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Realidades ocultas

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor






Realidades ocultas
Capa do livro

Resultado do projeto “Mulheres e meninas em contextos de violência armada: um estudo de caso sobre o Rio de Janeiro”, o livro Rostos Invisíveis da Violência Armada foi lançado no dia 8 de fevereiro pelo Viva Rio e pela Universidade de Coimbra, de Portugal. Escrita pela socióloga Tatiana Moura, a obra chama atenção para a condição das mulheres envolvidas na violência armada no Rio de Janeiro.

Ao longo de seus três capítulos, a publicação analisa o tipo de participação de mulheres e meninas na violência armada e os impactos diretos e indiretos em suas vidas. De acordo com o texto, esse envolvimento aumenta a cada ano e é cada vez mais precoce. “Meninas de 12 ou 13 anos, assim como os meninos, vêem na violência armada uma forma de alcançar um reconhecimento social e uma maneira de construírem sua identidade”, ressalta Tatiana.

Mais de cem mulheres foram entrevistadas, incluindo detentas em penitenciárias e unidades de medidas sócio-educativas, denunciantes das Delegacias de Atendimento à Mulher, líderes comunitárias, especialistas do setor de segurança pública e familiares de vítimas.

Na primeira parte do livro, o envolvimento das mulheres é dividido em três categorias: aquelas que incentivam a violência, as que exercem papéis de base ou secundários e as que se envolvem diretamente. Tatiana explica que a participação delas na violência é bastante complexa, podendo uma mesma mulher exercer funções diferentes ao longo de sua vida. “Uma das histórias que mais me impressionaram ao longo desse trabalho foi a de uma mulher, perto de seus 50 anos, que começou namorando um traficante de drogas na comunidade onde morava, casou com ele, teve filhos e, após a morte dele, assumiu a posição do marido. Casou mais duas vezes e foi espancada durante os dois relacionamentos. No segundo, acabou assassinando o marido”, contou.

No segundo capítulo, foram analisados os casos de mortes e lesões por armas de fogo e as situações onde a arma é fonte de ameaça e coerção dentro das casas das mulheres. “Um grande número de mulheres é vítima direta de homicídios e ferimentos por armas de fogo. Na maioria dos casos, o agressor é um conhecido da mulher”, destacou. De acordo com o livro, as armas de fogo são o instrumento mais usado para matar mulheres, no Brasil. No Rio de Janeiro, uma mulher corre duas vezes mais riscos de ser morta por arma de fogo do que em todo o país.

O terceiro capítulo é dedicado a histórias de mães e familiares de vítimas de chacinas e assassinatos. O objetivo, segundo Tatiana, foi não só analisar as implicações sociais e psicológicas desses assassinatos na vida dessas mulheres, mas também dar visibilidade às formas de luta por justiça e contra a impunidade encontradas por elas.

Em relação aos homens, o número de agressoras e vítimas dessa violência é “estatisticamente pouco relevante”, o que, segundo a autora, não justifica a ausência de políticas públicas específicas para resolver o problema das mulheres. Além disso, acrescenta, os setores que tratam da violência doméstica e da segurança pública estão dissociados, o que contribui para a falsa idéia de que a violência nas ruas não tem ligação com a vida de mulheres e meninas. Para Tatiana, é preciso que esses dois setores dialoguem. Com esse intuito, aliás, foi realizado um seminário no Rio com o mesmo nome do projeto (“Mulheres e meninas em contextos de violência armada”). A partir desse encontro, ela percebeu que a abertura para essa comunicação é muito maior nas organizações e nos movimentos de defesa dos direitos das mulheres.

Além do livro, a pesquisa deu origem a um novo projeto, parceria entre o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (Cesec). Será realizado um trabalho psicossocial, com uma rede de apoio familiar a vitimas de chacinas e uma capacitação jurídica para formar promotoras locais comunitárias.

Buscando aprofundar o estudo sobre os motivos e as conseqüências do envolvimento de mulheres e meninas da violência armada, será realizado também um estudo comparativo entre as realidades do Rio e das cidades de San Salvador, em El Salvador, e Medellín, na Colômbia. O novo projeto é denominado “Mulheres e violências armadas: estratégias de guerra contra mulheres em contextos de não-guerra”.

O livro também estará disponível em formato PDF nos sites do Viva Rio e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Joana Moscatelli

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