Autor original: Luísa Gockel
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Houve quem comentasse que, em 2001, os EUA teriam cogitado a possibilidade de invadir a Tríplice Fronteira, em vez do Afeganistão, usando como argumento as supostas células-terroristas na região – onde existe uma grande colônia árabe. Especulação, talvez. Mas a sociedade civil dos três países que formam a Tríplice Fronteira (Paraguai, Argentina e Brasil) não parece ter muitas informações sobre o que realmente ocorre por lá. A visita do presidente dos Estados Unidos, Geoge W. Bush, ao Brasil traz de volta algumas antigas questões de soberania e reforça a preocupação dos movimentos sociais desses três países.
De acordo com Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano (Opsa) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o que há é muita especulação e poucos fatos. “É claro que existe uma preocupação norte-americana com a Tríplice Fronteira e a comunidade árabe na América do Sul, mas essa é uma preocupação difusa, que não encontrou uma repercussão maior nem mesmo do próprio governo dos EUA”, ameniza. Ele admite, no entanto, que de fato existe pouca informação a respeito da região. “Parece que a maior parte das informações que temos vem dos EUA”, diz.
Segundo ele, os movimentos sociais sul-americanos vêem com grande preocupação esse tipo de interesse norte-americano. “É sempre visto como uma maneira de os EUA intervirem ou se posicionarem na região. Um dos temas que causam preocupação é o Aqüífero Guarani”, ressalta. O interesse dos EUA na grande reserva de água subterrânea causa o mesmo mal-estar, nos países sul-americanos, que o interesse internacional na biodiversidade amazônica. “Essa é uma questão da soberania dos países onde está o Aqüífero”, sentencia Coutinho.
Apesar de acreditar que grande parte das especulações sobre as intenções militaristas americanas na América do Sul não passa de especulação, Coutinho defende que, desde o processo de redemocratização do continente, é cada vez mais difícil para os EUA exercerem a mesma influência. Sobretudo em plena era Hugo Chávez [presidente da Venezuela e inimigo declarado de Bush]. O coordenador do Opsa sustenta que esse tema, em particular no que diz respeito ao Aqüífero, deve ser examinado com mais atenção pelos países que compõem a Tríplice Fronteira.
Rets - Qual o assunto central da visita do presidente George W. Bush ao Brasil?
Marcelo Coutinho - Sem dúvida, a questão do etanol. Tem a ver com essa vocação energética por parte da América do Sul. O Brasil vai tentar lançar essa questão, para não se ater muito ao tema Chávez e da estabilidade regional. O Brasil tem uma posição muito clara de neutralidade, porque o país tem todo o interesse em manter as melhores relações possíveis com a Venezuela e os Estados Unidos. Não tem nenhum interesse em tomar partido. E por isso inclui na agenda a questão do etanol, que é um tema de convergência entre Brasil e EUA, os dois maiores produtores do mundo.
Rets - O senhor acredita que a questão da Tríplice Fronteira está na pauta do encontro?
Marcelo Coutinho - Essa é uma visita que não estava prevista na agenda, que surgiu de última hora, e os temas não serão aprofundados. Mas certamente os temas políticos, voltados para a estabilidade da América do Sul, serão discutidos entre os dois presidentes. Mas a questão central é clara. O governo americano vê com grande preocupação o governo Chávez. A preocupação é maior com a Venezuela porque ela vem mudando a sua política e conta com recursos fortes oriundos da exportação de petróleo. Isso incomoda os EUA, tanto pela natureza política do problema, mas também pelo fato de 20% das importações de petróleo dos EUA virem justamente da Venezuela.
Rets - Em julho de 2006, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma resolução pedindo que o presidente Bush formasse uma força-tarefa para atuar contra o “terrorismo no hemisfério ocidental, especialmente na Tríplice Fronteira”. O que significa exatamente esse interesse na região?
Marcelo Coutinho - Esse interesse já vem de algum tempo e se consolidou depois do atentado de 11 de setembro [de 2001]. Há especulações de que haveria um plano específico para essa área da América do Sul. Mas o fato é que não há nada concreto, a não ser uma grande suspeita. Não entendo muito bem por que alguns setores da imprensa têm levantado essa questão nos últimos dias. É claro que existe uma preocupação norte-americana com a Tríplice Fronteira e a comunidade árabe na América do Sul, mas essa é uma preocupação difusa que não encontrou uma repercussão maior nem mesmo no próprio governo, de modo que não me parece uma discussão interessante para esse encontro.
Rets - A sociedade civil dos países da região está ciente da importância estratégica dessa área e da cobiça internacional que suscita? A impressão é que existe uma grande falta de informação e uma certa nebulosidade sobre o que realmente acontece lá.
Marcelo Coutinho - De fato, há pouca informação a respeito disso. Parece que grande parte das informações que temos vem dos EUA. Mesmo assim, é algo muito vago. Mas os movimentos sociais sul-americanos vêem com grande preocupação esse tipo de interesse norte-americano, que é sempre percebido como uma maneira de os EUA intervirem ou se posicionarem na região. Há uma preocupação muito objetiva em relação ao Aqüífero Guarani. Esse é um tema que de fato deveria ser mais bem examinado, mas não imagino que essa deva ser uma orientação dos governos sul-americanos, porque não é uma agenda da América do Sul, mas dos EUA. O terrorismo é agenda prioritária dos EUA, mas não é a nossa agenda.
Rets - A tendência é de que os EUA encontrem cada vez mais resistência para exercer a mesma influência de antigamente na América do Sul?
Marcelo Coutinho - Há um clamor na América do Sul por mais autonomia e mais independência e que não vê com bons olhos bases ou tropas norte-americanas. Há um sentimento que valoriza a soberania que se fortaleceu com o processo de democratização. Não é à toa que a base de Manta, no Equador, é objeto de discussões, e o convênio que permite as instalações de bases provavelmente não será renovado. Não há como negar que existe essa nova cultura política na região, que esses movimentos estão cada vez mais fortalecidos e, que num ambiente mais democrático, são normais as questões contrárias ao intervencionismo norte-americano.
Rets - O Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani deve apresentar a proposta de um marco legal sobre a gestão compartilhada das águas subterrâneas do Aqüífero pelos governos do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai a partir de 2008. O senhor acredita que isso pode trazer algum tipo de preocupação para os EUA?
Marcelo Coutinho - Não deveria, porque não lhes diz respeito. Essa é uma questão da soberania dos países onde está o Aqüífero. Há especulações de que os EUA acompanham com atenção essa reserva de água. Mas a respeito da união entre esses países não consigo enxergar de que maneira isso possa causar algum tipo de preocupação. Isso é uma pauta que diz respeito aos países sul-americanos, e são esses países e seus respectivos governos democráticos que deverão decidir o que fazer com a sua reserva.
Rets - Em entrevista à Rets, João Manoel Bicca, coordenador do movimento Pró-Rio Uruguai, afirmou que existe um batalhão do exército dos EUA na Tríplice Fronteira que oferece fotos de satélite do Aqüífero atualizadas a cada minuto. Segundo ele, os norte-americanos saberiam mais sobre o Aqüífero do que a gente.
Marcelo Coutinho - Um batalhão é um exagero, mas existe um acordo com o Paraguai – que até tem mostrado ultimamente a vontade de rever isso – que permite a entrada de tropas americanas. Há a especulação, inclusive, da instalação de uma base americana lá, o que nos preocupa bastante, porque é muito próximo à nossa fronteira. Independentemente da questão do Aqüífero, essa é uma questão de segurança sensível ao Brasil. O importante é que o Aqüífero Guarani, a biodiversidade na Amazônia, o petróleo e o gás na Bolívia, na Venezuela, Colômbia e Equador tornam a região estratégica no século 21. E isso desperta a atenção de EUA, União Européia e China sobre essa parte do mundo.
Rets - Quais medidas o senhor acredita que seriam eficientes para manter a soberania brasileira na região?
Marcelo Coutinho - O governo brasileiro já tem feito alguns movimentos, e acho que deve intensificar ainda mais esse esforço de integração regional sul-americana. Imagino que esses sejam temas de convergência, hoje, na região, num contexto em que existe uma série de discordâncias na área comercial e macroeconômica. Mas, no que diz respeito ao meio ambiente, às reserva estratégicas, à questão da água, à Amazônia e à área cultural, tudo isso poderia ser objeto de mais cuidado por parte de todos os países da América do Sul, a partir de discussões mais específicas sobre cada um desses temas, que são muito importantes para a região e vão adquirir importância central para o mundo nas próximas décadas.
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