Autor original: Mariana Loiola
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Foto: Antonio Cruz/ABr | ![]() |
Divulgado desde 2004 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o cadastro de empregadores que utilizam mão-de-obra em situação semelhante à de escravos, conhecido como “lista suja”, é hoje a principal arma para erradicar o trabalho escravo no país, segundo Leonardo Sakamoto, coordenador da ONG Repórter Brasil. A razão disso é que a lista atinge economicamente as empresas que utilizam esse tipo de mão-de-obra: instituições financeiras públicas não emprestam recursos para os relacionados na "lista suja" e muitas empresas negam-se a adquirir mercadorias produzidas por essas fazendas.
Na última atualização do cadastro, divulgado pelo MTE em 10 de julho, são apontados 192 empregadores (pessoas físicas e jurídicas) que se utilizam do trabalho escravo em 16 estados do país (em maior número no Pará, Tocantins e Maranhão). Foram excluídos 22 empregadores por preencherem os requisitos exigidos pela portaria n°. 540/2004, que condiciona a exclusão do cadastro ao pagamento de multas e comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários. Por outro lado, foram incluídos 51 novos nomes, como o do ex-governador de Goiás, Agenor Rodrigues Rezende.
O Cadastro de Empregadores previsto na Portaria é atualizado a cada seis meses. Todos os trabalhadores em situação de escravidão apresentados na “lista suja” foram libertados. Os grupos móveis de fiscalização do governo federal já resgataram quase 26 mil trabalhadores desde 1995.
Em entrevista à Rets, Sakamoto comenta a importância da “lista suja” e de outras ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003, além de iniciativas da sociedade civil para combater o trabalho escravo. Ele fala ainda sobre os caminhos que levam os trabalhadores a essa situação e ressalta a importância de se investir em projetos de prevenção.
Rets - Qual é a eficácia da “lista suja” no combate ao trabalho escravo no Brasil?
Leonardo Sakamoto - Depois das ações de libertação dos trabalhadores, o cadastro é a principal arma para combater o trabalho escravo. A razão disso é que a lista tem atacado o coração do trabalho escravo, que é o lucro. Ela possibilita que esses empregadores não consigam fechar seus negócios nem obter crédito bancário. Por isso, a restrição econômica provocada pela lista tem causado um impacto importantíssimo e muito mais rápido do que a Justiça, que é muito lenta nesses casos.
As ações judiciais movidas contra a “lista suja” por fazendeiros que se sentem prejudicados pela divulgação dos seus nomes mostram a efetividade do cadastro. Eles alegam que o cadastro é inconstitucional, mas o Ministério Público do Trabalho defende bem, ressaltando que a lista não é uma ação de punição, mas de divulgação. Ela apenas dá transparência a uma situação. Ao culpar a lista, esses fazendeiros estão culpando apenas o “mensageiro”. A força da lista não está nas indenizações, que são pequenas, mas nas ações do sistema financeiro nacional, que se recusa em emprestar dinheiro a essas fazendas, e das empresas que hesitam em comprar dessas fazendas.
Rets - Restrições financeiras resolvem o problema?
Leonardo Sakamoto - Não. Restrições financeiras fazem parte de um conjunto, têm que vir acompanhadas de atividades preventivas e punição criminal. O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, do governo federal, tem outras metas, mas precisa de mais, principalmente metas de prevenção, como projetos de geração de emprego e renda, para que os trabalhadores sejam inseridos na sociedade e não caiam na escravidão. O Plano está sendo revisto pelo governo e a sua nova versão deve ficar pronta dentro de alguns meses.
Rets - Segundo o relatório "Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI", lançado pela Organização Internacional do Trabalho em 2006, o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo foi cumprido parcialmente. Como você avalia o governo Lula no tratamento dessa questão?
Leonardo Sakamoto - Há boas melhorias: as ações do Ministério Público do Trabalho, com condenações milionárias saindo, as libertações de trabalhadores, o aumento da conscientização de trabalhadores e da sociedade etc. Mas o cumprimento do Plano ainda sofre com vários entraves. Deveria haver mais apoio para a reforma agrária e para projetos de geração de emprego e renda, por exemplo.
Rets - Ainda há muitos políticos a favor do trabalho escravo, como o ex-governador de Goiás, incluído na última atualização do cadastro?
Leonardo Sakamoto - Nenhum se posiciona contra o trabalho escravo, todo mundo se diz contra. Mas alguns dizem simplesmente que o que acontece nessas fazendas não é trabalho escravo. Assim tentam engambelar a sociedade. Uma série de deputados e senadores defende quem foi flagrado com trabalho escravo ou usa trabalho escravo em suas fazendas, como o Leonardo Picciani (PMDB-RJ), Inocêncio de Oliveira (PL-PE) e João Ribeiro (PR-TO), que já passaram pela “lista suja” (este último ainda continua na lista).
Rets - Em que condições esses trabalhadores se encontram? De que forma privam a sua liberdade e como eles chegam a essa situação?
Leonardo Sakamoto - Essa situação começa com a miséria extrema, que empurra o trabalhador para procurar emprego longe de casa. Como “peão de trecho”, ele deixa a sua terra e vai de trecho em trecho procurar trabalho, sem rumo, em busca recursos para voltar para casa. Ao ouvir histórias dos “gatos” [intermediários entre o fazendeiro e o trabalhador] de que há emprego em determinadas regiões (principalmente as de fronteira agrícola), o trabalhador é atraído para o trabalho escravo. O gato promete muito e dá tudo: roupa, comida etc. O trabalhador vai feliz, mas na hora do pagamento, é descontado pelo que consumiu e o salário é muito pouco para pagar suas dívidas, que só vão aumentando. Há casos em que os trabalhadores recebem até R$ 10 por mês (como numa fazenda de cana, em Ulianópolis, no Pará, da qual 1108 trabalhadores foram resgatados recentemente pelo grupo móvel de fiscalização). Dessa forma, endividamento, trabalho extremamente degradante, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaça psicológica, espancamento e até assassinato (para demonstrar poder aos outros trabalhadores) caracterizam a situação dessas pessoas que têm sua liberdade cerceada pelos fazendeiros.
Rets - A sociedade civil está mobilizada para combater o trabalho escravo? Qual é o papel das organizações que trabalham com esse tema?
Leonardo Sakamoto - Uma série de projetos e organizações atuam no atendimento a vítimas, recebem denúncias e as encaminham para o Ministério Público do Trabalho, e atuam na prevenção com ações de geração de emprego e renda. Muitos utilizam a economia solidária como alternativa de reinserção, para que os trabalhadores libertados possam ficar em suas comunidades e não retornem à escravidão. Nessa linha, posso citar o projeto Trilhas de Liberdade e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, por exemplo. Há ainda os que pressionam a sociedade e o governo para que atuem no combate ao trabalho escravo e lutam por uma Justiça célere para julgar esses casos. Nesse sentido, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) é sem dúvida a principal iniciativa.
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