Autor original: Marcelo Medeiros
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Por Marcelo Medeiros
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foto: Arquivo Nacional | ![]() |
Há cerca de duas semanas, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da República, lançou um livro histórico para a luta contra o legado da ditadura militar no país. A obra "Direito à Memória e à Verdade - Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos" é resultado de pesquisas da Comissão de Mortos e Desaparecidos, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos. De acordo com entidades da área de DH, a publicação não traz grandes novidades, mas seu significado é enorme. Afinal, é a primeira vez que o Estado brasileiro reconhece, em um documento oficial, que houve torturas, seqüestros e assassinatos, além de ocultamento de corpos, no período de 1964 a 1985.
Apesar de aplaudirem a iniciativa, ONGs e ativistas dizem que ainda falta muito para que os brasileiros saibam o que realmente houve durante o período da ditadura - principalmente no tocante a revelações sobre o paradeiro de corpos de dezenas de militantes políticos assassinatos no combate à repressão militar. Essas informações estão guardadas com selo de confidencialidade.
"A publicação do livro, com a presença do presidente Lula e outros membros do governo, é um passo significativo para a abertura dos arquivos da ditadura", afirma Amparo Araújo, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de Pernambuco. "É algo bastante positivo para o movimento de defesa dos direitos humanos, porém, precisamos ir muito adiante".
"A atitude foi muito importante, mas é tímida e limitada, pois tudo o que está lá já era sabido", critica Cecília Coimbra, diretora do Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro.
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foto: Arquivo Nacional | ![]() |
Na cerimônia de lançamento, o presidente Lula concordou que o livro é apenas uma etapa do trabalho de publicação sobre a verdadeira história do período militar. "A história do Brasil precisa dessa verdade tal como ela é. E eu acho que nós conseguiremos desvendá-la e mostrá-la ao povo", afirmou. Lula também disse que os parentes do mortos em combate, torturas ou assassinatos têm direito "sagrado e irrevogável" de enterrar seus filhos, netos, maridos e esposas. Garantiu ainda que o governo federal manteria os esforços para esclarecer todos os casos.
É aí, contudo, que os defensores dos direitos humanos cessam os aplausos. São poucos os que acreditam que o Estado seguirá adiante nas buscas pelos corpos. Para Cecília, a própria lei que institui a Comissão de Mortos e Desaparecidos, que redigiu o livro recém-lançado, é um exemplo de como as ações serão demoradas. "A lei 9140/95 é perversa. Fomos contra ela desde o começo, pois seu texto impõe às famílias o ônus da prova de que seus parentes morreram por motivações políticas. É uma tremenda contradição. Como alguém prova algo se não tem acesso às informações que podem levar à comprovação? Isso é um absurdo. O Estado não assume nada", resume.
O Exército brasileiro já se colocou algumas vezes contrário à divulgação de informações relativas ao regime militar. Para a instituição, tais investigações podem levar a revanchismos desnecessários. A Rets entrou em contato com assessoria de comunicação do Exército, mas não obteve retorno quanto às perguntas enviadas. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, também durante a cerimônia de lançamento do livro, garantiu que todos os esforços no sentido de liberar documentos estão sendo feitos e que nada impedirá esse movimento. "As Forças Armadas recebem este ato ( de divulgaçào de informações) como absolutamente natural. Não haverá indivíduo que a este ato possa reagir. Se houver, terá resposta".
“O que moveu o trabalho da comissão foi a busca da concórdia. Ninguém pode e ninguém será movido por sentimentos de revanchismo, mas o silêncio e a omissão não permitem a idéia de reconciliação que só pode nascer do profundo conhecimento daquilo que ocorreu”, explicou, em seguida, o titular da SEDH, Paulo Vannuchi.
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foto: Arquivo Nacional | ![]() |
"A postura do Exército não tem fundamento", reclama Amparo. "Todos os que se envolveram nos episódios já estão na reserva ou estão mortos. Não há sentimento algum de revanche, mas sim de exercício de um direito, que é o de enterrar parentes e saber como morreram". Cerca de 140 famílias ainda não sabem o destino de seus parentes e conhecidos. O presidente do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar de Britto, também defendeu que “todo esforço é necessário para abrir os arquivos na busca de informações. A história, o Brasil e as famílias precisam dessas informações”, ressaltou Britto.
Nesse ponto, o Brasil está muito atrás de outros países sul-americanos que também passaram por ditaduras - algumas até mais violentas, como a de Pinochet, no Chile. Lá, assim como na Argentina, militares envolvidos em torturas e assassinatos, além de seus superiores, têm sido julgados pela Justiça comum com base nos depoimentos de parentes e ex-militantes, assim como em documentos oficiais. Um dos casos mais recentes é o do ex-padre argentino Christian Von Wernich, hoje com 68 anos. Ele foi julgado no último dia 5 de julho, acusado de ter revelado confissões de militantes de esquerda a militares. Von Wernich também responde por envolvimento em sete assassinatos, 31 casos de torturas e 42 prisões ilegais. No Uruguai, um livro com mais de 3 mil páginas foi publicado - em papel e na internet. Ele traz informações sobre o paradeiro de muitos dos desaparecidos políticos da ditadura daquele país, que durou de 1973 a 1985.
Cecília e Amparo reclamam que, por aqui, os documentos nunca são divulgados. No máximo, vazam para a imprensa e pesquisadores. "Diversos jornalistas e acadêmicos publicaram documentos que têm o carimbo de sigiloso, mas, mesmo assim, o Estado não os libera para o Arquivo Nacional", critica Amparo. Para Cecília, não basta citar apenas militares. "Precisamos esclarecer também o envolvimento de empresários e políticos nesses desaparecimentos. Os documentos enviados ao arquivo não respondem nossas perguntas. O que nos interessa continua guardado".
O livro "Direito à Memória e à Verdade - Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos" é resultado de 11 anos de trabalhos da comissão. Com 500 páginas, recupera a história de mais de 400 militantes políticos, que foram vítimas da ditadura militar no Brasil. Versões impressas serão distribuídas a escolas públicas. Um versão on-line também está disponível na página da SEDH.
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