Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Fotomontagem: Fernanda Webler | ![]() |
Impactos já presentes, extremos climáticos e adaptação. Estes três pontos resumem o segundo relatório do IPCC, lançado nesta sexta, 6 de abril, na Bélgica. Com atraso de 1h30 – por causa do prolongamento das negociações madrugada adentro –, a coletiva de imprensa para apresentação do documento começou às 11h30 (6h30 no Brasil), cercada pelas expectativas do mundo em conhecer os impactos esperados – ou já provocados – da tão falada mudança climática.
Este é o segundo volume do 4º Relatório de Avaliação do IPCC, órgão da ONU responsável por estudos sobre transformações do clima [o link para o relatório está disponível ao lado, em pdf]. Seu objetivo é medir e prever impactos das mudanças comprovadas pelo primeiro volume, lançado em fevereiro, causando comoção mundial ao comprovar a responsabilidade do homem na mudança climática. Em outras palavras, este segundo volume discute os impactos das previsões feitas no primeiro. O primeiro disse que existe e em que proporção; este diz as conseqüências específicas. E, por isto, é ainda mais importante.
E os impactos previstos não são nada animadores. Apresentados na coletiva de imprensa por Osvaldo Canziani e Martin Parry, ambos coordenadores do Grupo de Trabalho 2 (no total, são três), os impactos esperados incluem: aumento da frequência de extremos climáticos: ou seja, períodos muito quentes ou muito frios; aumento de erosão de áreas costeiras (o mar pode invadir lentamente cidades de praia); redução de taxa de precipitação: áreas já secas podem ter ainda menos água e áreas atualmente úmidas podem ter seus ecossistemas transformados.
Além disso, prevê-se uma série de impactos na agricultura (causados pelas alterações no sistema hidrológico e também pelo aumento de temperaturas em algumas regiões do planeta); e escassez de recursos hídricos (não apenas milhões, mas bilhões de pessoas podem sofrer com falta de água).
“Este relatório diz não só se as temperaturas vão aumentar ou não. Diz o que pode acontecer com os diferentes setores – econômico, social etc. E começa a mostrar que esses impactos podem ser muito severos, muito mais negativos do que um ou outro impacto aparentemente positivo de curto prazo (como é o caso do aumento de colheitas nas áreas temperadas)”, disse em entrevista exclusiva à Rets o professor Carlos Nobre, pesquisador do Inpe e um dos autores principais do capítulo sobre a América Latina do relatório lançado hoje, horas depois da divulgação do documento.
Karen Suassuna, representante do WWF Brasil que viajou à Bélgica para acompanhar as negociações e o lançamento do relatório, comenta que ele “mostra claramente que os impactos já estão acontecendo e que já há milhões de pessoas em risco no momento, e nos próximos anos a situação deve se agravar”, disse, em entrevista por telefone logo após a apresentação do documento. Como afirmou Martin Parry na coletiva, “essas alterações não são só um modelo possível. Podem acontecer já, é empirico”.
As regiões mais ameaçadas são: as pequenas ilhas, por sua vulnerabilidade natural e pela pouca infra-estrutura para enfrentar mudanças; os megadeltas asiáticos, que abastecem de água bilhões de pessoas, por isso qualquer mudança que sofram causa grande impacto social e econônico; o Ártico; e a África Subsaariana, que sofreria imediatamente com as perdas na agricultura. Outras regiões e ecossistemas muito ameaçados são as florestas boreais, as tundras, as regiões mediterrâneas e as geladas. Finalmente, os corais também estão em risco, pois sofrem com o aumento da temperatura do mar e com o incremento na acidez dos oceanos, elemento não muito levado em conta até agora e uma novidade deste relatório.
No que se refere à agricultura, atividade essencial para manutenção da vida, as nuances são muitas. Como a temperatura do planeta vai continuar aumentando nos próximos anos, as regiões tropicais, próximas à linha do Equador, atualmente com uma temperatura propícia à agricultura de várias sementes, podem ver suas safras baixarem muito, se houver o aumento previsto de 1 a 3ºC. Paralelamente, a agricultura em áreas temperadas e frias, que normalmente é menos rica, pode ver suas safras crescerem, com o aumento previsto de 1 a 2ºC. Além disso, as áreas asiáticas alimentadas pelas águas das grandes geleiras do continente – muitas no Himalaia – podem sofrer drasticamente com a redução acelerada do gelo percebida em montanhas da Ásia.
Olhando pelo viés sócio-econômico, os pobres – que moram em áreas e condições mais vulneráveis – ficam mais pobres. As regiões ricas – que a priori já são menos vulneráveis e contam com mais infra-estrutura – ou sofrem impactos menores ou até, num primeiro momento, são beneficiadas pelo aumento da produção agrícola. De qualquer maneira, globalmente, haverá uma baixa de produtividade, segundo indicaram os cientistas nesta sexta.
O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos quatro brasileiros que participaram do relatório do IPCC, diz que “os impactos já estão sendo observados em um número grande de ecossistemas. Preocupa a todos, sim. Têm implicações sócio-econômicas grandes, de maneira que nenhum governo vai poder ignorá-los”.
E, justamente por causa do tamanho do alerta, ele é otimista. “Não existe a possibilidade de a sociedade não mudar em nada. Se olhar em volta, vemos que isso já está acontecendo: discussões sobre etanol, projetos de instalação de energia nuclear em vários países, aumento de uso de energia eólica, cortes nas emissões de CO2. O mundo já está reagindo de maneira bastante rápida a essas alterações climáticas”, analisa.
No Brasil, esperam-se impactos severos no Semi-Árido brasileiro, que tenderia a ficar mais seco, atingindo diretamente – nos aspectos ambiental, social e econômico – os 25 milhões de habitantes da região. “É preciso maior atenção, tanto local quanto nacional, para essas áreas”, diz Karen Suassuna.
Porém a conseqüência mais comentada no Brasil é na Amazônia. Com a redução da taxa de precipitação, a floresta perderia umidade, ficaria mais seca e vulnerável a queimadas e tenderia a diminuir de tamanho. Internacionalmente, fala-se em savanização da Amazônia. Por aqui, diz-se que a Amazônia viraria Cerrado. "Existe um risco palpável de savanização de partes da Amazônia, se a temperatura aumentar muito, com grande impacto na biodiversidade da região", enfatiza Carlos Nobre. Isso tudo sem contar o desmatamento corrente da floresta, “nosso grande calcanhar de Aquiles”, segundo o pesquisador do Inpe. “Com relação aos ecossistemas, podemos dizer que existe um grande risco às espécies da flora e da fauna brasileira em regiões como Amazônia, Caatinga e Cerrado se as temperaturas continuarem a subir.
Adaptação, o próximo passo
Na coletiva de lançamento os coordenadores do GT2 foram muito cuidadosos em não receitar fórmulas mágicas para lidar com o problema. Até porque indicar formas de mitigá-lo é função do próximo volume do relatório, a ser lançado daqui a menos de um mês, na Tailândia.
Mas avisaram: o que vai ser realmente necessário é adaptação, no médio prazo. As pessoas e os governos precisam aprender a viver com as conseqüências e tentar diminuí-las. “A mitigação é no longo prazo, pois mesmo que tomemos medidas agora, elas demoram a fazer efeito”, disse Parry durante o lançamento.
Os cientistas informaram que a capacidade de adaptação deve ser incrementada principalmente nas áreas mais vulneráveis, que, não por acaso, são também as mais pobres e/ou mais marginalizadas. “Os pobres serão os mais atingidos, e isso requer atenção dos governos. A popoulação pobre está menos equipada para lidar com os impactos e se adaptar a eles. Isso se torna uma responsabilidade global”, disse Parry.
Carlos Nobre concorda e enfatiza: “O relatório indica claramente que onde vivem as pessoas mais pobres é onde os impactos mais negativos acontecerão na agricultura, na biodiversidade, na disponibilidade de água etc.” E complementa: “Há que se tomar os dois tipos de ação: adaptar e mitigar. Não pode ser só adaptação. Se as mudanças continuarem a aumentar, podemos chegar a um ponto em que não dá mais para voltar. Precisa-se de uma ação muito enérgica de redução. E logo", afirma.
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