Você está aqui

Para senador, não há controle de recursos

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Novidades do Terceiro Setor







Senador Heráclito Fortes

Para o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), os recursos públicos utilizados por organizações não-governamentais não têm controle algum. Por isso é preciso investigar melhor as relações entre essas entidades e o Estado. "Se as organizações se dizem não-governamentais, não deveriam viver às custas do governo", diz.

Fortes, nesta entrevista, nega qualquer intenção de atingir politicamente o governo e garante que sua intenção é apenas separar boas e más organizações.

Rets - Essa já é a segunda CPI voltada para a investigação da atuação de ONGs no país. Qual é o diferencial dessa?

Senador Heráclito Fortes - Nos últimos anos, o crescimento do número de organizações não-governamentais foi espantoso. Isto reflete não apenas a dedicação e o envolvimento de cada vez mais gente no chamado terceiro setor, como a incapacidade do governo de gerir, cuidar, dedicar-se a diversas áreas.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, passamos de 107 mil ONGs em meados da década de 90 para mais de 270 mil em 2002. É de se supor que, em cinco anos, este número tenha aumentado bastante.

A realidade, portanto, é outra em relação a 2002, quando se encerrou uma CPI, presidida pelo senador Mozarildo Cavalcanti, que retomava antiga idéia do ex-senador Bernardo Cabral, e que se dedicou sobretudo à atuação dessas entidades na Amazônia. O que nós temos visto ultimamente é que, cada vez mais, parte dessas organizações se tornou dependente de recursos governamentais. E são recursos sobre os quais não tem havido qualquer controle, como constataram órgãos idôneos como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União. É exatamente esta relação que diferencia a situação atual e que queremos investigar.

Rets - A CPI conseguiu angariar 77 assinaturas, um recorde de apoio na casa. Qual é a importância desse tema (relação entre ONGs e Estado) hoje?

Senador Heráclito Fortes - A quase unanimidade do apoio à criação da CPI é auto-explicativa. Realmente, acredito ter sido um recorde. Este é hoje um tema importante, que pode não ser a prioridade na agenda do Parlamento, mas que mobiliza vários segmentos da sociedade e, dentro dela, o Legislativo.

Infelizmente, temos o quadro cruel da segurança pública no país, que está a exigir de nós respostas imediatas; além disso, temos excesso de Medidas Provisórias que não raro trancam a pauta da Câmara e do Senado. E temos também os temas relacionados ao desenvolvimento. Mas estou certo, pelo que ouço de colegas, além da farta correspondência que recebo, que este é um tema da maior relevância para o momento e que precisa ser tratado em profundidade.

Rets - O governo conseguiu estender o período a ser investigado para os quatro últimos anos da gestão Fernando Henrique. O que muda com a introdução desta novidade?

Senador Heráclito Fortes - Pouca coisa, no meu modo de ver. Fui líder do governo Fernando Henrique no Congresso e tenho certeza de que não há o que esconder. Cheguei a sugerir, em tom de brincadeira, é claro, que retroagíssemos até Pedro Álvares Cabral. Não há problema algum. A bancada governista insistiu nisso e eu não me opus em nenhum momento. Pelo contrário, fui o primeiro a assinar o requerimento do senador Sibá Machado (PT-AC). Espero, apenas, que isto não faça com que a CPI se transforme em palco de disputas regionais ou político-partidárias.

Rets - É preciso mudar a legislação que rege a relação entre ONGs e Estado? Se sim, que alterações poderiam ser feitas?

Senador Heráclito Fortes - Hoje não tenho mais dúvidas a este respeito. É preciso, sim, aprimorar a legislação, adaptá-la a uma nova realidade. Temos até uma contradição em termos: se as organizações se dizem não-governamentais, não deveriam viver às custas do governo. O que temos visto é que até quem às vezes se propõe a fiscalizar o governo não é fiscalizado por ninguém.

É necessário criar mecanismos de controle e avaliação de projetos financiados com recursos públicos. E se é público, é direito da sociedade saber como ele é aplicado. Já existem alguns projetos tramitando no Congresso sobre o tema, fruto, sobretudo, daquela CPI de 2002 [o PLS 7/2003, resultante da CPI de 2002, transformou-se no PL 3877/2004, que tramita até hoje na Câmara dos Deputados. A página de tramitação do projeto está disponível em Links Relacionados, ao lado]. Mas temos que sentar e analisá-los para ver se eles atendem às necessidades atuais, porque precisamos de uma legislação moderna.

Rets - A criação dessa CPI pode esvaziar as discussões que vêm ocorrendo no Senado (houve um seminário em novembro passado, por exemplo) sobre o novo marco legal do terceiro setor?

Senador Heráclito Fortes - Absolutamente. São discussões complementares e tenho certeza de que muito do que houve naquele seminário nos será útil agora. Precisamos somar esforços e o objetivo da CPI não é o de caça às bruxas, muito pelo contrário. Claro que vamos examinar irregularidades pontuais, mas o mais importante é, como tenho dito à exaustão, separar o joio do trigo e colaborar na elaboração deste marco legal, que preserve as instituições que prestam relevantes serviços ao país e, ao mesmo tempo, os recursos públicos.

Rets - De acordo com a Associação Brasileira de ONGs (Abong), já existem mecanismos suficientes de fiscalização de contratos firmados entre ONGs e governos. Por que, então, surgem tantas acusações de fraude? Onde há problemas?

Senador Heráclito Fortes - Exatamente: se existem esses mecanismos, por que temos visto tantas denúncias de fraudes, irregularidades e descontrole? Na verdade, como membros do Tribunal de Contas têm deixado claro – inclusive no citado seminário sobre terceiro setor realizado no Senado – os mecanismos de controle e fiscalização são absolutamente precários.

Há problemas na escolha das entidades, na execução dos projetos, na prestação de contas. Enfim, é uma questão que merece um grande e amplo esforço, sem maniqueísmos, porque não se trata de uma luta ideológica, ou do bem contra o mal, mas o empenho de pessoas bem intencionadas irá nos levar a um bom encaminhamento para o problema.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer