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O paradoxo brasileiro

O governo federal comemorou no início de outubro a redução em 40% da extrema pobreza do País, a qual teria resultado da ampliação do pagamento do programa Bolsa Família por meio da ação do Brasil Carinhoso. Segundo o governo, em cinco meses, o programa retirou 2,8 milhões de crianças com até seis anos da extrema pobreza. Tal efeito estatístico decorre da combinação do indicador adotado para medir a pobreza extrema (que é o mesmo que miséria ou indigência na linguagem corrente) com a inclusão das famílias nos benefícios da nova iniciativa. O governo considera miserável quem tem renda mensal familiar de até R$ 70 por pessoa. O repasse adicional propiciado pelo Brasil Carinhoso eleva automaticamente o número de beneficiários acima dessa linha de pobreza extrema. Não pretendemos aqui pôr em questão os resultados positivos desse aumento da transferência de renda. Nem sua inequívoca relevância para melhorar a condição de vida do contingente de miseráveis que, segundo o IPEA, era constituído ainda em 2008 por 8% da população brasileira. No entanto, em relação ao impacto definitivo da ação do Brasil Carinhoso no tocante à redução da miséria, é impossível evitar a interpretação segundo a qual os beneficiados eram miseráveis e agora estão pobres. Essas famílias que, pelo critério de renda, acabam de se elevar acima da linha da pobreza extrema, provavelmente não voltarão à condição de miseráveis enquanto persistirem essas transferências adicionais que se somam às asseguradas anteriormente pelo Bolsa Família. Outra coisa é discutir a solidez dessas transformações no sentido da aquisição pela população beneficiária das “capacidades básicas” cuja privação caracteriza, segundo Amartya Sen, a condição de pobreza. Neste caso, por “capacidades básicas” não se entenda a possibilidade de ter renda simplesmente, mas de decidir como utilizá-la para dar direção ao seu próprio destino. Em relação à eficácia e consistência das políticas públicas para reduzir a miséria e a pobreza, podemos começar pela política que a nosso ver teve maior alcance efetivo no sentido da redução da pobreza. Referimo-nos à política econômica do atual governo e do anterior a partir da inflexão do segundo mandato do Presidente Lula, quando componentes neoliberais que predominaram nos primeiros anos foram substituídos pelos desenvolvimentistas. Tal política favoreceu a inclusão de milhões de pessoas no mercado formal de trabalho, a elevação substancial do salário mínimo e seu impacto sobre a remuneração dos aposentados e pensionistas e o acesso dos pobres ao crédito. Tudo isso contribuiu para a ampliação do mercado interno e a retomada do crescimento econômico. Apesar do limitado alcance dessas políticas em relação à redução da desigualdade – cujo ritmo tem sido muito mais lento do que o da redução da pobreza-, cabe destacar, como dado novo e relevante, a política de redução dos juros. Ela poderá colocar um limite à apropriação de elevada parte da renda nacional pela ínfima parcela da população beneficiária das rendas vinculadas à dívida pública. Paradoxalmente, no entanto, o próprio desenvolvimentismo do segundo mandato do governo Lula e do governo Dilma impulsiona novos processos de produção e reprodução da miséria e da pobreza. Podemos mencionar os processos de expropriação de setores da população – inclusive indígenas e populações tradicionais - atingidos pelo avanço da mineração e do agronegócio. Da mesma forma, elencamos os processos de deslocamento e despossessão decorrentes da especulação e dos grandes projetos de renovação urbana, relacionados com os megaeventos esportivos de 2014 e 2016. Nesse sentido, entendemos que uma questão central na luta pela erradicação da miséria e pela redução da desigualdade é a da participação popular e controle democrático das políticas públicas – inclusive dos grandes projetos e obras de infraestrutura – voltadas para o chamado desenvolvimento.Fonte: Fase

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