Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
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Gustavo Gindre*
Se a tragédia do vôo da TAM não tivesse ocorrido, o mês de julho de 2007 ficaria marcado como a data do renascimento da cidade do Rio de Janeiro. Pelo menos para a grande imprensa carioca.
Primeiro foi a eleição da estátua do Cristo como uma das novas sete maravilhas da humanidade, num concurso patrocinado por um (até então) obscuro empresário suíço. A campanha brasileira chegou a promover até desfile em Lisboa, na tentativa de angariar votos.
Depois, veio a epopéia dos jogos Pan-Americanos. Quando escrevo estas linhas, o Brasil acaba de assumir a segunda colocação no quadro de medalhas, fato que ainda irá gerar urros ufanistas do Galvão Bueno.
Mas, talvez fosse interessante lançar um outro tipo de olhar sobre estes jogos. Um olhar que poucas vezes esteve presente na grande mídia, especialmente nos canais de televisão que transmitem as competições e realizam infindáveis mesas-redonda.
O exemplo da Olimpíada já demonstrou que não basta organizar os jogos para que a cidade seja automaticamente beneficiada. Se Barcelona e Sidney tiveram ganhos expressivos com as Olimpíadas, o mesmo não aconteceu com Atlanta e Atenas. As duas últimas gastaram quantias enormes e tiveram um retorno duvidoso.
No caso do Pan do Rio, qual o retorno para a cidade?
O orçamento dos jogos consumiu mais de R$ 3 bilhões, ou 10 vezes o previsto inicialmente. Um aumento de 1.000%. Após os 17 dias do Pan, a cidade ficará apenas com os equipamentos de segurança, uma estação de tratamento de esgoto e as instalações dos jogos. As duas primeiras conquistas eram demandas antigas da cidade, anteriores ao Pan. Já em relação às instalações esportivas, muitas ainda não têm nem mesmo um destino definido e podem se tornar verdadeiros elefantes brancos. Quanto à vias expressas e estações de metrô, a cidade só viu os projetos na prancheta. Aliás, ainda estamos devendo uma auditoria nas obras, para saber porque os custos aumentaram tanto. Ou o projeto inicial foi mal feito ou alguém tratou de inflacionar os gastos.
Mas, o Pan teria gerado empregos, nos conta a grande imprensa. É verdade. O que ela não diz é que a grande maioria dos empregos foi temporária, de baixa qualificação e, portanto, mau remunerada. Com o dinheiro gasto pelo Pan, seria possível investir em qualificação de mão-de-obra, em apoio à micro e pequenas empresas, na infra-estrutura produtiva... Enfim, ter ações que garantissem empregos duradouros e melhor remunerados.
Ok. Contudo, não se pode negar que o Pan gerou um fluxo de turistas para a cidade, certo? Mais ou menos. De fato, não há dados concretos sobre isso. Mas, a própria grande imprensa noticiou que taxistas esperavam um faturamento melhor, que não houve. E que a rede hoteleira teria reconhecido que cerca de 80% dos turistas que vieram assistir ao Pan são brasileiros, em geral vindos de estados do sul e sudeste. Não teria havido, portanto, um afluxo tão grande de turistas estrangeiros.
E quanto ao esporte em si? O Pan não seria uma conquista para o esporte brasileiro? Bom, a prática do esporte deve ser divida em duas categorias bem diferentes.
A primeira diz respeito ao esporte de base. Em muitos países é a escola a grande responsável pelo esporte de base. Ali se praticam conceitos como auto-disciplina e cuidado com o corpo. O esporte de base poderia servir como atividade ocupacional (especialmente para as crianças de mais baixa renda, cujos pais são obrigados a deixar seus filhos em casa, ou nas ruas, para trabalhar), como prevenção à doenças e como triagem ao esporte de alto rendimento. Nesse caso, eu fico com o testemunho de Diogo Silva, medalhista de ouro no Pan, na disputa de TaeKwonDo, que tantas vezes já criticou corajosamente a falta de apoio ao esporte de base. Infelizmente, a realização do Pan no Brasil não representou nem massificação nem melhoria das condições de prática do esporte de base.
Tudo bem, mas e quanto ao esporte de competição, de alto nível? Afinal, o Brasil está em segundo lugar, certo?
Esse dado revela um inegável crescimento do esporte de competição no Brasil. Principalmente, uma diversificação. Vamos deixando de ser apenas o país do futebol (masculino) para ser também do vôlei, da natação, da ginástica e até, quem sabe, do softbol. Mas, este mesmo dado precisa ser temperado com outras informações. Vejamos:
Esporte de alto rendimento no Brasil é sinônimo de Estado. Assim como no cinema, por exemplo, se o Estado sair por uma porta, a produção sai pela outra. Quem garante o esporte de competição no Brasil, ao contrário do que apregoa o discurso liberal, é o Banco do Brasil (vôlei), Correios (natação e futebol de salão), Infraero (judô), Caixa Econômica Federal (atletismo) e Petrobras (handebol). Quando o dinheiro se diz privado, na grande maioria dos casos é proveniente de renúncia fiscal. Ou seja, era dinheiro devido ao Estado.
Nos últimos anos, Cuba vem demonstrando um pequeno (mas, constante) declínio no esporte de alto rendimento. Não sei dizer as causas, mas talvez seja uma consequência da situação econômica da ilha, enfraquecida pelo criminoso boicote norte-americano. Ou por conta da fuga de atletas, que procuram países onde podem ganhar um melhor salário.
Mas, a colocação do Brasil revela, principalmente, a queda de importância dos jogos Pan Americanos.
O leitor sabia que o último recorde mundial batido no Pan (em qualquer modalidade) ocorreu há exatos 24 anos, em 1983, na cidade de Caracas? Essa queda no rendimento coincide com o momento onde os esportes se profissionalizaram de vez e surgiram os chamados circuitos internacionais, que pagam vultosos prêmios em dinheiro. A Golden League de atletismo, que ocorre neste momento na Europa, paga US$ 1 milhão para o atleta que conseguir vencer suas seis etapas (Oslo, Paris, Berlim, Bruxelas, Zurique e Roma). Os principais atletas (como o jamaicano Asafa Powell, recordista dos 100m) nem pensam em largar estas competições para vir disputar o Pan.
Por isso, o time de beisebol dos Estados Unidos era composto por universitários e o time de basquete por jogadores da segunda divisão (a CBA).
Na natação o Brasil faturou 27 medalhas, sendo 12 de ouro. Se, contudo, os mesmos nadadores tivessem alcançado os mesmos tempos, mas no Mundial de Natação, realizado em abril, o Brasil ficaria com apenas uma única medalha (de ouro, para Cesar Cielo, nos 50m livres). Nos 200m peito, onde conseguiu a medalha de ouro, Tiago Pereira não teria nem chegado entre os oito finalistas do mundial.
E, ainda, a imprensa jogou para as notas de pé de pagina uma série de outras informações sobre os jogos. Pouco se disse que os estádios e arenas estiveram quase sempre vazios (apesar dos ingressos supostamente terem esgotado). Ou que o complexo de piscinas Maria Lenk não teve sua cobertura construída a tempo para os jogos, fazendo com que os nadadores tilintassem pela chuva e o frio. Ou mesmo que Arena do Rock ficou impraticável para a prática de esportes, obrigando a mudança de calendário nos jogos de beisebol e softbol. Tampouco que a Tissot, marca suíça de relógios, responsável pela cronometragem do Pan, notificou o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) pelo não cumprimento das normas mínimas acordadas anteriormente para garantir o funcionamento de toda a tecnologia envolvida. E que a iluminação do Rio Centro foi considerada insuficiente para a transmissão de TV por parte da empresa ISB, contratada para exibir oficialmente os jogos no restante do mundo.
Por que, então, diante de tantos fatos, a grande imprensa se cala? Será porque a imprensa tem interesse em prestigiar o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia? Ou porque, no momento em que vende cotas de patrocínio que custam alguns milhões de reais, os canais de TV deixam de fazer jornalismo para passar a vender um produto chamado Jogos Pan Americanos? Ou talvez pelo fato da Globo Marcas, subsidiária da família Marinho, ser a responsável pelo licenciamento dos produtos com a marca do Pan?
Ao certo apenas o fato que, para garantir o almejado sucesso no Pan, e com a desculpa de preservar a segurança, as autoridades sitiaram diversas comunidades, impedindo o direito de ir e vir de seus moradoras, sob o sorriso satisfeito da elite carioca.
*Gustavo Gindre é secretário executivo do INDECS, coordenador do Nupef/Rits e membro do Coletivo Intervozes.
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