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Água: velhos temas, novos problemas

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Mais um dia e mais problemas
Há 15 anos, a Assembléia Geral das Nações Unidas instituía o 22 de março como Dia Mundial da Água. Em 1992, ano da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a ECO-92 - realizada no Rio de Janeiro, já se discutiam possíveis problemas relacionados ao abastecimento de água. De lá para cá foram publicados diversos relatórios, muitos dos quais foram temas de reportagens da Rets. Os problemas, no entanto, continuam. E, em alguns casos, até se agravaram.

O crescimento da gravidade do problema pode ser visto pelo slogan deste 22 de março - “lidando com a escassez de água” - definido pela ONU. O tema praticamente repete o de dez anos atrás, “água do mundo: há suficiente?”. Ou seja, a pergunta já obteve resposta - negativa - e agora é hora de procurar meios de lidar com esse recurso. O Programa de Águas das Nações Unidas, o UN Water, afirma que a demanda por água está crescendo em ritmo duas vezes maior do que o aumento da população. Daí a escolha do tema. Estima-se que até 2025 o número de pessoas que vivem em países submetidos a grande pressão sobre os recursos hídricos passará dos cerca de 700 milhões atuais para mais de 3 bilhões.

“A água possui um grande impacto na capacidade das pessoas, em qualquer lugar, de melhorar suas vidas”, diz o diretor da Unidade de Água, Desenvolvimento e Gerenciamento da FAO, Pasquale Steduto, no site da entidade. Em seminário realizado em agosto do ano passado para discutir o problema do gerenciamento de recursos hídricos no mundo, a ONU afirmou, na declaração final, que “a escassez de água é um dos mais importantes desafios coletivos que a sociedade terá de enfrentar no século XXI”.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o alcance da meta do milênio relacionada à água (diminuir pela metade a quantidade de pessoas sem acesso a água tratada, atualmente em 2,6 bilhões) até 2015 custaria US$ 11,3 bilhões por ano. Ou seja, um investimento de mais de US$ 90 bilhões. Uma cifra alta para resolver um problema gigantesco.

Dados da OMS, contidos no relatório “Água para Vida”, mostram que, em 2002, havia 2,6 bilhões de pessoas sem acesso a qualquer tipo de saneamento e, destas, 1,1 bilhão não dispunha de água potável. A conseqüência é óbvia: crescimento de casos de diarréia e outras doenças causadas pela falta de higiene e água limpa, principalmente na África. A OMS calcula que, anualmente, morram 1,6 milhão de pessoas em decorrência de diarréia em todo o mundo. A maioria é de crianças com menos de cinco anos. Mesmo se atingida a meta, ainda restariam 1,3 bilhão de pessoas sem acesso a um mínimo de higiene e água potável - pouco mais de 10% da população mundial.

Ainda de acordo com o documento, o alcance da meta do milênio pouparia 470 mil vidas e ainda aumentaria a produtividade de diversas regiões. Para cada dólar investido em saneamento e fornecimento de água, o retorno econômico pode variar de R$ 3 a R$ 34.

A conta fecha, segundo outro estudo da OMS, intitulado “Avaliação de custos e benefícios da melhoria de saneamento e água”, de 2004, num retorno de US$ 84 bilhões por ano, se os US$ 11,3 bilhões necessários para atingir o objetivo fossem realmente investidos. O cálculo é feito com base no tempo que uma pessoa poderia utilizar para alguma atividade produtiva, ganhando o salário mínimo de seu país, ao invés de caminhar para buscar água e ficar doente.

Os recursos são necessários para acelerar o crescimento do número de pessoas com acesso a água e saneamento. Os números melhoram, mas em ritmo lento. Em 1990, 78% dos habitantes do planeta tinham fonte de água tratada, percentual que chegou a 83% em 2004. Isso significa que mais de um bilhão de pessoas foi incluída na rede de tratamento. Em relação ao saneamento, o salto foi de 49% para 59% no mesmo período, com 1,2 bilhão a mais de pessoas com acesso a saneamento.

Se por um lado mais pessoas têm acesso a água tratada, por outro o consumo do líquido vem aumentando. No último século, o consumo de água aumentou duas vezes mais do que a população.


Agricultura

Uma das razões é a crescente demanda por comida. A agricultura utiliza 70% de toda a água utilizada no mundo, principalmente na irrigação. Esse índice varia entre 80% e 95% em países em desenvolvimento, onde estão três quartos das terras irrigadas. Para dar um exemplo da “sede” da produção de alimentos, a produção de um quilo de carne demanda gastar 15 mil litros de água, segundo a UN Water. Na conta entra a plantação e o processamento da ração de um bovino, que também bebe água. Já a produção de um quilo de trigo demanda 1.500 litros, enquanto uma pessoa deve beber de dois a cinco litros de líquido por dia para se manter hidratada e consumir entre 20 e 50 litros para também cozinhar, tomar banho etc.

O número de terras irrigadas vai aumentar em breve, pois, de acordo com a FAO, a produtividade de uma terra, com irrigação, é de pelo menos o dobro de uma que depende apenas da chuva. Nos próximos 30 anos, estima-se que 70% do aumento da produção de grãos venha da introdução de irrigação em áreas já plantadas. O órgão das Nações Unidas afirma que para manter o atual abastecimento será necessário aumentar a oferta de água para agricultura em 14% nos próximos 30 anos. O problema é que as fontes estão se esgotando. Rios estão sendo poluídos e outros, assoreados, assim como lagos, lagoas e aqüíferos, alguns à beira da exaustão.

Aquecimento global

Para piorar, cientistas estimam que o aquecimento global deve reforçar ainda mais o problema do abastecimento hídrico no planeta. Informações preliminares do segundo relatório do IPCC sobre efeitos do aumento da temperatura mostram o que pode acontecer em cada região. A escassez de água seria agravada em regiões semi-áridas como a região Mediterrânea, o oeste dos EUA, o sul da África, o nordeste brasileiro e o sul e o leste da Austrália.

Na Ásia, o risco de enchentes aumenta bastante, devido ao degelo das geleiras do Himalaia e à maior precipitação. Na África, a falta de água seria ainda maior, dado o aumento da demanda e o mau aproveitamento dos rios. Os europeus do sul, “provavelmente”, sugere o estudo, sofrerão com a diminuição da oferta de água. Já na América Latina, o risco está no aumento da desertificação de regiões já com pouca água, assim como na Austrália.

Atualmente, a falta de água é mais sentida, claro, nas regiões mais secas do mundo, onde moram 2 bilhões de pessoas e metade de todos os pobres do planeta. São países do norte da África, Oriente Médio, assim como México, China, Índia e Paquistão, por exemplo. Mesmo países desenvolvidos já se preocupam há tempos com a possibilidade de faltar água. Na Europa, por exemplo, há uma crescente dúvida em relação ao futuro da bacia do Danúbio, rio que abastece 18 países do centro do continente. Nos últimos 15 anos, com a construção de diques e barragens, o leito do Danúbio já encolheu 80%. A capacidade de repor a água também diminuiu, dada as alterações em seu trajeto e a intensidade de seu uso.

Segundo as Nações Unidas, mantidas as tendências atuais, 45% da população do mundo não terá como beber a quantidade mínima diária recomendada pela OMS - dois litros - em 2050 ou ainda usufruir dos 20 litros diários para se alimentar e banhar-se.

“A gestão da água hoje é um desafio vital da humanidade”, diz o coordenador do Movimento Grito das Águas, que reúne ONGs brasileiras, Leonardo Morelli. Ele lembra a existência de centenas de conflitos armados cuja motivação é a disputa por territórios com água. “Virou uma questão geopolítica importante e de disputa pelo poder”, analisa.

Iniciativas

Apesar dos números assustadores - e, afinal, por conta deles -, algumas medidas já começam a ser tomadas. O governo inglês, ao lado de algumas ONGs, criou o programa Blueprint for Water (Estratégias para a água), no qual estabelece metas para otimizar o uso do líquido naquele país. Entre elas, diminuir em 20% o consumo de água até 2015 por meio de usos mais eficientes em casas, fazendas e fábricas. Além disso, os britânicos pretendem rever licenças de uso de rios e lagos que não estejam de acordo com normas de sustentabilidade e cobrar mais de quem desperdiça e polui. Atualmente, 70% dos ingleses pagam uma conta de água independente de seu consumo. Eles são os maiores consumidores de água da Europa.

Ainda no Velho Continente, há nove anos foi formado o Comitê de Proteção da Bacia do Danúbio, cujo objetivo é envolver todos os países abastecidos por aquele rio na construção de um sistema de uso sustentável até 2009. No Quênia, onde a maioria da população não tem acesso a qualquer tipo de serviço hídrico, o governo deu o primeiro passo para resolver o problema - reconheceu o acesso à água como prioridade nacional. Assim, estabeleceu planos de construção de rede de esgoto, saneamento e abastecimento.

Marcelo Medeiros

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