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Transformando conflitos em oportunidades

Autor original: Marcelo Medeiros

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Uma nova forma de mediação de conflitos está sendo utilizada em uma pequena cidade do norte de Minas Gerais. Segundo Luís Tadeu Assad, professor da Universidade Federal de Brasília (UNB) e diretor do Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS), não se trata de mediação e sim, gestão de conflito. Isso porque o que se busca é produzir soluções de desenvolvimento em áreas de conflito - como em Guaraciama, onde o embate entre uma multinacional de celulose e carvão e agricultores terminou com o assassinato de um produtor rural no começo do ano. O caso ainda está sendo investigado, mas a ONG tem como objetivo fazer com que os dois lados conversem para que todos tirem lições da tragédia.


"Transformamos os conflitos em oportunidades de desenvolvimento para todos", afirma Assad. A metodologia, ainda sem nome, busca integrar teorias de resolução de conflitos, vindas do Direito, a uma abordagem socioambiental dos problemas. Nessa entrevista, o professor e diretor da ONG explica como a gestão de conflitos se desenvolveu e como foi aplicada até agora.

Rets - Como é feita a mediação de conflitos?

Luis Assad - Não chamamos de mediação. A mediação é apenas uma função dentro da gestão de conflitos. Nosso objetivo é sempre facilitar o diálogo entre as partes.

Rets - Como isso é feito?

Luis Assad - Estamos desenvolvendo uma metodologia, a gestão pacífica de conflitos socioambientais. Com ela buscamos intervir em conflitos para que as partes possam conversar e encontrar soluções. Na verdade, consideramos o conflito parte integrante do desenvolvimento socioambiental. Sempre houve e sempre haverá desentendimentos nessa área. Acreditamos, porém, que não podem acontecer enfrentamentos como o de Guaraciama, onde uma pessoa morreu. Isso nunca. Nós não investigamos o caso, não sabemos quem foi o responsável, mas tentamos baixar a tensão entre agricultores e empresa para que haja um desenvolvimento sustentável na região.

Rets - Mas de que forma isso é feito na prática?

Luis Assad - Acreditamos que, se colocados os problemas na mesa, o dálogo acaba sendo mais sincero. Tentamos apontar as causas do conflito para ambas as partes. Mostramos para a empresa por que os agricultores se sentem alijados das terras e, aos trabalhadores, o que a empresa pode fazer de bom. A partir daí, a tensão tende a diminuir. Transformamos os conflitos em oportunidades de desenvolvimento para todos.

Rets - Que tipo de oportunidades surgiram nesse caso?

Luis Assad - É grande o desemprego na comunidade. Antes da chegada da empresa, as pessoas viviam do extrativismo e agricultura. Quando a companhia chegou, tudo mudou. A economia ganhou nova dinâmica. Surgiram novos empregos, mas, ao longo do tempo, algumas funções foram sendo realizadas por máquinas, que agilizavam a produção. Ou seja, tempos depois, não havia mais tanta oferta de emprego e o meio ambiente foi alterado. O que fizemos foi buscar alternativas com o poder público e o setor privado. Hoje alguns agricultores já estão produzindo mel e renovando seus plantios. Por outro lado, a empresa passa a ter uma imagem melhor perante a sociedade. Um melhor relacionamento entre estas partes, ainda por cima, protege a área de explorações predatórias.

Rets - Não houve dificuldades?

Luis Assad - Sim. A empresa, por exemplo, se negava a admitir nossa presença como intermediários. Já ONGs atuantes na região nos acusavam de estarmos do lado da empresa. Com os dois lados envolvidos - agricultores e empresários - tivemos problemas com vocabulário. Enfim, foi um processo de convencimento. Hoje todos participam, mas com um certo pé atrás.

Rets - O IABS possui também alguma iniciativa proativa? Ou atua apenas quando já há um conflito?

Luis Assad - O ideal é conseguirmos chegar antes de o conflito ser deflagrado. Nesse caso chegamos depois de haver morte, mas antes já havia uma série de boicotes. O ideal é evitar que a situação chegue a esse nível, porque, depois, há muita desconfiança. Em alguns casos, fazemos mediação, pois acreditamos no diálogo. Quando chegamos, procuramos os melhores representantes e tentamos fazer com que conversem. Ganhamos a confiança pouco a pouco, mas estamos evoluindo.

Rets - De que maneira vocês chegam ao conflito?

Luis Assad - Essa é uma grande questão nossa. Como chegar às áreas de conflito? Nesse caso, chegamos depois de a situação de conflito já estar instalada. Havia uma morte, afinal. Conseguimos recursos e passamos a agir lá. Afinal, uma intervenção custa dinheiro. Como ninguém nos conhecia, tivemos que nos apresentar, ganhar confiança de ambos os lados.

Rets - Além de Guaraciama, em que outras áreas o IABS atua?

Luis Assad - Já trabalhamos no Ceará, onde houve um conflito entre pescadores e grandes empresas em uma área turística. Fomos chamados pela prefeitura local para tratar do conflito. Os recursos vieram do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Com a UNB (Universidade Federal de Brasília), atuamos em três áreas da BR-163 (Cuiabá-Santarém). Já atuamos também em parceria com outras entidades.

Rets - Há um tempo pré-determinado para a atuação?

Luis Assad - Geralmente trabalhamos com um horizonte de seis a oito meses. Mas isso varia bastante, de acordo com a complexidade do caso.

Rets - Como foi desenvolvida a metodologia?

Luis Assad - A partir de um trabalho na UNB, onde sou professor e faço pós-doutorado. Nosso objetivo é terminar o processo de criação da metodologia até o fim do ano, pois ela ainda não está totalmente consolidada. Nos inspiramos nas teorias de conflito, mas com foco em meio ambiente.

Rets - Deu para unir as duas coisas?

Luis Assad - Ainda estamos trabalhando nisso. Mas é certo que nunca haverá uma metodologia certa para todos os casos, ela vai precisar mudar de acordo com a situação. Temos a intenção de criar um observatório de gestão de conflitos.

Marcelo Medeiros

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