Autor original: Marcelo Medeiros
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A aprovação da medida – originária do Ministério do Meio Ambiente, mas modificada na Câmara – desagradou ambientalistas e ativistas contrários aos transgênicos. “Virou brincadeira e fingimento”, reclama Jean Marc Von der Weid, coordenador do Programa de Políticas Públicas da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), ONG que promove a agricultura familiar no Brasil e centraliza algumas ações da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos. Para ele, o texto e a forma pela qual a MP foi aprovada mostram que o governo não só apóia o cultivo e comércio de transgênicos, como também despreza qualquer análise técnica sobre a segurança ambiental e biológica desses organismos. “Agora liberou geral. O governo sinalizou de tal forma que se pode cultivar qualquer coisa sem cuidado”.
Von der Weid acredita que o governo tem feito um jogo duplo, principalmente no Ministério do Meio Ambiente. Apesar de simpático à ministra Marina Silva, o diretor da AS-PTA diz que ela está sendo “engambelada” pela Casa Civil, preocupada em aumentar o superávit e acelerar o crescimento. De acordo com o especialista, todos os acordos feitos pelo MMA com o resto do governo para a aprovação da MP com o texto original foram descumpridos em prol do comércio de transgênicos.
Por outro lado, o ativista vê algo de positivo na diminuição do quorum da CTNbio. Segundo ele, a diminuição mostra o enfraquecimento da ala pró-transgênico dentro da Comissão. “Não conseguiram achar votos cegos suficientes e aí as reuniões começaram a esvaziar”, explica.
Ainda assim, alerta para o perigo da liberação do algodão transgênico, cuja produção, por enquanto, é pequena e, por isso mesmo, mostra a simpatia do governo com essa causa. “Não havia dessa vez a desculpa do impacto econômico, como houve na época da liberação da soja”, lembra, referindo-se à grande quantidade de soja transgênica já plantada - e que estava sendo colhida - na época em que o governo federal, já na primeira gestão de Lula, liberou a comercialização de soja geneticamente modificada.
Nesta entrevista, Von der Weid fala sobre a disputa relacionada ao comércio de transgênicos no país e sobre outros pontos da Medida Provisória, como a liberação do cultivo próximo a áreas de conservação.
Rets - Qual é o impacto da aprovação da MP para a luta contra os transgênicos?
Jean Marc von der Weid - A MP original já era uma capitulação do Ministério do Meio Ambiente. Embora essa MP não seja particularmente grave em relação às Unidades de Conservação, pois as distâncias em que os transgênicos terão de ser plantados vão depender de planos de manejo, ficou uma impressão de “agora liberou geral”. O governo sinalizou de tal forma que se pode cultivar qualquer coisa sem cuidado.
Rets - A MP foi escrita pelo MMA. O que aconteceu para se tornar algo tão ingrato?
Jean Marc von der Weid - O Lula pressionou muito. Primeiro pela edição da MP, depois pela aprovação, até porque também foi pressionado pelo Blairo Maggi [governador do Mato Grosso e maior produtor individual de soja do mundo]. Dizem por aí que há, inclusive, interesse direto do Maggi nessa MP, pois ele teria terras perto do Parque Nacional de Foz do Iguaçu e agora estaria autorizado a plantar por lá, mas nada foi comprovado.
Costumo dizer que, com essa autorização, vão abrir uma caixa de Pandora dos transgênicos, vão escancarar. Em conversas conosco, a [ministra do Meio Ambiente] Marina [Silva] declarou que havia um acordo dentro do governo de vetar qualquer “penduricalho” sobre o texto original – principalmente em relação à diminuição do quorum da CTNBio e à liberação do algodão. O problema é que, quando a MP foi votada, o relator Paulo Pimenta (PT-RS) peitou o PT inteiro, que era contra a aprovação dos penduricalhos. Porém ele tinha respaldo para fazer isso. Ninguém faz isso sem ter respaldo de alguma forma. Ou seja, o governo estava fazendo jogo duplo. E pior: o líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS) mandou votar as emendas.
A Marina disse que era uma posição pessoal dele e não do governo. Ou seja, é tudo muito esquisito. Dissemos para ela que estava sendo enganada, mas ela nos garantiu que o acordo seria cumprido no fim das contas. A Marina acabou chiando e houve uma nova orientação para a bancada votar a MP sem emendas, mas o Delcídio Amaral (PT-MS), relator da MP no Senado, não acatou a decisão e a Ideli Salvati (PT-SC), líder no Senado, liberou a base para votar, dizendo que não havia consenso. Está havendo um jogo duplo para engambelar a Marina, principalmente por parte da Casa Civil.
Rets - A MP já foi aprovada na Câmara e no Senado, mas ainda pode ser vetada. Essa possibilidade é factível diante desse quadro?
Jean Marc von der Weid - Essa MP, na verdade, tem dois níveis de gravidade: um a curto e outro a longo prazo. A curto prazo, o maior problema é a liberação do algodão transgênico. Primeiro foi a soja, no começo do mandato, mas ali o governo podia dizer que era uma herança maldita, que não podia prejudicar os agricultores. Agora, porém, é diferente. A CTNBio mandou queimar o algodão, pois ele era ilegal no país. E não tem argumento, pois o volume é pequeno. São 20 mil toneladas, produzidas por quatro agricultores. Se o governo aprova a venda desse algodão, diz que não há lei no país, e daqui a pouco é aprovada a produção de milho também. Isso desmoraliza a lei e o próprio poder do Estado. Assim, é melhor suspender a CTNBio e deixar rolar tudo. Virou brincadeira e fingimento. Virou piada.
A longo prazo, o problema é a diminuição do quorum da CTNbio. Hoje ela tem 27 membros e outros 27 suplentes. Ou seja, são 54 pessoas e, por mais que falte gente, sempre deveria ter um mínimo de pessoas. Mas são sempre muito poucas. Nós nunca temos mais do que seis votos e fazemos uma resistência técnico-científica. Achamos que esse seria o melhor caminho. Queremos ter sempre comprovação científica, não tem nada de ideologia. Quem tem ideologia é quem não quer que nada seja comprovado antes de liberar.
Parte considerável dos cientistas está contra isso e nem tem comparecido às reuniões. Não conseguiram achar votos cegos suficientes, e aí as reuniões começaram a esvaziar. Os favoráveis aos transgênicos, que são maioria, encaram a CTNBio como um órgão que só pode aprovar. O espírito da lei de biossegurança não é levado a sério. A mudança de quorum facilita a aprovação, mas sinaliza enfraquecimento. Tem gente ali que não quer se comprometer com aprovação generalizada.
Rets - Mas como pode se portar essa nova maioria?
Jean Marc von der Weid - A própria lógica de votação é complicada nesse caso. Há muita gente de áreas diferentes de genética. Alguns sabem de agricultura, outros de vacinas, e por aí vai. O que eu costumo dizer é que a aprovação de transgênicos é como um exame médico, um check-up. Como você garante que alguém está com boa saúde? Manda a pessoa para uma série de especialistas – oncologista, ortopedista, proctologista etc – e espera os resultados. Se um disser que há problema e outros disserem que não, a pessoa está saudável? Claro que não!
É o mesmo tipo de aberração que querem fazer na CTNBio. Como um cara especialista em vacina vai dizer sim sobre uma planta? Como um vota sobre a especialidade do outro?
Rets - Em relação ao plantio de transgênicos, primeiro foi a soja, agora o algodão, e diz-se que o próximo será o milho. Qual pode ser o impacto econômico desse item?
Jean Marc von der Weid - O milho talvez seja o cultivo mais universal do Brasil, mais até que a mandioca. Está em todas as regiões e é produzido por desde o pequeno até o grande agricultor. O risco de liberar os transgênicos é altíssimo, por causa da facilidade de contaminação por polinização. Dizem que isso não vai acontecer, que é possível controlar, mas não acredito. No México, de onde o milho é originário e onde a transgenia é proibida, há várias espécies transgênicas vindas dos EUA. Por que aqui não haveria contaminação?
Rets - Já há plantação de milho transgênico no país?
Jean Marc von der Weid - No Sul. Inclusive já começamos uma campanha com o Ministério Público para queimarmos todos os pés. Mas as coisas andam tão cínicas que a CTNBio queria aprovar oito tipos de milho transgênico de uma vez só, sem discussão pública. O debate só vai acontecer porque conseguimos isso na Justiça.
Alguns pesquisadores da CTNBio chegam a dizer que se todos os critérios de biossegurança fossem aplicados não haveria pesquisa científica no país. Um deles, inclusive, afirmou em seminário, com tudo gravado, que traz sementes transgênicas no bolso, o que é contra a lei. E a CTNBio em nenhum momento questionou a presença dessa pessoa em seu corpo.
Rets - Então, além da questão política da liberação dos transgênicos, há também a mentalidade científica em pauta?
Jean Marc von der Weid - Sim, muitos partem do princípio de que se nada foi comprovado até agora, seja para o bem ou para o mal, não há problema. Agora, você não pode levar para a comissão quem não acredita em risco biológico e ambiental. Não faz sentido. Deveríamos lançar um desafio sobre quais critérios de avaliação de risco estão usando na CTNBio para aprovar o plantio de transgênicos.
Rets - Um dos argumentos a favor dos organismos geneticamente modificados é que eles poderiam poupar recursos para os agricultores e assim torná-los mais competitivos no mercado e até mesmo aumentar sua renda.
Jean Marc von der Weid - Sempre nos reportamos aos EUA, onde os transgênicos são plantados há mais tempo, para responder esses argumentos. Pesquisas de lá mostram que o milho resistente à lagarta reduz em 20% o consumo de agrotóxicos, o que seria uma boa notícia. Por outro lado, logo no primeiro ano se descobriu que a resistência à lagarta tornava o milho mais suscetível a outras pragas. Logo, precisaram aumentar a carga de pesticida. No fim das contas, a diminuição de volume aplicado foi mínima e os custos totais aumentaram, pois a semente transgênica é mais cara por causa de custos de patentes. Nas contas do governo norte-americano, o milho transgênico precisa de um terço a mais de subsídios para se tornar competitivo.
Rets - A MP também autoriza o plantio de transgênicos nas proximidades de Unidades de Conservação, o que era proibido até então. Essa pequena distância pode ter algum impacto na biodiversidade?
Jean Marc von der Weid - Isso é uma incógnita. É preciso analisar caso a caso para saber o risco de contaminação. Esse é o ponto menos pesquisado quando se fala de transgênicos. O que se sabe mais é a possibilidade de contaminação de parentes silvestres da espécie transgênica, mas não se sabe nada dos efeitos a longo prazo. A curto, são imperceptíveis, a não ser no caso do glifosato [pesticida utilizado em plantações de soja geneticamente modificada], que é um “mata-tudo”, principalmente se aplicado por avião. Quando isso acontece, o vento espalha o veneno e acaba contaminando diversas espécies.
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