompanhamento terapêutico da vítima e sua família qualifica o trabalho e o próprio resultado dos processos. São famílias desestruturadas e crianças com o emocional comprometido”, destaca Valeria.

As ações do Programa também envolvem a elaboração de políticas públicas voltadas para a infância e a juventude. O Cendhec ocupa assentos nos conselhos de direito, além de preparar subsídios para os debates nesses espaços. “Oscilamos sempre com assento e produção de conhecimento”, esclarece Valeria. A entidade ainda se ocupa da intervenção social no tema e a qualificação de mão de obra especializada que atua com jovens. Hoje, o trabalho da entidade avança em direção ao interior do estado, atendendo comunidades no sertão de Pernambuco e na Zona da Mata.

No âmbito de seus dois programas, o Cendhec busca formar novas lideranças nas comunidades, para que estas multipliquem o trabalho desenvolvido pela ONG. Valeria conta que a renovação dos quadros de movimentos e militâncias políticas tem sido difícil. Ela lembra que, no período da ditadura, havia uma maior necessidade de articulação para garantia dos direitos. “Hoje, muitas discussões foram encaminhadas para espaços formais, onde a participação popular é pequena”, lamenta.

A diretora ainda se queixa que não há mais o apoio, existente nas décadas anteriores, da Igreja, dos sindicatos e dos partidos de esquerda. “No espaço democrático isso foi se diluindo. E as coisas não estão tão tranqüilas assim”, alerta. Teria havido uma mudança no perfil da liderança comunitária, que já não desempenha mais o mesmo papel, de representar a comunidade em si. Elas estariam atreladas a parlamentares, com uma participação comprometida e que não é aquela esperada de uma liderança. “Não têm mais legitimidade para representação da comunidade”, destaca.

Para Valeria, “o Cendhec vive um momento em que o desafio é garantir o que já foi conquistado, antes mesmo de pautar avanços”. Ela ainda revela que os problemas de hoje ainda são os mesmo de 15 anos atrás, principalmente na área de direitos da criança e do adolescente, e por isso é tão importante a mobilização social para resolver essas questões. “As autoridades ainda não entenderam a questão da prioridade que está no artigo 4 do Estatuto [ECA]. Crianças e adolescentes devem ser prioridade”, desabafa.

Mariana Hansen

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