Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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A FAO financia, desde 2004, projetos da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh) cuja intenção é estimular os governos a criar políticas públicas nesta área. Já foi investido R$ 1,5 milhão. “Nosso objetivo foi discutir com o governo brasileiro a importância de implementar políticas públicas, em qualquer área, a partir do ponto do vista do direito à uma alimentação adequada”, disse Barbara, em entrevista exclusiva à Rets nesta sexta-feira, 9 de março, minutos antes de deixar o país. [Veja entrevista pingue-pongue com Barbara Ekwall no link "Prioridades" ao lado]
O órgão das Nações Unidas define segurança alimentar como “a situação em que todas as famílias têm acesso físico e econômico à alimentação adequada para todos os seus membros, sem correr o risco de desabastecimento”.
A missão ficou no Brasil durante cinco* dias e conversou com representantes dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social, além do Conselho de Segurança Alimentar (Consea) e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Um dos principais pontos das reuniões foi justamente a necessidade de ter, no país, monitoramento das políticas públicas e formas de facilitar ao cidadão a exigência de seus direitos. “Esperamos que esses pontos sejam tratados como prioridade”, ressalta a diretora.
A chegada da missão acontece ao mesmo tempo em que o tema “segurança alimentar” volta a ganhar força no país. Na última quarta-feira uma reunião do Consea discutiu o impacto que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pode ter na segurança alimentar nacional.
Além disso, o documento-base da terceira Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - que acontece em julho em Fortaleza (CE) - está sendo discutido em conferências estaduais, municipais e regionais. O prazo de envio de propostas termina em 30 de abril*. A própria visita da missão da FAO aconteceu na semana em que deveria ter acontecido o Fórum Nacional de Segurança Alimentar. O evento, no entanto, precisou ser adiado.
Uma das grandes preocupações no momento é que as ações do PAC prejudiquem a segurança alimentar. Um exemplo de como isso pode ocorrer é o mercado de álcool combustível. A recente visita do presidente norte-americano George Bush ao Brasil, entre outros motivos, se deve ao interesse dos EUA no programa de etanol brasileiro. Um possível aumento da demanda pelo combustível, motivado pela necessidade de diminuir o volume de produção de gases tóxicos (o álcool é menos poluente que a gasolina), afetaria a área disponível para plantação de alimentos.
Foi pensando nisso, inclusive, que manifestantes ligados à Via Campesina ocuparam a Cevasa, maior indústria de processamento de cana-de-açúcar do país, em Patrocínio Paulista (SP), na quarta-feira 7 de março. “A ação pretende mostrar que a produção de etanol a baixos custos para os Estados Unidos – motivo da visita de Bush ao Brasil – beneficia apenas o agronegócio, em detrimento dos interesses da sociedade brasileira e das necessidades da maioria da população”, diz nota do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ligado à Via Campesina. A usina foi desocupada no mesmo dia, à noite.
Segundo o presidente do Consea, Francisco Menezes, o conselho ainda não tem uma posição fechada sobre o tema. Na reunião de quarta-feira, a subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Mirian Belchior, expôs detalhes do PAC aos conselheiros para mostrar que o plano do governo não apresenta riscos para a segurança alimentar nem para o meio ambiente.
Mesmo assim, surgiram preocupações, principalmente relacionadas aos incentivos à produção de álcool e à construção de estradas no Norte no e Nordeste, que podem estimular o avanço da produção de soja em áreas de floresta e de agricultura familiar. “O que fizemos foi pedir atenção a aspectos sociais do crescimento”, diz Menezes. “Não basta crescer, precisamos crescer atendendo a uma agenda social”, completa.
Para Bárbara Ekwall, esse é um problema presente no mundo todo, mas concorda com a posição do conselho brasileiro. “É um assunto tratado internacionalmente, que deve ser visto sempre da ótica da garantia de direitos”, lembra. A diretora da FAO, no entanto, acredita que mesmo esse avanço de produtos que não são utilizados diretamente para consumo humano pode ter um lado positivo. “Para se alimentar, as pessoas precisam de emprego e, geralmente, esse avanço produz empregos. Isso pode ser um efeito positivo, mas que precisa ser analisado com cuidado”. Na reunião, o Consea também defendeu a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos “com estatuto de política pública”. O conselho pediu à presidência a alocação de R$ 1 bilhão extra, em vez da redução de recursos em relação a 2006 prevista no Orçamento.
Outra recomendação é a alteração do sistema de atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica, permitindo às prefeituras adquirirem alimentos produzidos pela agricultura familiar. Menezes diz ainda que até o fim do semestre o órgão deverá concluir estudos sobre como as políticas de segurança alimentar poderão se encaixar no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) que vai até 2008.
A segurança alimentar no Brasil
De acordo com dados do IBGE, retirados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2004, 35% dos lares brasileiros estavam expostos a algum nível de insegurança alimentar. O instituto seguiu a metodologia da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) para classificar os domicílios. Em situação de insegurança moderada ou grave estavam 18,8% das casas brasileiras, onde vivem 39,5 milhões de pessoas. Essas condições significam que as pessoas não têm pleno acesso à quantidade necessária de alimentos para terem uma boa saúde. Em alguns casos, pode-se chegar a ter fome. O percentual restante estava em situação de insegurança leve.
A pesquisa mostrou também que as regiões Norte e Nordeste apresentam os maiores índices de insegurança alimentar, sobretudo nas áreas rurais. Enquanto no Sul 76,5% (6.278.100) dos domicílios tinham garantido seu acesso à alimentação, no Norte e Nordeste, isto ocorria em 53,6% e 46,4% dos domicílios, respectivamente.
Em relação à questão racial, pretos e pardos foram os mais afetados. Entre os brancos, 71,9% dos entrevistados estavam em “seguros alimentarmente”, enquanto apenas 47,7% dos pretos e pardos se encontravam em igual condição. A diferença se repetiu em todos os estados, com maior ou menor variação.
* Informação atualizada em 15 de março.
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