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Escurecimento global - uma ameaça ainda imperceptível

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Por Taís Seibt*

O “escurecimento global” ou “global dimming” têm sido o novo alvo de debate entre cientistas, meteorologistas, ONGs e governos de todos os continentes. O fenômeno vem sendo observado e catalogado desde a década de 50.

Vários estudos baseados em redes de estações radiométricas mostram que durante o período 1964-1992 se observa um escurecimento global significativo em amplas regiões da África, Ásia, Europa e América da Norte, com uma redução média de aproximadamente 2% (dois por cento) por década. O fato se deve à redução da irradiação solar global, ou seja, o fluxo de radiação solar que chega à superfície terrestre, tanto pelos raios solares quanto pela radiação difusa dispersada pelo céu e pelas nuvens.

Acredita-se que o escurecimento global tem sido causado por um aumento de partículas de aerossóis na atmosfera terrestre, como o carbono negro, ocasionado pela ação humana. O carbono negro é uma forma impura de carbono produzida durante a combustão incompleta de combustíveis fósseis, madeira (formando fuligem) ou de biomassa. Essa variação do CO2 pode ser encontrada em aerossóis, sedimentos e solos.

Os aerossóis, por serem partículas suspensas num gás, com alta mobilidade inetercontinental, além de outros particulados, absorvem energia solar e refletem a luz do Sol de volta para o espaço. Esse efeito variava com a localização, mas sabe-se que a nível mundial a redução foi da ordem de 4% (quatro por cento) ao longo das décadas de 60 a 90. Essa tendência inverteu-se em 1990, interferindo no ciclo hidrológico por via da redução de evaporação, originando um período de seca em várias regiões.

O aumento da poluição acarreta a produção de maiores quantidades de particulados - o que dá origem à formação de nuvens com um maior número de pequenas gotículas (isto é, a mesma quantidade de água encontra-se dispersa num maior número de gotículas). As gotículas menores tornam as nuvens mais refletoras, aumentando assim a quantidade de luz solar que é refletida de volta para o espaço e diminuindo aquela que atinge a superfície terrestre.

As nuvens interceptam tanto o calor proveniente do sol como o calor radiado pela Terra. Os seus efeitos são complexos e variam com o tempo, localização e altitude. Geralmente, durante o dia, a intercepção da luz solar é predominante, resultando num efeito de arrefecimento; durante a noite a re-radiação do calor para a Terra, abranda a perda de calor desta.

A trilha que leva a descoberta do escurecimento global começou há 40 anos em Israel, com um trabalho de um jovem imigrante inglês chamado Gerry Stanhill. Com formação em biologia, o trabalho de Gerry era organizar o esquema de irrigações, e para isso ele precisava medir a intensidade do brilho do sol sobre Israel. Nesse trabalho era importante medir a irradiação solar, porque esse é um fator importante que determina a quantidade de água que as plantações precisam. Durante um ano, Gerry coletou dados referentes a medição da luz solar. Os resultados foram os esperados, e usados para ajudar a projetar o sistema de irrigação de Israel.

Vinte anos mais tarde, nos anos 80, Gerry decidiu repetir sua pesquisa para verificar se aqueles dados ainda eram válidos. Ao fazer a repetição da análise feita no passado, ele ficou surpreendido, pois descobriu que houve uma grande diminuição na luz do Sol, baseado na quantidade de radiação deste em Israel. Ao se comparar as medições realizadas no início dos anos 50 com as medições atuais, o que se vê é uma redução de 22% (vinte e dois por cento) da luz solar. Todavia, quando Gerry publicou esses resultados, eles foram ignorados, pois os cientistas acreditavam que se isso realmente fosse verdade, os israelitas deveriam estar congelando.

Acontece que Gerry não foi o único cientista a perceber a diminuição da luz solar. Na Alemanha, a jovem Beate Liepert - graduada em climatologia - descobriu que o mesmo parecia estar acontecendo também nos Alpes da Bavária.

Alemanha, Israel... mas qual era a situação no resto do mundo? Com trabalhos independentes, Liepert e Stanhill começaram a pesquisar publicações, períodicos e dados meteorológicos de todo o mundo. E ambos encontraram a mesma história extraordinária! No período compreendido entre os anos 50 e 90, o nível de energia solar atingindo a superfície da Terra tinha caído 9% (nove por cento) na Antártida, 10% (dez por cento) nos Estados Unidos, quase 30% (trinta por cento) na Rússia e cerca de 16% (dezesseis por cento) em algumas partes das Ilhas Britânicas.

A comunidade científica se recusou inicialmente a aceitar esses dados, pois acreditavam que se havia redução da irradiação solar sobre a superfície da Terra, isso deveria deixar o nosso planeta mais frio. Eles sabiam que na verdade ocorria o inverso, o aquecimento global. Esse fenômeno - resultante do dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa que emitimos -, segura ainda mais calor na atmosfera terrestre.

No entanto, na Austrália, os cientistas e biólogos Michael Roderick e Graham Farqurar, da Universidade Nacional da Austrália, descobriram outro resultado paradoxal: um declínio mundial em taxa de evaporação diária. Eles chegaram a essa conclusão trabalhando com a Taxa de Evaporação de Panela, que nada mais é que a medição da quantidade de água que precisa ser colocada todos os dias em um recipiente, para o líquido voltar ao nível do dia anterior. Roderick e Farqurar verificaram que esta taxa estava diminuindo.

Por décadas, ninguém prestou muito atenção nas taxas de evaporação diária. Todavia, nos anos 90, os cientistas perceberam um fato bastante estranho. O nível de evaporação estava caindo. Como pode a taxa de evaporação cair, se a temperatura da Terra está subindo? Descobriu-se, então, que o aumento da temperatura não era o fator mais importante na taxa diária de evaporação, mas sim a energia dos fótons da luz solar incindindo na superfície que leva as moléculas de água para a atmosfera. Chegou-se, assim, a uma conclusão estarrecedora: se a taxa de evaporação está diminuindo, pode ser porque a luz solar está diminuindo.

Mas o que estaria causando isto? Um dos maiores climatologistas do mundo, Veerabhadran Ramanathan, da Universidade da Califórnia, foi procurar a resposta na Ilhas Maldivas, que são na verdade milhares de ilhotas no Oceano Índico. Estas ilhotas são desertas, mas na verdade, as ilhas do norte são atingidas por uma corrente de ar poluído (que tem 3 quilômetros de altura) vinda da Índia, e as do sul são atingidas por uma corrente de ar puro e limpo, vinda da Antártica. A premissa era de que a poluição poderia ser a responsável pela diminuição da taxa de evaporação. Queimar combustível não produz somente a poluição invisível, responsável pelo aquecimento global, mas também produz a radiação visível, pequenas partículas de fuligem e outros compostos. Depois de quatro anos de pesquisas, os resultados foram publicados: as ilhas do norte, devido às nuvens de poluição de 3 km de espessura, recebiam 10% (dez por cento) menos energia que as do sul. Os pesquisadores esperavam um resultado de 0,5 a 1% (meio a um por cento), mas ele foi 10 (dez) vezes maior! As nuvens estavam tornado-se espelhos gigantes, que além de refletir de volta os raios solares, podiam alterar o padrão de chuvas globais.

Na verdade, o escurecimento global tem mascarado a verdadeira força do aquecimento global. A Terra pode ser bem mais vulnerável ao efeito estufa do que esperávamos. Diante desse cenário de intempéries é necessário e urgente que a sociedade requeira uma tomada de posição. Tanto o escurecimento quanto o aquecimento global tratam de mudanças climáticas de efeito mortal. São assuntos relativamente novos que muitos cientistas até recentemente se recusavam a acreditar que existiam. Há dois anos, a maioria dos cientistas nunca tinha ouvido falar sobre o fenômeno do escurecimento global. Agora já acreditam que isso pode significar que todas as previsões sobre o futuro do nosso clima podem estar erradas.

A série da BBC de Londres exibida em 2005, transmitida pela Discovery Channel, tentou, através do documentário “O Mundo nas Sombras”, alertar a sociedade para os problemas que vamos em breve enfrentar; entretanto, já começamos à senti-los, embora em níveis ainda “pacíficos”. Mais do que nunca são necessárias medidas de combate, ou de pelo menos freamento ao aquecimento e ao escurecimento global. Este artigo dedica-se a explorar uma delas: a auditoria ambiental.

[continua]

* Taís Carolina Seibt é advogada e auditora ambiental. Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UCAM-Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental pela Faculdade Oswaldo Cruz.

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