Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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Para a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, trabalhar com refugiados significa encontrar no dia-a-dia provas vivas da intolerância, da xenofobia, dos conflitos que há no mundo. “A nossa esperança é que os conflitos terminem e que o mundo tenha novas perspectivas. Enquanto isso não acontece, a Cáritas vai continuar trabalhando para levar as pessoas para terras seguras”, diz Cândido Feliciano da Ponte Neto, diretor da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. A opinião de Cândido é reforçada por estatísticas: somente o Iraque produziu, em 2006, 1,2 milhão de deslocados e a população que hoje vive sob os cuidados do ACNUR no mundo é de 33 milhões de pessoas. De acordo com o ACNUR a situação atual tem proporções nunca vistas.
No Brasil, a Cáritas atua com refugiados desde 1976, quando o país vivia sob uma ditadura. Cândido diz que a aproximação com o ACNUR se deu nessa época. “Trouxemos um grupo grande do Chile que precisava de proteção internacional. Então, fizemos um acordo com o ACNUR para buscar outro país para aquelas pessoas porque aqui elas também eram perseguidas pelo governo brasileiro. O Brasil era um local de passagem, quanto mais rápido as pessoas saíssem daqui, melhor”, lembra.
Hoje a situação brasileira é outra. A lei 9.474/97, que de acordo com Luis Varese, representante do ACNUR no Brasil, é uma das legislações mais avançadas do mundo sobre o tema, estabelece como refugiada toda pessoa que por fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade ou residência habitual e não possa ou não queira retornar ao país porque não confia na proteção oferecida pelo referido Estado. Além disso, poder-se-á conceder status de refugiado ao cidadão estrangeiro que, devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país natal.
Dados do Ministério da Justiça apontam que o Brasil abriga aproximadamente 3.400 refugiados de 69 nacionalidades: 78,11% do continente africano; 6,10% do asiático; 6,85% do continente americano e 8,94% do europeu.
Apesar do baixo percentual de asilados latino americanos no Brasil, o ACNUR trabalha com a possibilidade de existirem de 10 a 15 mil colombianos em território brasileiro precisando de proteção. “Essas pessoas não são consideradas refugiadas porque não solicitaram essa condição, porém são pessoas que sabemos que vivem no Brasil por causa dos conflitos na Colômbia”, afirma Luis Varese. Para o governo brasileiro há 450 colombianos reconhecidos como refugiados, mas esse número tende a crescer na medida em que a informação chegue a essas pessoas.
Falta de informação é uma das causas para o baixo número de asilados colombianos no Brasil, mas não é a única. O representante do ACNUR explica que a perseguição na Colômbia é bastante peculiar por ser individualizada. “Não é como no Iraque, onde temos perseguições de sunitas e xiitas. Na Colômbia, por exemplo, um fazendeiro é achacado pela guerrilha para fornecer provisões, ele não fornece e foge para salvar sua vida. Se a guerrilha souber onde ele está, certamente vai mandar alguém do grupo buscar o fazendeiro onde ele estiver”, esclarece Luis. De acordo com o representante isso acontece porque a guerrilha colombiana tem necessidade de mostrar que tem o controle sobre uma determinada região. Luis ressalta que o Programa de Reassentamento Solidário proposto pelo Brasil auxilia na diminuição dessa perseguição individual porque o governo do país que abrigou o asilado pela primeira vez pode buscar um outro país para resguardar a segurança daquela pessoa, caso ela continue a receber ameaças. Atualmente, os colombianos são os mais atendidos por esse programa.
R.T e H.S são colombianos e estão no Brasil há um ano e meio e dois meses, respectivamente. R.T era estudante de contabilidade e trabalhava numa indústria. Quando foi desenvolver um trabalho social para a universidade numa comunidade onde havia muita violência, ele chamou a atenção da guerrilha. “Começaram a perguntar que trabalho era aquele que eu estava fazendo. Depois me levaram para um acampamento e me investigaram. Eles decidiram que eu tinha que trabalhar com eles. Queriam que eu fizesse um trabalho de convencimento da tropa porque, na ocasião, havia muitos desertores. Então, eles tinham que convencer as pessoas a ficar na guerrilha”, diz R.T. Ele conta que não era um trabalho voluntário era pressão, mesmo. A guerrilha deu duas semanas para R.T voltar para casa para pegar roupas e outros pertences pessoais e voltar ao acampamento. Quando chegou à sua cidade R.T comunicou o que estava acontecendo para sua família e veio para o Brasil. “Eu tinha que sair da Colômbia porque eu não voltei no prazo que eles estabeleceram e já era considerado um objetivo militar”, declara. R.T. Ele explica que é até difícil fugir porque a guerrilha está em todo o território nacional e que ficar no Brasil é um alívio porque o país é muito grande e ele está bem longe da Colômbia. Ele revela ainda que, inicialmente, pensou (por causa da língua) em ficar no Peru, mas depois a estratégia mudou e ele veio para o Brasil. Inicialmente, RT. entrou no Brasil como imigrante ilegal, mas depois soube do ACNUR e começou a buscar informações sobre seus direitos. Hoje, já tem documentos, está legalizado, pode trabalhar, viajar etc.
H.S, que era camponês, não gosta de falar sobre sua condição de refugiado. Diz apenas que está bem aqui, sem risco de vida. Ele se preocupa com a família que ainda está na Colômbia, especialmente com os filhos. “Estávamos aqui, digamos, mais tranqüilos, mas nos preocupamos com nossas famílias que ainda estão lá, especialmente com os meninos que eu tenho para criar”, desabafa.
Enquanto aguarda para ser oficialmente reconhecida como refugiada pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) a pessoa fica com uma declaração da Coordenação do CONARE que a habilita a receber um protocolo da Polícia Federal que permite obter uma carteira provisória de trabalho. H.S ainda é solicitante e R.T explica que logo depois ele será encaminhado pelo programa para estudar a língua portuguesa e, conseqüentemente, entrar no mercado de trabalho com mais facilidade.
Se dá saudade de casa? Claro, R.T responde. “Sinto falta da minha família, dos meus amigos. Mas o povo brasileiro também acolhe muito bem, faz amizade fácil e, além disso, os países são quase irmãos. Então, para nós a vida aqui não é tão diferente”, afirma.
Viviane Gomes
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