Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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“Poucas terras foram demarcadas pelo atual governo”, critica o guarani Maurício Gonçalves, que organiza protestos em Porto Alegre (RS). “Precisamos garantir nosso direito a elas, para isso precisamos de investimentos”. Nota técnica publicada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que os recursos aplicados no reconhecimento e na homologação de terras indígenas diminuíram 27% de 2003 a 2006. No primeiro ano de mandato de Lula, cujo orçamento foi herdado da administração anterior, foram gastos R$ 32,1 milhões. O montante caiu para R$ 26,7 milhões em 2004, subiu para R$ 27 milhões em 2005 e despencou para R$ 23,5 milhões no ano passado. Todos os valores estão corrigidos pelo IPCA. “É uma diminuição significativa nos investimentos”, resume o autor da nota, Ricardo Verdum, assessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Inesc.
No período, foram homologadas 66 terras indígenas e demarcadas outras 30, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA). A demarcação e declaração de uma terra como indígena é feita pelo Ministério da Justiça. Já a homologação depende de um decreto presidencial. A publicação do texto do presidente significa o reconhecimento dos direitos dos ocupantes sobre aquela área e a conseqüente necessidade de proteção.
A Constituição define as terras tradicionais como aquelas ocupadas pelos índios “em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
Dado esse caráter, a política de demarcação e homologação não se restringe ao Ministério da Justiça, por intermédio da Funai. O Ministério do Meio Ambiente também é responsável por ela e possui programas de proteção a terras indígenas.
As 30 terras demarcadas nos quatro primeiros anos de governo totalizam 10,28 milhões de hectares. Dessas, apenas três também foram homologadas. São elas: Barreirinha, no Pará; Maraitá, no Amazonas, e Raposa Serra do Sol, em Roraima. Esta última foi alvo de muita polêmica, dada sua extensão (1,73 milhão de hectare) e a proximidade de grandes fazendas de arroz, além do fato de conter diversas jazidas de minérios [veja matérias da Rets no link ao lado].
As outras 63 homologações são de áreas demarcadas anteriormente e abrangem uma área de 11,05 milhões de hectares. A maior parte, tanto numérica quanto territorialmente, está na região Norte. Lá encontram-se 52 Terras Indígenas, que juntas somam 10,7 milhões de hectares. Ou seja, 79% das homologações e 97% da área.
“O foco do governo está na Amazônia”, diz Verdum. “Apesar de ser uma área de demarcação mais cara, politicamente é mais fácil homologar uma terra lá do que nas demais regiões, cujo valor das propriedades é mais alto e já estão mais ocupadas”. O pesquisador do Inesc ressalta, porém, que a facilidade relativa não significa ausência de pressões e dificuldades. O preço mais alto da demarcação na Amazônia se deve à extensão do território. As grandes distâncias demandam aviões e mais trabalho de campo do que outras áreas.
“As terras indígenas garantem a proteção da Amazônia”, lembra Jecinaldo Cabral, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). “Lá estão 65% das Unidades de Conservação do país”.
PAC
Cabral também critica a lentidão do governo Lula em demarcar e homologar as terras indígenas e revela um receio. “Estamos preocupados com o impacto do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento, iniciativa do governo federal]. A construção de hidrelétricas e estradas vai ser um desastre, e nenhuma população indígena foi consultada sobre como será afetada. Não somos contra o crescimento, mas sim contra o desrespeito com que somos tratados”, reclama.
O PAC, anunciado em janeiro pelo governo, prevê uma série de obras de infra-estrutura na região amazônica. Entre elas, as hidrelétricas de Belo Monte, no Pará; Santo Antônio e Jirau, em Rondônia. As três já tiveram problemas com o licenciamento ambiental, mas continuam nos planos. Edvar Magalhães, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), lembra que toda obra que possa causar impacto nas Terras Indígenas precisa ser submetida à consulta e à aprovação das populações indígenas que possam ser afetadas antes de começar. “Não adianta fazer consultas rápidas. Queremos discussões, como prevê a lei”, afirma.
Funai está fraca
Segundo ele, a falta de diálogo é uma demonstração do enfraquecimento da Funai. “Queremos uma retomada de regularização das terras”, diz. A lista de áreas a serem demarcadas contém, desde o início da atual gestão, 272 territórios. “Isso sem contar cem terras indígenas verificadas num levantamento terminado no fim do ano passado. Paralisando a lista, é fácil dizer que está havendo avanço”. Para Maurício Gonçalves, a Funai tem sido omissa em sua função. “A demarcação não tem sido prioridade. A Funai é hoje mais um entrave do que uma ajuda”, ataca.
Jecinaldo Cabral, por sua vez, afirma que a Funai, atualmente, não possui capacidade para atender a demanda de demarcação de terras. “Falta estrutura, ela está muito fragilizada”, argumenta. De acordo com Ricardo Verdum, além do corte de recursos, há vários grupos de trabalho paralisados e com relatórios atrasados. “É um trabalho complexo e demorado. Não é só dinheiro, há também problemas de ordem técnica e burocrática”, explica.
De acordo com as organizações, o orçamento voltado para a gestão da política indigenista, sob responsabilidade da Funai e de órgãos como a Funasa, que cuida dos programas de saúde, caiu de R$ 47,1 milhões em 2004 para R$ 40 milhões em 2006. “O orçamento deveria ser ao menos 50% maior do que isso”, calcula Verdum. Ou seja, a política indigenista deveria ter um investimento de cerca de R$ 60 milhões anualmente.
A Rets entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da fundação, mas não obteve retorno que comentasse as críticas. As lideranças, no entanto, acreditam numa melhora em função da mudança no comando da instituição. O novo presidente, o historiador e antropólogo Márcio Augusto de Meira, é reconhecido pelo movimento como pessoa “competente e proativa”. Meira foi secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura nos últimos quatro anos. “Sua indicação é um avanço. Ele tem se mostrado aberto ao diálogo e atualizado com as nossas principais demandas”, diz Edvar Magalhães.
CNPI
Espera-se que, com o novo presidente, uma velha reivindicação do movimento indigenista seja atendida. Há tempos as organizações pedem a instalação de um Conselho Nacional de Política Indigenista. Sua função seria a de assessorar o governo na formulação de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos dos índios no Brasil. A proposta fora apresentada no Abril Indígena de 2005. “O conselho seria um elo importante de comunicação com o governo”, afirma Maurício Gonçalves.
Lula até chegou a adiantar o trabalho. Em março do ano passado, anunciou decreto que determinava a instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista, a ser integrada à estrutura do Ministério da Justiça, assim como a Funai. Apesar do anúncio, o texto ainda não foi publicado. “Não entendo por quê”, questiona Jecinaldo Cabral. O presidente da Funai, em entrevista ao site do Partido dos Trabalhadores, afirma que a instalação da Comissão é prioritária.
A Comissão tem como tarefa acompanhar a tramitação de projetos de lei e propor diretrizes políticas na área. Sua principal atividade, no entanto, deve ser a elaboração de um anteprojeto de lei que crie o Conselho.
Segundo o decreto a ser publicado, ela se reunirá a cada dois meses e será composta por 24 membros, todos com poder de voto. Metade será de representantes do governo, outros dez de povos indígenas e mais dois de organizações indigenistas. A Funai terá poder de desempate, dando ao governo maioria nas discussões. Nenhum membro, no entanto, foi indicado até agora.
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