Autor original: Viviane Gomes
Seção original: Artigos de opinião
Por Silvia Camurça[1]
Nesta semana, ocorre em Brasília (DF) mais um esforço de mobilização do movimento de mulheres brasileiro, reunindo mulheres do campo e da cidade. Durante dois dias, elas permanecerão acampadas na tentativa de dar visibilidade ao problema da desproteção social a que estão submetidas milhões de trabalhadoras brasileiras. Desproteção previdenciária traduz-se, no caso das mulheres, em ausência de direitos à auxílio doença, licença gestante remunerada, aposentadoria por invalidez ou pensão para os/as filhos/as, em caso de morte.
Hoje, no Brasil, as mulheres representam mais de 70% das 40 milhões de pessoas na informalidade. Nesta situação estão, portanto, 28 milhões de mulheres trabalhadoras, são o grupo mais pobre entre as mulheres e a maioria é negra.
A situação é crítica entre: as trabalhadoras domésticas, as que trabalham por conta própria e aquelas que trabalham sem remuneração (as donas de casa ou aquelas que trabalham em regime de economia familiar, especialmente nas cidades). A Previdência Social não chega a 30% em cada uma dessas categorias.
Em relação aos 5,8 milhões de empregadas domésticas existentes no Brasil (PNAD/IBGE 2002), 4,3 milhões (74,2%) não têm registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social e, conseqüentemente, não contribuem para a Previdência Social, nem recebem seus benefícios. Outras são descontadas, mas seus patrões não recolhem.
Já as que trabalham por conta própria não têm renda suficiente para contribuir com previdência ou não tem renda regular para contribuir de forma contínua durante todo o tempo em que trabalham. Quanto às que trabalham sem remuneração não podem beneficiar-se do compartilhamento dos direitos previdenciários das pessoas que na família contribuem. Além disto, é pouco freqüente que elas tenham o controle financeiro da renda familiar, ficando, assim, sem autonomia econômica na grande parte de suas vidas ou por toda a vida. Enquanto trabalham não contribuem e quando envelhecem ficam sem direito à aposentadoria. Já que a lógica do sistema é contributiva.
O regime especial de aposentadoria rural tem sido um dos principais caminhos para a conquista da autonomia econômica pelas mulheres. Mas está sob constante ameaça, alvo do ataque de setores liberais, enquanto o movimento defende a ampliação de tal regime para setor urbano.
Na perspectiva do feminismo, a desproteção social enfrentada pelas mulheres decorre de três fatores principais: (a) as tarefas de cuidados familiares e domésticas - colocada nas costas das mulheres pela divisão sexual do trabalho - não são reconhecidas como trabalho, (b) a dupla jornada vivida pelas mulheres não é tomada como questão social para as políticas públicas e (c) a maior exploração sobre o trabalho das mulheres no mercado de trabalho não é percebida como um problema de injustiça social. Assim, seguem as mulheres, com menores salários, contratadas para ocupações mais precárias e menos valorizadas socialmente, submetidas a menor ou nenhuma proteção trabalhista.
Das mulheres brasileiras que integram a População Economicamente Ativa (PEA), 51,4% não possuem renda mensal regular. A maior parte da mão-de-obra feminina está ocupada no mercado informal ou em empregos precários (Plataforma Feminista Feminista, Brasília, junho de 2002). A taxa de desemprego feminino é cinco pontos percentuais mais elevada que as encontradas entre os homens (Schwarzer e Silva).
As análises relativas às populações negras e indígenas apontam dados similares à situação da população de mulheres: alto índice de informalidade e desemprego e conseqüente exclusão do sistema previdenciário. Segundo Silva e Schwarzer, dos 24,6 milhões de contribuintes selecionados para análise [PNAD, 1999], 16,1 milhões (65,2%) correspondiam a brancos (e amarelos que possuem perfil sócio-econômico similar aos brancos), enquanto apenas pouco mais de 1/3 dos contribuintes (8,6 milhões ou 34,%) eram formados por negros, pardos ou indígenas.
A desigualdade do mercado de trabalho se reproduz na previdência. O salário médio e o tempo de contribuição das mulheres são menores do que o dos homens, o quê redunda em menor valor de aposentadoria e benefícios para as mulheres. Sendo o benefício médio mais baixo entre as mulheres. A maior parte dos recursos da previdência é apropriada pelos homens, embora as mulheres sejam em maior número que estes entre a população beneficiária.
A maioria das aposentadorias por idade é paga às mulheres. Isto é revelador das dificuldades de contribuição das mulheres, o que faz com que a maioria delas não se aposente por tempo de contribuição. A grande maioria segue trabalhando por toda a vida.
É importante que se diga, viver mais, no caso das mulheres não significa viver melhor, muito menos, significa poder deixar para aposentar-se mais tarde. Apesar de as mulheres viverem mais que os homens, elas sofrem incidência maior de doenças crônicas, que determinam restrições de atividades. Além disto, para homens e mulheres a desproteção social aumenta com a idade, pois aumenta a dificuldade de se conseguir trabalho, há maior limitação da capacidade física e de inadequação às inovações tecnológicas.
Isto tudo nos faz confirmar a tese de que “o sistema de previdência social, lá nos seus primórdios, concebeu um beneficiário do sexo masculino, trabalhador engajado no mercado formal, chefe de família com vários dependentes, aos quais transmitia seus direitos previdenciários (Sueli Carneiro)”. Ao feminismo fica, mais esta vez, a tarefa de defesa dos direitos das mulheres e de articular a luta para enfrentar a necessária desprivatização e universalização do sistema.
*[1] SILVIA CAMURÇA, socióloga, integrante da equipe do SOS Corpo Instituto Feminista para Cidadania, atualmente é secretária executiva colegiada da Articulação de Mulheres Brasileiras [AMB].
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