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Campanha combate trabalho infantil na agricultura

Autor original: Luísa Gockel

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No dia 12 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou uma campanha para a eliminação do trabalho infantil na agricultura e, em especial, nas piores formas de trabalho infantil. A data foi instituída em 2002 em virtude da publicação do relatório da Conferência sobre o Trabalho Infantil, em Genebra, Suíça. Em todo o mundo, a agricultura é o setor onde se encontra a esmagadora maioria de crianças trabalhadoras - cerca de 70%. Os números assustam: mais de 150 milhões de meninas e meninos trabalham na produção agrícola e pecuária, ajudando a complementar a renda familiar.

De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), no Brasil, há cerca de 2 milhões e 700 mil crianças expostas a condições ilegais de trabalho. Ou seja, são forçadas a trabalhar durante longas horas nos campos, expostas a riscos, comprometendo assim a sua disponibilidade para freqüentar a escola. Para o coordenador do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, Pedro Américo, no Brasil o combate ao trabalho infantil na agricultura é mais complicado, pois, segundo ele, se dá basicamente no âmbito da agricultura familiar.

“Isso é um agravante muito forte, pois a fiscalização nesse espaço é muito mais precária. Não pode ocorrer da forma tradicional, pois há um respeito ao espaço doméstico previsto na Constituição”, explica. Outro componente que dificulta o combate é a cultura. “Hoje, no Brasil, a maior dificuldade é ultrapassar essa percepção coletiva de que, para a criança pobre do campo ou da cidade, a solução é o trabalho”, diz. Segundo ele, é preciso perceber que é que é justamente o trabalho que ajuda a perpetuar a situação de pobreza em que a criança se encontra.

Rets – Por que a escolha do trabalho infantil na agricultura para ser tema da campanha da OIT deste ano?

Pedro Américo - Dentro do contexto das atividades perigosas, insalubres ou ilegais, existem situações que são tão degradantes que é importante criar temas específicos para aprofundar essa problemática e para chamar a atenção para situações que antes não eram de conhecimento geral.

Este ano, optou-se pela agricultura porque, em termos absolutos, é na atividade agropecuária que se dá o maior índice de utilização de mão-de-obra infanto-juvenil. Em média, cerca de 70% das crianças que trabalham no mundo estão envolvidas em atividades agropecuárias. No Brasil, o percentual é menor [está em torno de 54%, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social].

Rets – Existe uma diferença do perfil do trabalho infantil no Brasil e no restante do mundo?

Pedro Américo – Existe sim. A rigor, em muitos países, a grande maioria dos casos se dá na agricultura e em grandes plantações de produtos que têm o grande mercado como destino. Isso acontece com plantações de café na África ou na área de sisal na Ásia, por exemplo.

No Brasil, a situação é um pouco diferente. Na agricultura comercial, o trabalho infantil não se dá. É difícil encontrar trabalho infantil nas plantações de cana-de-açúcar ou na colheita de frutas cítricas. Ele ocorre de forma muito residual porque hoje, no processo formal de produção da indústria ou do comércio, existe uma fiscalização que ocorre com cada vez mais freqüência e faz com que os empregadores evitem utilizar essas crianças.

Rets - E como se configura o trabalho infantil no Brasil?

Pedro Américo - A configuração no Brasil se dá basicamente na agricultura familiar. Aí sim é onde se concentra o maior número de crianças que são expostas a uma série de situações perigosas: manipulando instrumentos que não foram feitos para a sua ergonomia, como enchadas, expostas a uma jornada de trabalho muito longa sob o sol, sujeitas a animais peçonhentos, manipulando pesticidas ou fazendo movimentos repetitivos que comprometem a formação óssea e o crescimento da criança. Isso é o que acontece em geral no espaço familiar, em uma produção que não é em larga escala, mas para o consumo familiar ou para a comercialização local.

Rets – Então a imagem do trabalho infantil nas plantações de cana-de-açúcar não corresponde mais à realidade?

Pedro Américo – Isso de fato ocorreu, mas hoje só ocorre de forma residual. Muitas vezes, por conta da condição de trabalho degradante em que o adulto, sobretudo os homens, se encontram, os pais levam os seus filhos mais jovens para acompanhá-los. Mas quando o empregador percebe que existe uma criança, ele sabe que a fiscalização é rigorosa e muito firme e, portanto, deixa de contratar aquele adulto que leva a criança para a frente de trabalho.

Mas na medida em que o processo agropecuário se dá, sobretudo, em regime de economia familiar, isso é um agravante muito forte, pois a fiscalização nesse espaço é muito mais precária. Não pode ocorrer da forma tradicional, pois há um respeito ao espaço doméstico previsto na Constituição. Então, as crianças são expostas a perigos por não haver um mecanismo formal que faça com que o Estado possa estar ali presente garantindo os direitos integrais da criança e do adolescente.

Rets - Mas nem todo trabalho realizado por crianças na agricultura é prejudicial ou deve ser combatido, não é verdade?

Pedro Américo – É verdade. E isso vale também para o espaço urbano. Já que essa questão foi colocada, podemos aproveitar para tentar diferenciar um pouco o trabalho infantil do trabalho de criança.Talvez, para a sociedade, essa diferença seja muito pequena. O trabalho de criança é aquele integrador, disciplinador, que não a expõe a riscos, que acontece sempre com a supervisão da família e não compromete a sua freqüência escolar e o seu lazer. Esse trabalho ocorre no espaço familiar e é importante para o jovem valorizar a propriedade rural e o trabalho da sua família.

Isso obviamente não é trabalho infantil e não é o que estamos combatendo. O que não se pretende é que a criança do campo tenha menos direitos que a criança da cidade. A criança é uma só e é importante que ambas tenham os mesmos direitos. Nós queremos que as crianças do campo cresçam saudáveis, sabendo ler e escrever e sendo capazes de agregar novas técnicas à produção da família, melhorando a produtividade e a renda familiar. Ou seja, que sejam preparadas para ser trabalhadores plenos, que não levem para a vida adulta seqüelas.

Rets – Qual é o principal fator que prejudica o combate ao trabalho infantil no âmbito da agricultura familiar?

Pedro Américo – A pobreza é o fator que mais gera trabalho infantil. Mas programas de geração de renda e de segurança alimentar já têm minimizado esse fator. Hoje em dia, em algumas situações, exige-se maior produtividade e é preciso que a família toda participe. E é natural que isso aconteça. O que não é natural é colocar nos ombros dessa criança a mesma responsabilidade de um adulto.

Mas, além da pobreza, o que tem ajudado a perpetuar essa situação tem sido justamente a cultura. A percepção de que o trabalho infantil é uma solução para a pobreza e tem aspecto disciplinador. O problema é que os adultos disciplinam os filhos através do trabalho da forma mais perversa, dentro de uma relação de patrão, mesmo que nem toda relação patronal seja baseada no autoritarismo. Nessas horas, se misturam muitos papéis e isso vai gerando uma visão muito perversa do mundo do trabalho.

Esse aspecto cultural também está presente na cidade. É muito comum no espaço urbano que as pessoas achem que é melhor uma criança estar no sinal vendendo bala, engraxando sapato, limpando vidro ou fazendo malabares do que roubando. Hoje, no Brasil, a maior dificuldade é ultrapassar essa percepção coletiva de que para a criança pobre do campo ou da cidade a solução é o trabalho. O que não se percebe é que é justamente o trabalho infantil que vai perpetuar essa situação de pobreza em que a criança se encontra, já que o trabalho precoce dificulta que essa criança tenha um bom desempenho escolar que possibilite a ela no futuro não ser um jovem ou um adulto subempregado.

Rets – O ECA estabelece a idade mínima de 16 anos para trabalhar e 14 para atuar como aprendiz, conforme a lei. Como o Brasil está em termos de legislação?

Pedro Américo – A Constituição e as leis trabalhistas já foram adequadas para a idade de 16 anos, salvo para a aprendizagem que é regida por leis muito particulares, em que a supervisão é quase plena. A legislação brasileira se assemelha à de muitos outros países. A média de idade míninma está em torno dos 15 anos.

O problema no Brasil, é que a legislação da educação obrigatória, que hoje está em 15 anos, tem de se adequar a essa idade mínima. Então, outros arcabouços jurídicos importantes, ainda não estão adequados a essa realidade ousada de estabelecer 16 anos como idade mínima. Portanto, temos hoje um limbo em que o jovem ao completar 15 anos não é mais obrigado a estudar e também não pode trabalhar. É importante que se amplie a idade obrigatória de escolaridade para 16 anos para que o jovem, justamente nesta fase importante, esteja protegido.

Rets – Há dois anos, em entrevista à Rets, o senhor afirmou que o Brasil tinha reduzido, na última década, cerca de 40% do trabalho infantil em termos absolutos. Como está a situação hoje?

Pedro Américo – Isso mudou um pouco. Pela primeira vez nos últimos 14 anos o trabalho infantil aumentou. O Brasil já esteve melhor no combate ao trabalho infantil na medida em que tínhamos um programa desenhado especificamente para combater essa situação, o Peti [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil]. Era o único programa que, mesmo com as suas falhas, tinha o foco no combate ao trabalho infantil. Porque o trabalho infantil não é apenas uma questão de pobreza.

O que nos surpreendeu foi que, em 2005, o trabalho infantil aumentou pela primeira vez nos últimos 14 anos e isso é muito sério. É preciso refletir o porquê de ter aumentado. Por que apesar de existir um plano nacional de combate e prevenção do trabalho infantil, apesar de termos o Peti [que não aumentou em termos de metas, mas continua existindo], apesar da criação dos programas de renda, como o bolsa-família, com o aumento de ofertas de bancos escolares, como se explica que o trabalho infantil tenha aumentado 10%?

Rets – E qual é o seu palpite?

Pedro Américo – Na verdade, temos várias hipóteses e muitas variáveis. O que sabemos de fato é que o Peti poderia ter sido melhorado para atingir as crianças que trabalham hoje no Brasil. Ele está com os mesmos números de três anos atrás. Ou também, o trabalho infantil pode ter se deslocado para atividades mais invisíveis, que dificultem a sua identificação por parte do Estado. Pode ser também porque o trabalho infantil tenha deixado de ser prioridade. Enfim, existem várias especulações e hipóteses que não temos condições de confirmar. Mas elas estão aí e é preciso uma avaliação rigorosa.

Agora estamos ansiosos pelo resultado da Pnad 2006 [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios], que vai aplicar um novo módulo específico para o trabalho infantil. Ela vai gerar informações muito mais precisas na linha do que foi feito na Pnad 2001. Vamos saber com profundidade como está a situação de 2004 e 2005. E com o foco no trabalho infantil, é possível que os números sejam muito mais reveladores.

Luísa Gockel

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