Autor original: Luísa Gockel
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![]() Foto: Ruth Massey | UNDP | ![]() |
O estudo é taxativo em relação aos resultados da privatização: ela falhou em diversas frente. Ao contrário das expectativas, diz a pesquisa, os investidores privados não investiram nos serviços da região. O governou passou a ter de estimulá-los, o que acabou sendo um custo pesado demais para os Estados subsaarianos. Além disso, o foco dos investidores de retomar o dinheiro empregado atrapalhou a promoção de metas sociais e, conseqüentemente, o cumprimento dos Objetivos do Milênio.
Na região, apenas 56% têm acesso a água potável e 24% têm eletricidade. McKinley chama atenção para o fato de muitos governos estarem se deparando com uma situação na qual o investimento público diminuiu, mas o privado não cresceu. Segundo ele, a única forma de os países saírem dessa armadilha é fazendo com que os investimentos públicos assumam papel central na melhoria e no fornecimento desses serviços básicos.
Rets - O estudo conclui que a privatização nesses países africanos foi um “fracasso gigantesco”. O que deu errado?
Terry McKinley - Há dois ou três aspectos principais. Um deles é que o investimento de prestadores de serviços caiu, principalmente porque os prestadores estavam esperando que investidores privados aumentassem os investimentos nessas áreas na África. Isso, porém, não aconteceu devido a vários motivos.
Uma segunda grande razão é o esforço de recuperação de custos, aumentando investimentos em água e eletricidade, por exemplo. Mas isso levou a muitas dificuldades nas casas de baixa renda, que deixaram de se beneficiar dos subsídios antes concedidos pelos governos e não podiam pagar as altas taxas cobradas.
Rets – Como é a situação, hoje, dos serviços públicos na região?
Terry McKinley - Agora as casas mais pobres têm a pior situação quando se fala de serviços públicos. Elas não são cobertas por nenhum tipo de rede, pública ou privada, e acabam pagando os preços mais altos por água. Em alguns casos, dez a 15 vezes mais. Há consumidores que tentam formar redes públicas, mas esse custo sempre será superior ao de um serviço regular.
Rets - No estudo, o senhor diz que o Banco Mundial cortou seus empréstimos esperando que o setor privado fosse “dar conta do recado”. Por que as empresas privadas não investiram como o esperado?
Terry McKinley - Os financiamentos do Banco Mundial foram transferidos para tentar dar a investidores privados incentivos para investir na África. O problema é que esses investidores estavam de olho em vários países africanos e calculando os graus de risco de seus investimentos, principalmente a falta de condições de pagamento por parte dos consumidores e a taxa de retorno para que pudessem ter lucro. Então, antes de investirem, pediam aos governos que lhes dessem certas garantias de retorno. Isso foi muito custoso para os Estados, e mesmo onde o Banco Mundial ofereceu essas garantias os investidores não fizeram sua parte.
Muitos governos se depararam com uma situação na qual o investimento público diminuiu, mas o privado não cresceu.
Rets - A privatização não funcionou e boa parte dos Estados africanos não tem dinheiro suficiente para investir como deveria em serviços. Qual a solução para a falta de infra-estrutura na África?
Terry McKinley - Em termos de arrecadação, olhando para as estatísticas, um grande problema é que muitas casas, principalmente em áreas rurais, não têm acesso a serviços como eletricidade e água. Portanto são necessários fortes investimentos públicos para aumentar a rede de cobertura. Mas de onde esse dinheiro virá?
Uma das estratégias vinculadas à privatização era a cobrança de tarifas mais altas, mas isso, obviamente, não funcionou. Se você olha para as arrecadações de muitos governos, vê que são incrivelmente baixas. Em alguns locais, chega a 12 ou 15% do PIB, enquanto em países em desenvolvimento de nível baixo ou mesmo médio a média é de 20%.
Então, em primeiro lugar, os governos têm várias formas de mobilizar mais recursos, por meio de várias formas de taxas, para financiar a expansão de serviços. Porém boa parte dessa verba terá de vir de doadores internacionais, agora focados novamente em investimentos públicos em água e eletricidade. Logo o financiamento internacional precisará desempenhar um forte papel nesse processo.
A solução passa por mais volume de investimentos públicos. Um dos principais motivos para que os serviços tenham um preço tão alto são as chamadas perdas do sistema. O sistema atual é tão velho que acaba não sendo muito eficiente. E fica muito aquém dos serviços privados. Então os serviços públicos, quando viram privados, devem cobrar mais. Portanto, se tivermos mais investimentos públicos em infra-estrutura básica que faça com que as operações sejam mais eficientes e se você expandir a rede para uma base mais ampla de consumidores isso vai diminuir o custo anual, pois terá uma base mais ampla de consumidores. O investimento público era bem mais ambicioso e poderia fazer uma grande diferença para sair dessa armadilha.
Rets - O senhor sugeriu que as perdas do sistema sejam cortadas. Mas e se isso não for o bastante?
Terry McKinley - Essa não é a questão central; há vários aspectos. O que tentamos mostrar é que serviços privatizados geralmente recuperam os investimentos através do aumento das tarifas, porque sua motivação principal é o lucro. A solução mais a longo prazo para eles é que tenham uma operação mais eficiente, o que necessitaria de muito mais investimentos – e os investidores privados, obviamente, não estão interessados em fazer isso. Se eles fazem investimentos a longo prazo, estes têm de ser realmente eficientes, e é por isso que o setor público deve ter papel central.
Em muitos casos, as tarifas têm de ser aumentadas ao longo do tempo. Mas isso deve ser feito de uma maneira justa, em que os lares mais ricos ou em grandes áreas urbanas paguem tarifas mais altas em detrimento das casas mais pobres, em favelas ou em áreas rurais. É o que chamamos de subsídio cruzado. É uma prática comum em países de rendimento médio e países desenvolvidos, em que os lares mais ricos subsidiam, de certa forma, os lares mais pobres.
Rets - O senhor recomenda aumentar o financiamento internacional como forma de atingir os Objetivos do Milênio na África. Os países ricos estão dispostos a dar toda essa ajuda?
Terry McKinley - Estão caminhando para isso. A campanha pelos Objetivos do Milênio está ganhando força e sendo endossada por muitos países ricos, responsáveis pela assistência oficial ao desenvolvimento. Para a África, em particular, há um esforço em dobrar a assistência.
Então há uma noção geral de que, para a África sair dessa condição, precisa escapar da armadilha da pobreza. Vai precisar, portanto, de muito financiamento em serviços para que esses países deixem o subdesenvolvimento de forma mais acelerada. A situação, agora, é de que, como eles têm pouca arrecadação, pouco investimento e, conseqüentemente, baixo orçamento, são pouco atrativos para novos investidores.
Luísa Gockel. Colaborou Marcelo Medeiros.
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