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Manifesto público contra mega-operação no Alemão

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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Na última semana de junho, mais uma operação policial no Complexo do Alemão (Rio de Janeiro) gerou pânico na comunidade, atingindo inocentes que não têm como se defender da violência que se alastra nos confrontos entre polícia e Forças Especiais de um lado, e traficantes do outro.

Há meses, entidades de defesa dos Direitos Humanos, organizações de moradores e movimentos sociais estão articulados para fazer frente aos abusos e violências cometidas pelo poder público nas comunidades pobres em nome da segurança. Repetidas tentativas de encontro com o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro foram frustradas. Finalmente nesta terça-feira [3/7], 17 entidades sociais e representantes comunitários do Complexo do Alemão foram recebidos pelo subsecretário de Segurança Pública Mário Derenne, quando expuseram suas posições e denúncias.

Segundo Rogéria Nunes, coordenadora técnica do Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), as denúncias apresentadas foram recebidas como fatos e atitudes pontuais, realizadas por maus policiais, que serão investigados pela Corregedoria.

O Complexo do Alemão é formado por 13 comunidades onde vivem aproximadamente 125 mil pessoas, de acordo com dados do Programa Saúde da Família da Prefeitura do Rio de Janeiro. Está no meio de cinco bairros do subúrbio carioca: Olaria, Penha, Bonsucesso, Ramos e Inhaúma. Há 12 associações de moradores; oito creches (entre comunitárias e municipais); três escolas públicas de ensino fundamental. Existem oito unidades do Programa Saúde da Família, mas não há posto de saúde para atendimento ambulatorial. Também não existem escolas de ensino médio nem técnicas ou profissionalizantes e o transporte no local é feito principalmente por kombis e moto-taxis. "A população é superior a de muitas cidades do interior do estado do Rio. E você não vai encontrar nenhuma cidade do interior com esse nível de carência de equipamentos públicos. Isso resulta na perpetuação e no acirramento do processo de não pertencimento dessas comunidades à cidade", afirma Rogéria.

Marcelo Braga, da Central de Movimentos Populares, que participou da reunião com o subsecretário, defende uma ampla reflexão sobre o papel que a polícia desempenha - segundo ele, desde a sua origem. Para Marcelo, hoje a polícia cumpre a missão para a qual foi criada: "reprimir negros, jovens e pobres em benefício de uma classe privilegiada financeiramente. "A polícia foi criada para reprimir atitudes dos negros e dos pobres contra seus donos e comerciantes que se instalavam nas cidades, há 200 anos. Quando a vida era no campo, o senhor de engenho tinha seus próprios meios de repressão, mas nas cidades a quantidade de escravos em cada família era pouca e não havia necessidade do capitão-do-mato ou feitor. A polícia foi criada para dar segurança a essa classe privilegiada. E continua atuando assim até hoje", explica. Por isso, Marcelo acredita que ações pontuais não vão resolver o caos na segurança pública do Rio de Janeiro.

Braga também esteve no encontro do Presidente Lula com o Governador Sérgio Cabral no dia 2 de julho e ficou espantado com a declaração do Presidente: "Ele disse que 'não se combate o crime com uma flor' e, com isso, praticamente legitimou a pena de morte das pessoas que moram e vivem nas comunidades pobres do Rio de Janeiro". Outro ponto levantado por Marcelo é o questionamento sobre os reais articuladores do crime organizado. "Não é possível que meia dúzia de jovens negros, que não tiveram educação, acesso a escolas, construam uma rede tão bem articulada, inclusive com outros países, para a compra e venda de drogas", reflete.

Para Sandra Carvalho, do Centro de Justiça Global, se você é jovem, pobre, negro mora em favelas ou morros, automaticamente você pertence à criminalidade. Ela conta que ouviu um jornalista questionar a afirmação de um pai sobre seu filho executado. "O pai declarou: ele não trabalhava, não estudava, mas não era criminoso. O jornalista debochou", conta Sandra - que perguntou ao repórter se ele sabe em que país vive. "No Brasil, as pessoas não têm acesso ao trabalho, à educação. Então, se você nasce numa comunidade pobre, a sociedade já o condena como criminoso. Há uma associação imediata, não há uma preocupação em saber quem você realmente é. Isso não pode ser assim", diz Sandra.

Na próxima semana, o governo federal deverá anunciar o lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública (PRONACE). Segundo Sandra, a sociedade civil foi chamada para tomar conhecimento dessa proposta governamental, que tem como base a realização de ações nos estados, dentro das comunidades, seguindo uma linha de segurança pública e cidadania. "Isso vem embutido no Programa de Aceleração do Crescimento. Então, a gente tem que analisar muito bem o que eles vão anunciar. A gente tem que ver que tipo de propostas serão apresentadas no programa, que será lançado em breve."

Nesta edição dos Cadernos Especiais da Rets, trazemos o manifesto público apresentado por este grupo de entidades e pessoas ao Governo do Estado e aos meios de comunicação. Leia aqui o documento.

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