Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
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Um dos temas centrais que conclamam, nos últimos tempos, a sociedade ao debate é a necessidade de transparência como pressuposto para o enfrentamento da corrupção. A Abong vem contribuir com algumas reflexões em torno desse tema para o universo das ONGs, considerando que este, por si só, pouca coisa nos informa.
Ser transparente deve ser, sim, um princípio de ação de todo e qualquer agente social que atua nas esferas públicas, sejam políticos/as, organizações-não-governamentais, movimentos sociais e até mesmo empresas, que cada vez mais disputam o sentido de construção da sociedade.
A transparência não se reduz a instrumentos para o combate à corrupção. Instrumentos são meios, e o combate à corrupção é apenas uma das conseqüências, quando há efetivamente transparência como princípio e parte da estratégia institucional.
Se afirmamos que esta é uma das condições para a construção de relações éticas na sociedade, sabemos que transparência não é um conceito neutro e, sim, mais um termo em disputa, assim como solidariedade, participação e cidadania. Esse tema precisa ser melhor qualificado, uma vez que tampouco tem sido neutro o contexto que o traz à tona.
O central é: transparência é, antes de tudo, relação de poder. Tanto quem a exerce como quem clama por ela precisam ter consciência sobre seu papel como sujeitos políticos, para que ações simplistas e burocráticas não sejam confundidas com práticas transparentes, ou usadas para mero marketing institucional, ou, como se afirma no meio do mercado - universo da responsabilidade social -, uma forma de "agregar valor ao produto".
Quando nos referimos a entidades, empresas e mesmo políticos/as que atuem no campo da ética, um dos maiores problemas hoje em se praticar ações com transparência relaciona-se à restrita compreensão do que isso significa por parte tanto de quem desempenha ações de sentido público quanto, principalmente, do público que se relaciona com tais agentes e aos quais, teoricamente, se "deve" essa transparência. Portanto, algumas questões devem orientar essa reflexão: Por que se quer ser transparente? Como se quer fazê-lo? Para qual público se dirige qual tipo de informação? Qual é a linguagem acessível? O que é fundamental informar para enfrentar a lógica de desconhecimento e alienação em relação ao fazer e à ação política dos diferentes agentes sociais, de como interferem na realidade? Como a prática da transparência incide sobre a democracia interna das organizações?
Muitas vezes, práticas de exposição de excesso de informações, em geral financeiras, não contribuem para esclarecer conteúdos, expor o sentido real da ação de quem se propõe transparente. É preciso ter sensibilidade para lidar com os diferentes públicos, prestar as informações necessárias para que exista compreensão sobre o que fazem as ONGs, para quem, por meio de quais recursos, com quais agentes sociais.
Transparência, nesse sentido, precisa ser compreendida como um conjunto de práticas, pautadas por princípios éticos da ação política, capazes de incidir de forma transformadora e educativa, inicialmente, na cultura institucional de quem a exerce e também na relação com os/as interlocutores/as. A prática da transparência não deve ser apenas uma prática externa das organizações - e, em geral, uma resposta reativa e defensiva a posições autoritárias e moralistas da sociedade ou de governos sobre a ação política de diferentes agentes sociais numa sociedade democrática.
Insistimos que para haver efetivamente o fortalecimento da ética e a transformação das relações de poder, o público-alvo das informações deixe de ser mero receptor e atue como sujeito político, dialogando e questionando sobre o sentido da ação política das organizações e sobre a transparência, que deve fazer parte de uma mudança nas relações de poder.
As organizações devem repensar sua cultura política, sua relação com financiadores/as, com o público-alvo e mesmo com a sociedade de uma forma geral. Precisamos discutir qual transparência, para quê, para quem e como. Não deve haver ingenuidade nesta transparência e deve ser um tema debatido publicamente com qualidade.
Assim, levantemos instrumentos que as organizações já vêm desenvolvendo. É importante romper com a falsa idéia, alardeada por alguns meios de comunicação, de que não há transparência nesse amplo universo das ONGs. Há entidades que praticam transparência como princípio e há outras que efetivamente burlam exigências existentes para prestação de contas. Mas há formas de regulação do acesso a recursos públicos, e isso é que precisa ser conhecido e debatido pela sociedade.
Por isso, ao prestar contas para a sociedade, não adianta despejar uma série de informativos financeiros. É preciso dar informação qualificada e diferenciada para aquele público. É preciso dizer de onde vem o dinheiro, para aonde vai, qual a natureza do trabalho, como se dão os processos de trabalho dentro da organização, se há democracia e transparência nas esferas internas de decisão. É preciso que a transparência incida sobre a cultura política e nos ensine a construir relações mais igualitárias de poder.
* Este artigo é o editorial do Informes Abong 377.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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