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Em nome da lei?

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor






Em nome da lei?
"Censorship", de Elizabeth Granton

Há dois meses, nascia o site jornalístico Em Dia com a Cidadania, com a proposta de dar um novo enfoque à defesa dos direitos dos cidadãos, com especial atenção às pessoas com deficiência e aos homossexuais. Na terça, 10 de abril, para surpresa da jornalista Marcia de Almeida, que idealizou e edita a publicação, policiais civis da Delegacia de Crimes contra a Informática bateram à sua porta para entregar um ofício que pedia telefones, dados e o endereço IP [protocolo que identifica um usuário na internet] de dois leitores que deixaram comentários em uma notícia publicada em 19 de março. O texto informava sobre nota oficial de repúdio da Egrégia Congregação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ao uso, pelo escritor Eduardo Banks, do escritório-modelo da universidade, que é gratuito, para processar o Estado e o Município do Rio de Janeiro por terem concedido R$ 40 mil para a Parada do Orgulho Gay, em 2002. Por conta disso, Banks resolveu mover ação contra o site. "Dois dias depois [da publicação], havia um email ensandecido me ameaçando e ao site, anunciando um inferno judicial, por ele ter direito à Justiça gratuita, se eu não tirasse a nota do ar em 24 horas", explica Marcia.


Surpreendida pela visita dos dois policiais e pelo pedido para identificação da procedência de dois comentários feitos por leitores sobre a notícia, Marcia defendeu-se dizendo que não tinha as informações e manteve a notícia no ar. "E não vou tirar", avisa. "É um site jornalístico. Publiquei uma nota oficial e tenho direito ao sigilo de informações e fontes", defende-se.


Rets - Você pode explicar o que, exatamente, a polícia foi fazer aí?


Marcia de Almeida - A polícia veio aqui arbitrariamente me intimidar. Destacaram dois policiais civis para vir entregar um ofício que estava designado para ser enviado por correio. Gente da Delegacia de Crimes contra a Informática. Querem que eu dê telefones, dados e o IP de dois usuários que deixaram comentários sobre a ameaça que esse cidadão, Eduardo Banks, havia feito ao site. Além de não os ter, não os forneceria ou fornecerei. Isso tem que ser requistado pela Justiça, não pela delegada Sania Burlandi Cardoso. Ela extrapolou não apenas ao permitir o arbítrio de uma viatura vir coagir uma cidadã, como nos pedidos feitos por escrito.


Rets - Como tudo começou? O que gerou essa visita?


Marcia de Almeida - Bom, a visita foi gerada pela impunidade e falta de respeito aos cidadãos, inerente à polícia brasileira, em geral. O início disso tudo foi o site ter publicado nota oficial da Egrégia Congregação da Faculdade de Direito da UFRJ, no dia 19 de março, que falava nesse cidadão por ele ter usado o escritório-modelo, gratuito, da universidade para processar o Estado e o Município do Rio de Janeiro, por terem dado R$ 40 mil para a Parada do Orgulho Gay, em 2002. Dois dias depois, havia um email ensandecido me ameaçando e ao site, anunciando um inferno judicial, por ele ter direito à Justiça gratuita, se eu não tirasse a nota do ar em 24 horas. Claro que não tirei e ainda publiquei o email dele. Isso gerou comentários de usuários do site. Agora ele quer perseguir Claudia Ferreira e Mario Fernando Amarante, as duas pessoas que deixaram comentários. Acho que ficou impossível ele me processar, pois é um site jornalístico. Publiquei uma nota oficial e tenho direito ao sigilo de informações e fontes. Não vou fornecer dado de ninguém.

Quem não tiver visto todos os textos poderá entrar no site, pois vou republicar tudo para que os leitores possam saber o começo do imbróglio.


Rets - E você conhece o autor dessa denúncia?


Marcia de Almeida - Não o conheço e nunca o vi. Sei como ele é porque o site Mídia Independente tem uma foto patética dele, que também linkei no dia em que lhe respondi. Acho que ano passado ouvi falar nele por causa da campanha eleitoral, em que ele foi candidato a deputado federal. E perdeu.


Rets - E como vocês estão reagindo? Pretendem tomar alguma atitude mais drástica, como entrar na Justiça?


Marcia de Almeida - Estamos indignados com o arbítrio. Mas resistimos a uma ditadura, não vai ser agora que vamos perder a cabeça. A ABI [Associação Brasileira de Imprensa] vai protestar por escrito junto ao governador Sérgio Cabral. A notícia está se espalhando. E eu vou reclamar com a Corregedoria do estado contra a delegada Sania Burlandi Cardoso e entrar contra o Estado do Rio de Janeiro, ao qual responde a Polícia Civil, por coerção, constrangimento, intimidação e danos morais. Sem acordo. Ainda não temos certeza se vamos perder tempo com Eduardo Banks, a quem responsabilizo por qualquer coisa que venha a me acontecer. Ele apronta porque tem a anuência de alguns funcionários públicos. É culpa do Estado brasileiro ocorrer esse tipo de coisa, e, como foi aqui e pela Polícia Civil, quem vai responder vai ser o Estado do Rio de Janeiro. Mas, processado o site ou a mim, seja como pessoa física ou jurídica, Eduardo Banks vai enfrentar uma parada dura. Ele é usuário contumaz da Justiça gratuita, há anos se utiliza dela para seus espasmos pessoais, me ameaçou com esse direito em email, o que caracteriza litigância de ma fé, e, aliás, já foi condenado por isso. Ao entrarmos no site do Tribunal de Justiça pesquisando pelo nome dele, são dezenas de processos contra entidades e pessoas físicas, todos indenizatórios. Pelo que vi, em todos já concluídos ele perdeu.


Rets - O site tem pouco tempo de vida e já está passando por uma situação dessas. Por um lado, isso não seria sinal positivo de que a repercussão está sendo boa?


Marcia de Almeida - Não deixa de ser um pouco isso. Temos dois meses de vida e estamos incomodando, claro. E viemos pra isso mesmo: incomodar, questionar, exigir, informar, trazer para as ruas a inclusão lato sensu. Não pode haver cidadãos de segunda classe. Se os homossexuais são alíquotas e pagam seus impostos como todo mundo, é inconstitucional e indecente não poderem ter todas as benesses advindas do pagamento desses tributos. A mesma coisa para quem tem alguma deficiência. O que é? São cidadãos plenos na hora de votar, ter deveres e pagar os impostos e cidadãos não-plenos na hora do retorno desses impostos? Vamos continuar nosso caminho e não vamos ceder a nenhum tipo de intimidação. Todos diferentes, todos iguais.


Maria Eduarda Mattar

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